O Tratado Reformador da União Européia

Publicado no Jornal O Sul, Porto Alegre, RS em 19 de julho de 2007.

A nova presidência rotativa da União Européia (UE), por Portugal, iniciada no primeiro dia de julho de 2007, foi marcada por dois eventos de grande importância. O primeiro deles foi a cúpula entre o Brasil e a UE, realizada no último dia 4 de julho, que inaugurou um canal privilegiado e institucionalizado de diálogo diplomático e comercial entre os dois parceiros. O segundo foi o mandato recebido pela nova presidência de negociar um Tratado Reformador da UE, que substituirá a tentativa da promulgação de uma Constituição Européia, projeto aprovado por 18 dos 27 membros do bloco, mas recusado pelos demais.

De fato, o último Conselho Europeu, após árduas e conflituosas negociações, conferiu um mandato bastante claro à presidência portuguesa para a realização de uma Conferência Intergovernamental (CIG), que conduzirá as tratativas necessárias para a eventual de um novo tratado, indispensável para dar uma base jurídica sólida a garantir o futuro da UE.

As divergências profundas entre os Estados membros da UE a respeito de sua visão desse futuro impediram a aprovação da iniciativa de reforma imediatamente anterior, a minuta de Constituição Européia, um esforço meritório que terá uma conotação histórica de fracasso. Dentre os opositores de peso daquela iniciativa estavam os governos do Reino Unido e da Polônia, ambos clientes dos Estados Unidos da América (EUA).

O objetivo dos negociadores portugueses para o projeto é o de acelerar ao máximo o processo de negociação, de maneira a produzir um documento conciso até meados de outubro deste ano, a partir da CIG, a ser aberta em 23 de julho próximo. Com isso, esperam facilitar o entendimento, já que tratarão com os mesmos governantes que deram o mandato negociador original. Esse mandato recebido contempla um tratado que trate da regulamentação de três áreas com significados distintos e especiais: em primeiro lugar, a questão da segurança interna e cooperação judiciária; em segundo, a questão ambiental; e, por último, a matéria atinente à política externa da União Européia.

A área da segurança interna representa um grande obstáculo para um consenso, o que pode surpreender aos menos avisados. Ocorre que o Reino Unido tem por política privilegiar as relações com os EUA, ao mesmo tempo em que procura dificultar o adensamento das relações políticas da UE, principalmente para evitar a sua federalização. Ora, o setor judiciário e aquele de segurança interna representam um dos principais pilares de uma federação. Para facilitar a obtenção de um progresso substantivo nessa área, serão propostos parâmetros de maioria qualificada, a requerer um forte consenso destinado a aprovar as ações no setor.

Na área energética, estarão sobre a mesa de negociações as medidas para combater as alterações climáticas e o chamado efeito estufa. Da mesma maneira, tratar-se-á da questão da segurança energética, temas que são de grande interesse ao Brasil, de uma maneira geral, mas também em vista do potencial de cooperação na produção de energia renovável. Esse último tópico constou da agenda da cimeira entre Brasil e UE, dias atrás, bem como do pronunciamento feito pelo Presidente Lula em Bruxelas, na reunião que se seguiu ao encontro cimeira de Lisboa. Uma particular atenção deverá ser dada pelos brasileiros a eventuais subsídios para a área energética que poderão desequilibrar as relações na agricultura.

Um grande desafio para os negociadores da CIG será definir uma fórmula que permita à UE atuar em conjunto, como bloco, nas relações internacionais, o que tem sido em grande parte até hoje impossibilitado pelas posições idiossincráticas tomadas principalmente pelo Reino Unido, pelas razões apontadas.

O sucesso da CIG e das tratativas para um Tratado Reformador, coordenadas pelos negociadores portugueses, tornará a UE uma força mais confiável nas relações internacionais de uma maneira geral, da mesma forma que um parceiro melhor nas relações políticas e comerciais para o Brasil e para o Mercosul.