A revisão do caso do algodão na organização do comércio

Publicado no jornal DCI – Diário Comércio Indústria & Serviços, caderno Justiça e Legislação, São Paulo, SP, Brasil, 17 de outubro de 2007.

A OMC (Organização Mundial do Comércio) divulgou em 15 de outubro deste ano o relatório de um painel reconhecendo, de um modo geral, que os Estados Unidos da América descumpriram a decisão de um outro painel que constatara sua prática de subsídios ilegais para os produtores de algodão, como resultado de um caso movido pelo Brasil.

Essa decisão vem a demonstrar uma das principais, mas não a única, das muitas falhas do sistema de resolução de disputas da OMC, i.e. a falta de eficácia de seus laudos. De fato, os laudos da OMC são apenas “recomendações”, que podem ou não serem aceitas pelas partes envolvidas nas disputas.

Assim, um Estado membro do organismo multilateral sucumbente poderá deixar de acatar as deliberações de um painel de arbitragem. A parte prevalecente poderá, como alternativa à execução específica do laudo, tratar de acordar com o adversário “compensações”, ou majorações tarifárias para outros produtos que não aqueles afetados pela disputa, na medida do dano sofrido.

Na falta de composição, a OMC autorizará a prática das chamadas “retaliações”, ou majorações tarifárias unilaterais para outros produtos que não aqueles afetados pela disputa, na medida do dano sofrido. Parece que o Brasil caminhará agora por esta via na questão do algodão.

Ora, resta claro que um sistema de resolução de disputas sem eficácia específica é falho. No caso em tela, o sistema falha na sua impotência de eliminar o subsídio ilegal. Mais ainda, tanto as compensações como as retaliações permitem a continuidade da prática desleal e sancionam a corrente saudável do comércio bilateral, ao majorar tarifas de produtos que nada têm a ver com, no caso, o algodão.

Tais falhas foram amplamente reconhecidas pela vasta maioria dos Estados membros da OMC, quando se tratou da reforma do seu sistema de resolução de disputas, no âmbito da chamada rodada Doha, esforço agora lamentavelmente abandonado, devido em parte à imperdoável omissão do Brasil.

De fato, foram apresentadas propostas de alterações não apenas de todos os 24 artigos e 4 anexos do tratado de regência do tema, mas principalmente no tocante à eficácia do sistema. A União Européia, a China, o Grupo Africano de Nações, os EUA, o Chile e o México, dentre outros, todos apresentaram propostas de alteração, sem que, contudo, fosse obtido consenso específico.

A única voz dissonante foi aquela sopitada do então chanceler Celso Lafer, considerado pelo grande historiador brasileiro, Moniz Bandeira, como o pior da história, que considerou o sistema um “success story” (sic).

Nesse, como em tantos outros pontos, o Itamaraty, no governo Lula, manteve a continuidade da política da administração anterior. No painel do caso dos pneus usados, onde o Brasil sofreu mais uma derrota no âmbito da OMC, o governo brasileiro declarou que “aquele é agora reconhecido como o mais eficaz sistema de solução de controvérsias em toda a seara do direito internacional público” (sic).

Explique-se isso aos setores economicamente afetados.