As melissas (abelhas) na vida e mitologia

Publicado no jornal Diário da Região, São José do Rio Preto, SP, 02 de dezembro de 2025.

O nome mélis, em grego, significa mel e melissa denota a fornecedora de mel, ou seja, a abelha. Desde priscas eras, tem sido reconhecida a importância das abelhas para o meio ambiente e cadeia alimentar. O nome melissa, portanto, é considerado auspicioso porque, conforme as veneráveis tradições, as abelhas pousam nos lábios dos poetas para propiciar palavras doces e suaves. Tão relevantes são as abelhas que as mitologias grega, egípcia, hindu e indígena brasileira, assim como o simbolismo chinês, deram guarida às suas figuras e obras, como signos do amor e da vida.

Foi a ninfa Melissa encarregada de alimentar Zeus, depois senhor do Olimpo, quando homiziado no Monte Ida para escapar do pai, Crono, quem matava os filhos por temer fosse por eles eliminado. Ninfas eram divindades menores que personificavam a natureza. Posteriormente, Apolo, o deus do conhecimento, harmonia e instrução, se apaixonou por Melissa, quem o introduziu nos mistérios da apicultura. Foram outras ninfas a desenvolver as técnicas do cultivo das oliveiras e da criação animal. No antigo Egito, as abelhas eram consideradas sagradas e filhas das lágrimas do deus-sol, Rá. O mel era associado a Ma’at, a deusa da verdade e da justiça, portadora da doce fidelidade. Os faraós eram tidos como senhores das abelhas; o mel era alimento e a própolis tinha aplicações
medicamentosas, até hoje utilizadas em todo o mundo, principalmente na China. Ali integra a farmacopeia tradicional para as afecções dos pulmões, baço, boca, garganta, esôfago e intestinos.

Na China, o mel (feng mi) e a própolis (feng jiao) fazem parte do receituário desde o ano 2000 a.C., conforme livro do imperador Shen Nang, o Divino agricultor. Por sua vez, na Índia, a melissa era representada por Devi, deusa das abelhas e salvadora do mundo. Da mesma maneira, a divindade indiana do amor, Kama, filho de Brahma, o deus criador, aparece representado por um colar de abelhas em voo, significando a dinâmica do impulso criativo que promove a produção. Também dentre os povos indígenas brasileiros as melissas eram sagradas. A deusa Mari, uma abelha (txiworo), da tribo Ikpeng, simboliza a doçura da vida e o sacrifício para obtê-la. Dentre eles, o mel, a própolis e a cera apícola têm uso alimentar e medicamentoso, curiosamente para as mesmas afecções das terapias tradicionais chinesas. Tais lições da vida e da mitologia, também sustentadas pela ciência, são ignoradas no Brasil. Aqui, as abelhas se encontram
ameaçadas pelo uso irresponsável, indiscriminado e devastador de agrotóxicos, desmatamento e mudanças climáticas.

A extinção das melissas, ou mesmo sua redução considerável, tem impacto desastroso no equilíbrio ecológico; na agricultura; na produção de alimentos, como ainda na renovação da flora e fauna nativas brasileiras. Apenas no Estado de São Paulo, nada menos do que 112 milhões de abelhas tiveram mortes associadas por agrotóxicos, em 2023, uma mera fração dos números nacionais. Nossos apicultores procuram áreas despoluídas na Bolívia! Vamos reagir?

DURVAL DE NORONHA GOYOS JR.
Escritor polígrafo. Foi presidente da União Brasileira de Escritores. Da Academia de Letras de
Portugal. Diretor do Sindicato dos Escritores do Estado de São Paulo. Jurista. Escreve
quinzenalmente neste espaço às quartas-feiras