Publicado no “IOB Comenta”, São Paulo, Brasil, ano 1 – edição 2, janeiro de 1999.
1.- INTRODUÇÃO.
1.- O fenômeno da crescente interdependência econômica dos países soberanos tem ressaltado a importância da eficiente administração dos regimes cambiais para a prosperidade das nações. Não somente o comércio mundial de mercadorias e serviços é diretamente afetado pelos diversos regimes cambiais, mas também a capacidade de atração de investimentos estrangeiros e, por conseguinte, a própria competitividade das economias nacionais nos mercados internos e externos. A própria viabilidade dos mercados comuns, zonas de livre comércio e uniões alfandegárias depende de questões de política e regimes jurídicos cambiais.
1.1.- Para tratar do tema de hoje, dividi minha apresentação da seguinte forma:
a) Esta Introdução;
b) BRETTON WOODS E OS REGIMES CAMBIAIS, com atenção ao Acordo do Fundo Monetário Internacional e aos regimes cambiais decorrentes da ordem jurídica multilateral; às modalidades de políticas cambiais hoje existentes; suas especificidades, dificuldades e riscos;
c) UNIÃO MONETÁRIA NO MERCOSUL, com considerações a respeito da inviabilidade do Mercosul sem o livre fluxo de moedas; a crise cambial no Mercosul; ponderações estratégicas sobre união monetária no Mercosul; a posição dos governos brasileiro e argentino; o exemplo do Euro; obstáculos para a implementação e as vantagens de uma moeda única;
d) REGRAS UNIFORMES DE INVESTIMENTO, com análises sobre o regime jurídico dos investimentos no Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA); o regime de investimentos no Mercosul; as negociações para um regime de investimento na Área de Livre Comércio das Américas (ALCA); relações com a resolução de disputas no Mercosul; a proposta de um acordo multilateral de investimentos no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE); as tentativas de multilateralização de um regime jurídico dos investimentos junto à Organização Mundial do Comércio (OMC); investimentos e paraísos fiscais; e
e) CONCLUSÕES.
2.- BRETTON WOODS E OS REGIMES CAMBIAIS.
2.1.- O Acordo sobre o Fundo Monetário Internacional, que foi celebrado em 1944, e teve o Brasil como um de seus signatários originários, é mais conhecido por Tratado de Bretton Woods (3), denominação pelo qual doravante o designarei. O Tratado de Bretton Woods objetivou dar uma formatação jurídica às finanças internacionais de acordo com a nova ordem mundial que deveria seguir ao cabo da segunda grande guerra mundial. Entre seus objetivos expressos estão a promoção do comércio internacional e da estabilidade cambial, com o fito de se evitar depreciações rapaces da moeda, com o objetivo de assegurar maior competitividade comercial.
2.2.- O Artigo VIII do Tratado de Bretton Woods, também chamado de cláusula padrão, cristalizou o princípio básico da livre conversibilidade das moedas na ordem jurídica multilateral, tanto na seção 2, que trata da ausência de restrições em transações correntes, como na seção 3, que proíbe práticas monetárias discriminatórias. Desta forma, de acordo com a cláusula padrão, nenhum membro poderia impor restrições a transferências monetárias internacionais. Todavia, o Tratado de Bretton Woods teve de reconhecer que nem todos os países podiam garantir a livre conversibilidade cambial, por diversos motivos, e assim estabeleceu a exceção temporária de controles e restrições cambiais no Artigo XIV, também conhecido como cláusula transitória. Assim, os países signatários da cláusula padrão tem as chamadas moedas conversíveis, enquanto os países signatários da cláusula transitória tem as chamadas moedas não conversíveis.
