A liberdade é irreprimível – Resenha do Livro “A campanha da Força Expedicionária Brasileira pela libertação da Itália”

Por Walter Sorrentino, publicado no Portal Grabois em dezembro de 2013.

“Preciso. Claro, o livro de Durval de Noronha não só resgata a memória de nossos soldados na Itália, mas também dscreve com objetividade uma das páginas mais heroicas de nossa história contemporânea. Gostaria de dispor deste livro em meus anos de embaixador na Itália. Seria um instrumento poderoso diante das névoas de escqeuecimento sobre o papel da FEB na derrota do nazismo. Esquecimento (ou será indiferença?) que encontrei em muitos de meus interlocutores civis e militares.” Adhemar Bahadian, embaixador do Brasil na itália (2006-2009), sobre o livro A Campanha da Força Expedicionária Brasileira pela Libertação da Itália.

Há reflexões que se estabelecem na intersecção entre as coisas preciosas e as necessárias. Este opúsculo do Dr. Durval Noronha Goyos Jr. é uma delas. Concisa e culta, ela traz à tona episódios marcantes da nacionalidade e do papel do Brasil no mundo. Resgata homenagens merecidas a um pugilo de combatentes da Força Expedicionária Brasileira e os serviços prestados à causa democrática nacional e internacional naqueles terríveis anos da 2ª. Guerra Mundial, a maior do século 20.

As nações não vivem permanentemente estado de paixão ou de revolução. Ao contrário. Salvo a evolução normal e contraditória, elas na maioria das vezes nem contam com oportunidades para grandes saltos civilizacionais; às vezes retrocedem desmoralizadas, como dá conta o fim da URSS nos anos 1990 e mesmo alguns países da Europa nos dias atuais..

Isso é necessário dizer, porque o Brasil viveu nos episódios retratados momentos apaixonantes, quando se abriram perspectivas para uma nação mais autônoma, de direitos sociais e com liberdade. De forma profundamente contraditória, a Era Vargas iniciada em 1930, com a Revolução Liberal, abriu um percurso histórico que levou o país à modernidade, ao longo dos praticamente 50 anos em que subsistiu, alternando democracia e ditaduras, à guisa da ameaça comunista. Os que sim se desmoralizaram (e à nação) foram aqueles que proclamaram o intento de enterrar a Era Vargas e produziram, nos anos 1990, sob Fernando Henrique Cardoso presidente, um retrocesso nacional.

Os anos 1939-1945, da grande guerra, foram incubados na crise capitalista de 1929, a segunda grande crise e a maior, só rivalizada pela que tem curso no mundo hoje. Intentava-se repartir o mundo entre esferas de influência imperialistas. Tinha lugar o fascismo e o nazismo, tão bem retratados neste livro. Foi época de confrontos políticos, ideológicos e militares talvez irrepetíveis (torcemos) em sua radicalidade.

Opunha-se a isso profundo anseio libertário, tanto no mundo quanto no Brasil, sob o tacão ditatorial do Estado Novo. Na Europa, assumia a forma de poderoso movimento político e social, da resistência armada dos “partigiani” na Itália, das forças republicanas internacionalistas na guerra civil espanhola, da resistência francesa. Tinha-se a reserva estratégica da URSS, cujo papel foi decisivo na Grande Guerra Patriótica, inscrevendo página das mais memoráveis da história militar com a vitória contra o cerco a Stalingrado que decidiu o destino da 2ª. Guerra Mundial.

Igualmente aqui no Brasil, na forma de movimento de massas, que clamava contra o fim da ditadura e pela libertação nacional. Tratou-se, repito, de um desses momentos de paixão, sob risco da própria vida, quando os destinos da coletividade se soldam e impõem sobre os individuais.

Uma das bandeiras era, exatamente, a intervenção brasileira em apoio às forças aliadas. Havia aí um cálculo estratégico – a vitória de tais forças abriria o país à democracia, como ocorreu em 1945. O que não escapou à visão estratégica de Vargas, um dos maiores estadistas brasileiros, ao lado de José Bonifácio e alguns outros como o Barão do Rio Branco. Arguto, manobrou; primeiro com o “eixo”, depois com os aliados, via os norte-americanos. Não por acaso Roosevelt, na visita ao país mencionada no livro, afirmara que o New Deal (que tirara os EUA da crise) tinha um pai primeiro, Getúlio Vargas. Ele logrou, assim, conquistas para a industrialização brasileira, base para a modernização do país.

Daí a importância da FEB na luta ao lado dos aliados, prestando serviços à liberdade na Itália. Isso resultou de uma marca recorrente dos momentos definidores da brasilidade e da nação: unir amplamente o povo, de diferentes tendências, até insuspeitável unidade pelos termos “normais”. E outra questão saliente, da mesma brasilidade: a marca integracionista que caracteriza nosso povo. A FEB foi constituída em grande parte pelos descendentes dos próprios italianos, alemães e japoneses – países do eixo nazi-fascista – que, em grande monta, faziam a demografia brasileira, sobretudo em São Paulo e no sul do país. Prova maior de anseio democrático e impulso humanista que nos marca, não há. O próprio Vargas fazia questão, como se diz no livro, de uma FEB que expressasse o contingente da nacionalidade, com pracinhas de 21 Estados.

Poderosa força essa união do povo, no caso alcançada até mesmo entre trabalhadores e setores das forças armadas, contra o quê viria a se insurgir o espírito protofascista do general que sucedeu a Vargas, desunindo-o em nome da Guerra Fria, como se o povo fosse uma espécie de inimigo interno, mais perigoso até que as ameaças externas vividas por uma nação jovem que almejava desenvolver-se e ocupar seu espaço no mundo. Sabe-se no que dá quando prevalece esse tipo de ideologia – a nação paga o preço. Não há nação sem povo, não há povo atuante em defesa da nação sem democracia.

A lição foi vastamente aproveitada nos dias descritos na obra do Dr. Durval Noronha. E é válida até hoje, quando o Brasil se depara com novas oportunidades para sua afirmação nacional, democrática e popular, e a Itália se bate contra uma crise tremenda, levada à desmoralização política exatamente pelas políticas antinacionais e antipopulares.

Espero que este livro promova o reconhecimento mútuo entre italianos e brasileiros – que não tem faltado –, especificamente no papel da FEB na libertação da Itália do jugo fascista. Eu as rendo, pois tal mobilização teve o concurso marcante dos comunistas; rendo-as aos italianos e brasileiros de duas pátrias como os que lá combateram e aqui os sustentaram, como também o exemplo maior de Giuseppe Garibaldi e Anita Garibaldi. Homenageio todos que abraçaram a causa da liberdade e do interesse estratégico da nação, como o faz o Dr. Durval nos dias presentes.

Até porque, em termos históricos, a época caracterizada aqui ainda não findou: é a época da liberdade e do humanismo, a época da justiça e progresso social, a época da autodeterminação dos povos e nações, contra o imperialismo de qualquer cor, qualquer tipo. Tais anseios são invencíveis. E são iluminados por gente como o amigo que assina este livro.

Walter Sorrentino, médico, é dirigente nacional do Partido Comunista do Brasil.

Este texto é a reprodução do posfácio do livro.