As plataformas digitais, a lei e o lucro

Publicado no jornal Diário da Região, São José do Rio Preto – SP, 23 de maio de 2023.

A existência da Lei é uma conquista da civilização. Sem a existência da norma legal, viveríamos na barbárie, no caos social e no mundo da iniquidade, do abuso e da institucionalização da injustiça. No vácuo da Lei, teríamos um amplo número de conflitos sociais entre grupos, comunidades e nações. A prevalência do império da Lei, portanto, é essencial para o funcionamento do Estado. Da mesma forma, o Direito internacional é de fundamental importância para a afirmação da igualdade jurídica das nações e bem assim, para o reconhecimento dos valores universais reconhecidos pela Carta das Nações Unidas como os Direitos Humanos, a dignidade individual, o valor da pessoa, da sociedade, e o princípio amplo da isonomia.

O extraordinário desenvolvimento tecnológico do último século veio desacompanhado de um igual progresso ético e moral. Isso ocorreu de uma maneira geral, como são tristes e veementes exemplos a virulência do uso militar; a destruição do meio ambiente; e a própria exploração humana, das mais diversas maneiras. Isso também ocorreu com o uso da Internet. Aquilo que poderia ter sido apenas mais um instrumento para a promoção do conhecimento, para a disseminação da educação e para a democratização do acesso à informação, foi sequestrado por aquele velho e impiedoso inimigo da Humanidade: o lucro, denominado por John Stuart Mill como “o ganho sem merecimento”.

Um dos mais característicos abusos da Internet tem se verificado, no curso das 2 últimas décadas, por meio das chamadas plataformas digitais. Devido ao caráter transfronteiriço do meio digital, o controle jurídico do seu conteúdo se torna altamente difícil, pela burocracia e custos envolvidos na busca da cooperação internacional. Assim, o meio passou a ser utilizado em grande escala por elementos criminosos para a prática ou indução ao delito, com a cumplicidade das grandes operadoras dos serviços das plataformas, pela rentabilidade que traz o seu uso.

Assim, reiteradas manifestações de práticas sancionadas universalmente como crime têm sido levadas a efeito, quase que impunimente. Desta maneira, o tráfico de drogas; a pedofilia; o canibalismo; o incesto; o tráfico de armas e de pessoas; o estupro; o racismo; a homofobia; o nazi-fascismo; o terrorismo; a incitação ao homicídio; o jogo ilegal; o contrabando; os maus tratos aos animais; dentre outros crimes capitulados nos ordenamentos jurídicos, têm trânsito nas plataformas digitais, sem reação dos seus responsáveis.

Isso se deve à ganância sem limites pelo lucro, uma das aberrações mais funestas e danosas do capitalismo. Sempre que pressionadas ao controle das ações criminosas e à cooperação com as autoridades nacionais diversas, as empresas responsáveis pelas plataformas digitais elencam uma série de argumentos insubsistentes para não o fazer. Dentre eles está a negativa à sujeição ao ordenamento jurídico do país onde o crime foi ou está sendo praticada. Dentre eles, alegam que os respectivos servidores estão noutro país.

Recentemente, em reação às tentativas de normatização da conduta das plataformas, levadas a efeito e inspiradas por princípios básicos e leis dos países onde desenvolvem sua atividade, passaram as empresas a alimentar um movimento de resistência. Esse é inspirado, dentre outros, pelo argumento falacioso, falso e cínico de que o controle do crime já previsto nas normas dos países seria uma limitação ao direito de livre expressão. Na defesa de seus interesses comerciais, não hesitam as operadoras a procurar solapar a base democrática de ordem interna. Que ultraje!

É por tais relevantes motivos que devem prosperar os projetos de lei de controle da observância da ordem jurídica pelas plataformas digitais. Eles buscam, única e tão somente, a defesa do indivíduo, da sociedade, do estado de Direito e da Democracia contra o abuso ensandecido pelo lucro estéril, desprovido de qualquer compromisso moral. Dentre tais iniciativas, no Brasil está o projeto de lei 2630/2020 o qual, por seus muitos méritos, merece o apoio da Nação e da cidadania.

Por Durval de Noronha Goyos Jr.