2.3.- Desta forma, os países signatários da cláusula transitória podem administrar restrições cambiais, sem as sanções legais colimadas no Tratado de Bretton Woods, e todo o seu ordenamento jurídico de direito interno de monopólio cambial pelos respectivos Banco Centrais, controles e restrições, está assentado neste dispositivo. No entanto, sempre que um país migrar da cláusula transitória para a cláusula padrão, não poderá retornar ao regime de exceção sem a anuência do Fundo Monetário Internacional (FMI) (4). Como conseqüência, os diversos países membros do FMI passaram a administrar diferentemente suas políticas cambiais, um grupo na cláusula padrão e outro na cláusula transitória, mas nem sempre de forma homogênea nos respectivos grupos. De fato, tanto a liberdade cambial passou a ter certas gradações e especificidades, sendo até mesmo abandonado o padrão ouro original, bem como as restrições passaram a ter certa flexibilidade idiossincrática, dependente das especificidades momentâneas do país que as aplicava (5) .
2.4.- Os países signatários da cláusula padrão de Bretton Woods com maior poderio econômico, como os Estados Unidos da América (EUA), o Japão, a Suíça, e os países membros da União Européia, adotam o regime cambial das taxas flutuantes, segundo o qual as taxas são determinadas pelos mercados com base em negócios puramente privados (6). É variável, mas não predominante, o grau de intervenção dos bancos centrais, que mantém o poder de emitir moeda. Já alguns países de menor poderio econômico passaram a adotar o modelo denominado de paridade fixa (7), segundo o qual o país atrela sua moeda à moeda de um país mais desenvolvido, os EUA, e renuncia ao poder de emitir moeda, salvo quando tiver uma reserva equivalente na moeda de referência, o dólar norte-americano. É este o caso da Argentina e do Panamá e, até certo ponto, de Hong-Kong.
2.5.- Por sua vez, os países signatários da cláusula transitória de Bretton Woods adotam um regime, incentivado pelo FMI, de cláusulas de câmbio indexadas, normalmente ao dólar norte-americano. Tais taxas são fixadas em um determinado momento em um patamar realista de trocas ou então em níveis de sub ou super avaliação. No caso de sub-avaliação, as exportações se tornam mais competitivas e as importações mais onerosas; na hipótese oposta, o efeito é o da diminuição da competitividade das exportações e as importações mais baratas. Posteriormente, são feitos pequenos ajustes de desvalorização nas taxas de câmbio, sempre que a balança de pagamentos for deficitária. Na ocorrência de déficits, o respectivo governo tem as opções de, ou usar de suas reservas denominadas em moeda conversível, ou tomar recursos no estrangeiro.
2.6.- É evidente que as crises cambiais ocorrem, em sua esmagadora maioria, no elo mais vulnerável da cadeia, ou seja o dos países signatários da cláusula transitória, de vez que o regime de cláusulas de câmbio indexadas é uma inequívoca receita para o fracasso, em uma perspectiva de longo prazo. Isso não quer dizer, todavia, que o regime de paridade fixa não seja vulnerável, ele o é, e muito, como veremos mais adiante no caso da Argentina. Nem mesmo o regime das taxas de câmbio flutuantes é perfeito, o que é evidenciado não somente pela perspectiva histórica das crises, como a que afetou a Inglaterra em 1967 e, mais recentemente em 1992, como também pela evolução prospectiva de moedas supra nacionais, como o Euro.
3.- UNIÃO MONETÁRIA NO MERCOSUL.
3.1.- Os projetos de integração econômica regional, dentre os quais se inclui o Mercosul, somente poderão atingir o sucesso a longo prazo com o livre fluxo de moedas. Isso é verdade porque os regimes de controles cambiais tendem a gerar enormes distorções que, por sua vez, sentarão profundas raízes a comprometer seriamente todo e qualquer bloco comercial. Suas ramificações irão comprometer adversamente as trocas em mercadorias e serviços e os investimentos. O Tratado de Assunção (8), que criou o Mercosul, reconheceu tal realidade e estabeleceu a livre movimentação de capital, dentre os objetivos do bloco comercial. Apesar disso, o Brasil, a maior economia do Mercosul, sete anos após a assinatura do Tratado de Assunção, ainda é signatário da cláusula transitória de Bretton Woods e administra um regime cambial indexado compatível com controles cambiais.
