Prefácio do livro: As Crônicas de Caaporanga

Texto publicado pelo jornalista Fabrício Carareto, editor-chefe do jornal Diário da Região, São José do Rio Preto, julho de 2025.

A obra As Crônicas de Caaporanga é, antes de mais nada, um chamado. Um convite do Dr. Durval de Noronha Goyos Jr. a adentrar a “mata bela” (do tupi caa – mata – e poranga – bela), que carrega, em seu sopro silábico, a força de um Brasil profundo — ancestral, indomado, generoso na seiva e duro no cerne. É nesse território simbólico, onde se entrelaçam o mato e a ideia, o concreto e o sonho, que se inscrevem estas crônicas, escritas entre 2024 e 2025 e
publicadas no Diário da Região, jornal que há mais de sete décadas é sinônimo de credibilidade e de compromisso com o interesse público em São José do Rio Preto (SP).

Dr. Durval Noronha, por certo, percorreu essa floresta muitas vezes. Visitou e revisitou arbustos, inclusive os mais recônditos, e se oferece agora como guia nesta jornada dereflexões sobre os mais variados temas — sociais, políticos, econômicos, culturais e filosóficos. Ao adentrar a caaporanga, o leitor não encontrará a inscrição dantesca que manda abandonar toda esperança, mas sim um convite à renovação da fé em uma sociedade mais igualitária, justa e humanitária. Essa é a senda traçada pelo nosso guia, ao longo de mais de sete décadas de vivência e pensamento crítico.

Que o leitor não tema tomar a trilha, mesmo que, em certos trechos, ela desafie suas convicções. A caaporanga é bem guardada pelo quarteto Mariù, Gennà, Gaja e Pino — os quais, em contraponto ao Cérbero que se refastela com almas ímpias no Inferno de Dante, cuidarão zelosamente de quem se aventurar na bela mata.

A caaporanga é farta em fatos, utopias possíveis e fantasmas persistentes. Os textos caminham por diversas áreas do saber, mas não se deixam enredar pelos labirintos formais: buscam clareiras de lucidez onde a palavra serve para abrir e iluminar o conhecimento.
O caminho, no entanto, não está livre de percalços. Há aqui árvores velhas, personalizadas em figuras como o tresloucado Donald Trump e a injustificável guerra comercial deflagrada por um império que já não sustenta sua máscara de hegemonia.

Há espinhos — como o genocídio do povo palestino, que o autor denuncia com a coragem de quem escolhe a verdade em vez do silêncio cúmplice. E há raízes tortuosas — como a ascensão do nazifascismo, que desvela a face mais obscura da humanidade. Para enfrentar tais daninhas, Dr. Durval Noronha lança mão de seu facão afiado no verbo, e contra-ataca com precisão.
Mas, para além das armadilhas, o guia também conhece as clareiras. Em torno delas, erguem-se árvores altas e frondosas, das quais pendem os ensinamentos de Gandhi, Papa Francisco, Umberto Eco, Isaac Asimov, Antonio Gramsci, bem como atos de bravura — como os da Força Expedicionária Brasileira (FEB) — que abundam nesta mata simbólica. São os bons frutos que o autor faz questão de preservar e, orgulhoso, oferecer à contemplação do leitor. Para tudo isso, o guia é a Tabula Rogeriana do cartógrafo árabe Muhammad al-Idrisi — deixando de lado, providencialmente, a projeção de Mercator.

Há, nestas crônicas, o traço de quem conhece o mundo — suas armadilhas e promessas — sem jamais perder o vínculo com o chão que pisa. Um autor que observa o império, mas não se curva; que denuncia, mas também preserva; que, entre as ruínas do presente, planta sementes de memória e resistência. Em cada artigo, ressoa uma indignação que não cede à resignação. Em cada frase, lateja a confiança na dignidade humana, mesmo quando ela parece sufocada pelas folhagens espessas da história. Cada texto, enfim, é uma trilha por si só. Algumas mais curtas, outras mais sinuosas, mas todas apontam para o mesmo coração da mata: a crença de que não há civilização sem justiça, sem solidariedade, sem soberania.

Neste livro, o leitor encontrará sinais. Entre o mato bravo da desesperança e o tronco queimado da injustiça, brota sempre uma muda de indignação — que é também esperança.
Entre, caminhe, leia. E não se preocupe se perder o rumo aqui ou ali, incerto diante do trajeto indicado pelo autor — nosso guia é, acima de tudo, gentil. Mas atenção: é impossível sair da mata sem ser transformado. A travessia provocará questionamentos e reflexões de toda sorte. É como cruzar o Rubicão: muitas de suas certezas poderão ser abaladas — e talvez permanentemente.

Pronto para adentrar a Caaporanga?

Fabrício Carareto
Julho de 2025