Publicado na Coluna Semanal do Dr. Noronha a convite do sítio “Última Instância – Revista Jurídica”, em 7 de abril de 2004, São Paulo, Brasil.
LONDRES – Nas sociedades democráticas que caracterizam o século XXI, a resolução de disputas é tradicionalmente objeto da prestação jurisdicional do Estado, através do Poder Judiciário, que aplica o Estado de Direito às situações específicas e individuais.
No Ocidente, em particular, tem havido, nas últimas décadas, um aumento enorme dos casos conflitivos sejam na área pessoal, social ou econômica, tendo em vista a virtual inexistência de mecanismos culturais visando à prevenção de disputas. Ao contrário, no Oriente, a sedimentação do confucionismo havida já há aproximadamente 2.500 anos, tem evitado até agora um crescimento do recurso ao Poder Judiciário no mesmo diapasão que no Ocidente.
De fato, o confucionismo ensina um código de ética humana (jen), regras de comportamento estratificadas :(li) e a forma, o caminho (tao) de aplicar a ambos nas estruturas sociais da ordem social, adotando as virtudes apropriadas de pai/mãe, marido/mulher, filho/filha, do mais novo face ao mais velho, etc.
Essa dicotomia resulta no fato de que, enquanto os Estados Unidos da América (EUA) têm aproximadamente 1 milhão de advogados para uma população de quase 300 milhões de habitantes e o Brasil cerca de meio milhão de advogados para 180 milhões de habitantes, o Japão tem apenas 20 mil para uma população de 130 milhões. A China, por sua vez, tem somente 100 mil advogados para uma população de 1 bilhão e trezentos milhões de pessoas.
Mais importantemente, o fator cultural tem impedido, no Oriente, a banalização do recurso ao Judiciário para questões frívolas e desnecessárias, bem como o abuso do processo legal.
Todavia, dentre nós, no Ocidente, a situação é exatamente a oposta. O crescimento ensandecido das disputas apresentadas ao Poder Judiciário tem sido tal que a eficiência do sistema institucional tem sofrido fortes abalos no mundo todo.
O debate para se dotar o sistema judiciário de melhor eficácia é hoje universal. Muitas vezes, tal discussão é estéril por não atacar as profundas causas sociais e políticas da crise do Estado na prestação do poder jurisdicional. No Brasil, por exemplo, a chamada crise do Poder Judiciário é em grande parte o reflexo de graves problemas do Poder Executivo, responsável por cerca de 70% dos casos judiciais no país, em grande parte dos quais litigando de má-fé. Ela retrata igualmente a crise do Poder Legislativo, do qual emanam leis freqüentemente distanciadas da realidade, bizantinas, obscuras e atabalhoadas. O próprio Código Civil é uma delas.
Como resultado, tivemos em 2003 o número extraordinário de aproximadamente 15 milhões de ações distribuídas no Brasil, o que congestiona o Poder Judiciário e, impedindo a célere resolução dos conflitos, compromete sua credibilidade. Em grande número dessas causas, temos o indivíduo defendendo-se do voraz ataque do Estado e este litigando de má-fé. O Poder Judiciário, cada vez mais político, não coíbe a prática da litigância de má-fé e, conseqüentemente, afunda profundamente no lodo da infâmia. Dessa maneira, uma reforma do Poder Judiciário que não contemple as causas sistêmicas e horizontais de sua crise, não será eficaz.
Enquanto Confúcio não iluminar nossos dirigentes e uma reforma eficiente não for colocada em prática, teremos uma grande migração das questões comerciais do foro do Judiciário para a arbitragem. Em contratos internacionais, observaremos não somente a eleição de foro alternativo de disputas no exterior, mas também a eleição de leis estrangeiras, para fins de se evitar os mares incertos e potencialmente tempestuosos de questões como a finalidade social do contrato.
A arbitragem traz três vantagens básicas com relação ao Poder Judiciário: em primeiro lugar, a especialização dos árbitros; em segundo lugar, a celeridade do processo; e por último, o menor custo. Por sua vez, a lei de muitos outros países em matéria contratual e societária é acentuadamente melhor do que a brasileira.