3.2.- Contrariamente, a Argentina, a segunda maior economia do Mercosul, optou pela cláusula padrão de Bretton Woods e pelo sistema de paridade fixa ao dólar norte-americano, por meio de lei. Tal situação, a par de dar à Argentina uma maior atratividade aos investimentos estrangeiros (9), sujeitou o país platino a enormes vulnerabilidades estratégicas decorrentes de potenciais alterações significativas na política cambial de ambos, EUA e Brasil. Tal cenário só pode ser agravado pela falta de flexibilidade inerente ao modelo de paridade fixa. De fato, o Brasil tornou-se hoje não somente o principal parceiro comercial da Argentina, como a principal fonte de seus superavits comerciais. Hoje o comércio bilateral entre os dois países situa-se na casa dos US$ 20 bilhões e as exportações da Argentina para o Brasil representam aproximadamente 30% do total (10). Somente o Estado de São Paulo compra mais produtos argentinos do que os EUA (11).
3.3.- A vulnerabilidade da economia argentina a uma mudança substancial da política cambial brasileira que implique em uma significativa desvalorização do Real é explicada pelo necessário corolário da perda de competitividade dos produtos argentinos no mercado brasileiro. Esta situação é ainda claramente agravada pelo fato de que uma desvalorização cambial, na Argentina, não é um procedimento administrativo como no resto do mundo, pois depende de legislação específica (12). De resto, a maior competitividade dos produtos argentinos no Brasil deveu-se à sobrevalorização induzida do Real, com o objetivo de baratear as importações e refrear as pressões inflacionarias. Esta condição, como previsível, ainda comprometeu a competitividade dos produtos brasileiros no exterior.
3.4.- A percepção, na Argentina, das dificuldades inerentes à política cambial brasileira; o fato de que o Brasil implementa uma política de pequenas desvalorizações mensais com um efeito anual de aproximadamente 7%; e o desejo oportunista de cristalizar a presente vantagem cambial no regime institucional do Mercosul, levaram a Argentina a sugerir ao Brasil a união monetária. Tal proposta foi feita por ninguém menos que o presidente da república, Sr. Carlos Menem (13). Do lado brasileiro, há uma resistência considerável nos mais diversos níveis políticos, econômicos e sociais a essa iniciativa. Coerentemente, o Ministro de Estado das Relações Exteriores do Brasil, Embaixador Luiz Felipe Lampreia, replicou oficialmente que a moeda única deveria ser o fecho de ouro ao projeto de integração, colocando sua implementação para após a efetivação do livre movimento de pessoas e serviços (14). Congressistas brasileiros e o presidente do Banco Central do Brasil apoiaram essa posição (15).
3.5.- Na realidade, a proposta argentina é, em tese, tanto meritória quando compatível com o disposto no Tratado de Assunção. O entusiasmo com o qual foi recebida a criação do Euro (16) pela comunidade financeira internacional para alternativa ao papel do dólar norte-americano como moeda estratégica, da mesma forma que a percepção da fragilidade intrínseca, tanto do Euro (17) como do dólar (18) americano, são bons indicadores de que a iniciativa poderia ser bem recebida pelos mercados internacionais. Isso efetivamente poderia ocorrer se observados os mesmos critérios do Tratado de Maastrich (19) para déficit público; endividamento público; inflação e taxas de juros, acrescidos de uma política de uniformização fiscal.
3.6.- Todavia, há grandes obstáculos políticos no Brasil para a adoção de uma moeda comum que decorrem, por um lado, da complexidade étnica, geográfica, social, econômica e cultural do País; e, de outro, do inadequado estado de modernização de nossas instituições legais a níveis compatíveis com os melhores referenciais estrangeiros, o que é, em parte, uma das infelizes heranças dos anos de totalitarismo. Além das dificuldades de ordem política, há aquelas de ordem técnica, a principal delas sendo o fato de que o Brasil ainda pratica controles cambiais e seria uma grande temeridade e uma irresponsabilidade sem paralelos pretender-se passar de um regime de câmbio administrado diretamente para uma união monetária sem sedimentar uma experiência de liberdade cambial. Mesmo depois de superada a fase de liberdade cambial haveriam inúmeros outros problemas técnicos no que toca ao modelo de uniformização, no que os argentinos certamente prefeririam um regime de paridade fixa, que seria inaceitável no Brasil (20). Por outro lado, o peso é tido na Argentina como uma grande conquista nacional.
