Resenha por Romildo Sant’Anna, 11 de novembro de 2025, Brasil.
Um tema musical seguiu-me na leitura do ‘Banquete do Paixão’ e seus
apontamentos literários de cenas jocosas, insinuações eróticas e, mormente, de
adultérios. Lembrava-me do revezamento animado de dançantes a entoarem estrofes da
tarantella siciliana “Cc'è la luna n menzu ô mari”, no filme ‘Il Padrino’ (1972), do ítalo-
americano Francis Ford Coppola. Há no tratado de infidelidades conjugais do escritor
António Paixão, torcedor da Gaviões da Fiel e trovador do bairro Bixiga, um entra e sai
de personagens narradoras, palpiteiras e jactanciosas, desde a presença do Frei Totò
Molisano, a aparições incidentais de um tal de Dr. Noronha, um erudito versado em artes
literárias e que, segundo as más línguas, estaria de olho na bela Gigi Dell’Amore, não sei
se ficante ou esposa do próprio escritor António Paixão. Configura-se um fator bem
interessante: Na narrativa assinada pelo heterônimo, o criador real figura como criatura
de ficção.
Nem tanto filosófico e mais etílico, etnológico (pois o Bixiga é reduto da italianada
imigrante que ajudou no progresso e licenciosidades matrimoniais de São Paulo), não há
como não aproximar, pelo menos no nome, o ‘Banquete do Paixão’ ao clássico
‘Banquete de Platão’ (380 a.C.). Na obra platônica, basicamente composta de diálogos
homoafetivos, discutem-se as propriedades do Amor (Eros), nas relações carnais
(gravidez do corpo) à gravidez da alma, que gera a virtude. A obra paixônica
(neologismo de António Paixão), especializa-se na natureza, causas e consequências das
dores de corno como fatos adúlteros, vulgarmente mencionados como “puladas de
cerca”. Tudo num clima que beira o dionisíaco, como convinha e convém aos festins
amorosos helênicos e paulistanos do Bixiga (extensivo à Mooca, onde se reza a San
Gennaro, padroeiro de Nápoles).
O livro do luso-tropical António Paixão, heterônimo declarado do jurista e escritor
Durval de Noronha Goyos Júnior, chega a lembrar digressões iconoclastas e pré-
modernistas de Juó Bananère, pseudônimo do poeta parodista candidato à “Gademia
Baolista de Letras” (Academia Paulista de Letras), e do pós-modernista, escritor satírico
Stanislaw Ponte Preta. Mas não se realça como sátira, nem paródia. Realiza a mediação
entre o ensaístico e menções histórico-literárias em contextos diegéticos, ficcionais.
Passeia entre autores greco-romanos, poetas e prosaístas europeus da Idade Média à
modernidade, os asiáticos, hispano-americanos e brasileiros em ocorrências de adultério.
A António Paixão, no entanto, não interessam clichês intelectuais-literários do tipo “será
que Capitu traiu Bentinho?”. De forma bem-humorada, realiza convite enciclopedista
sobre assunto relativamente insólito entre os estudiosos, quase um tabu nos tratados de
História da Literatura.
Eis um livro que nos põe de frente a fisionomias da originalidade.