Publicado no jornal Diário da Região, São José do Rio Preto, SP, 21 de maio de 2025.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) lançou, em maio de 2025, o mapa-múndi oficial, em perspectiva que coloca o Sul no topo e, por decorrência, mostra o Brasil
no centro cartográfico. A meritória iniciativa foi objeto de escárnio imediato dos xenófilos,
confortáveis na posição de vira-latas culturais. Os mapas são, como é sabido,
representações geográficas, mas encerram também valores geopolíticos. No início do
século XVI, com a expansão marítima europeia, a cartografia passou a indicar as
pretensões de posses imperialistas. Posteriormente, o uso sistemático da posição superior
do hemisfério norte procurou dar maior importância aos países agressores ali situados.
Mas nem sempre foi assim. Ao contrário. O primeiro mapa-múndi ocidental de que se tem
notícia, a Tabula Rogeriana de 1154, foi iniciativa do normando Rogério II, do Reino da
Sicília, um soberano de cultura erudita multifacetada, quem falava o arábico, o latim, o
grego, o normando francês e o alemão. Pois bem, Rogério II comissionou o cartógrafo
árabe, Muhammal al-Idrisi, para elaborar um atlas. O trabalho resultante foi escrito em
arábico e é orientado com o Norte abaixo e o Sul no topo, com Meca centralizada. O mapa
foi a tal ponto reconhecido por sua excelência que Cristóvão Colombo dele se valeu, mais
de 300 anos após sua confecção.
Note-se ainda que a pioneira projeção cartográfica mundial foi chinesa, no ano de 940 d.C.,
600 anos antes da “invenção” de Mercator. Ela instruiu a construção naval e a navegação
chinesa por séculos, antes dos feitos ocidentais. Por curiosidade, observo que a primeira
carta europeia do Novo Mundo, o ‘Planisfério de Cantino’, de 1502, registra
majoritariamente o hemisfério meridional. Por outro lado, os inaugurais mapas ocidentais
do século 16, mostravam o Brasil na perspectiva Leste-Oeste, então comum.
Destes últimos, eu tenho dois portulanos originais na biblioteca do Instituto Noronha: o
primeiro, a ‘Carta di Gastaldi’, de 1571, ‘Brasil Nuova Tavola’, é um dos primeiros
documentos a indicar o nome Brasil, nesta grafia. O segundo deles, a Accuratissima
Brasiliae Tabula, holandês, com belíssimas decorações, é de autoria de Henricus Hondius I,
de 1597, época em que se verificavam as primeiras incursões de corsários ingleses no
nordeste brasileiro.
O mapa-múndi do IBGE, para além de resgatar as origens cartográficas históricas, traz
uma conotação política anti-hegemônica, anti-imperialista e é afirmativo dos valores
humanistas esposados pelas nações integrantes do Sul-Global. Este consenso informal,
mais de simples referência geográfica, é expressão de uma ordem multilateral fundada no
Direito Internacional, no respeito aos valores altruísticos, e na colaboração para a
prosperidade coletiva dos povos, significado que deveria ser explicado nas escolas
brasileiras. Parabéns, IBGE!
DURVAL DE NORONHA GOYOS JR.
Advogado, jurista, professor, escritor e historiador. Da Academia de Letras de Portugal. Ex-presidente da União Brasileira de Escritores. Escreve quinzenalmente neste espaço às
quartas-feiras