3.7.- O fato é que a falta da livre conversibilidade cambial no Brasil não somente irá afetar, como já vem afetando, a atratividade do País aos investimentos estrangeiros, bem como inviabilizará a consolidação do Mercosul. Desde 1993, os estados membros do Mercosul reconheceram que restrições a transferências de capitais impõem sérias tensões aos mercados financeiros (21). De fato, a falta de livre conversibilidade da moeda irá comprometer a médio e longo prazos a credibilidade de qualquer reforma fiscal feita no Brasil, bem como, indiretamente, aumentará de número e intensidade as crises institucionais do Mercosul pois, com o passar do tempo, o peso argentino estará super valorizado e a competitividade dos produtos argentinos no Brasil comprometida. Assim, como passo preliminar para uma eventual união monetária, deveriam convergir as políticas cambiais de ambos os países: o Brasil passaria para a liberalização cambial e a Argentina sairia do regime de paridade fixa, da mesma forma que ambos os países adotariam austeros critérios monetários
comuns.
4.- REGRAS UNIFORMES DE INVESTIMENTO.
4.1.- Os estados membros do Mercosul assinaram, em 17 de janeiro de 1994, o Protocolo de Colônia sobre a Promoção e Proteção Recíproca de Investimentos (22). Este acordo estabelece o benefício da cláusula da nação mais favorecida para os países signatários e regula, em detalhes, as transferências financeiras. Para que possam qualificar aos benefícios ali estabelecidos, os investimentos devem ser efetuados em moedas conversíveis, de acordo com a legislação de regência do país receptor do investimento. O Protocolo de Colônia ainda assegura a cobertura cambial para a remessa de repatriamento de capitais; pagamentos de juros, dividendos e lucros; pagamento de taxas de acordos de propriedade intelectual; certas indenizações e outros pagamentos limitados. Investimentos de cidadãos brasileiros no exterior, em geral, como também no Mercosul, sofrem inúmeras restrições.
4.2.- Em função da inexistência de controles cambiais na Argentina e no Uruguai, alguns analistas previram que investidores estrangeiros extra bloco comercial estabeleceriam sociedades controladoras naqueles países para investimentos no Brasil, assegurando-se do benefícios de convertibilidade do Protocolo de Colônia. Tal, todavia, não ocorreu, talvez pela percepção de que o referido acordo seja, na realidade, inexeqüível, face à formatação notoriamente falha do sistema de solução de controvérsias do Mercosul que, dentre outras imperfeições, não admite a hipótese de um nacional de um estado membro acionar um outro estado membro sem a expressa concordância de seu próprio governo. Desde o início do Mercosul, ainda não houveram casos de disputas, apesar do expressivo volume de trocas comerciais internas (23); do estardalhaço público causado por sérias divergências internas (24); das diversas ameaças (25); e do fato de ser hoje o Brasil um dos países mais litigiosos do mundo, depois dos EUA. Lamentavelmente para a afirmação do estado de direito no Mercosul, as controvérsias tendem a ser resolvidas diplomaticamente, sem respeito ao princípio legal da isonomia, vigente em todos os seus membros. Nessas negociações, um setor da economia de um país tende a ser sacrificado por um setor econômico de um outro, o que é um absurdo jurídico, uma escandalosa violação da ordem legal e um monstruoso abuso dos direitos individuais.
4.3.- Também nesse particular, pode-se identificar um outro elemento de discórdia no Mercosul. De fato, os argentinos, paraguaios e uruguaios propuseram a criação de um tribunal regional do Mercosul, à semelhança da Corte Européia de Justiça. Tal iniciativa foi rejeitada vigorosamente pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil, ostensivamente com a justificativa de que a seria prematura no presente estágio de integração regional. Certos setores do Poder Judiciário no Brasil, sempre à busca de sinecuras, apoiaram entusiasticamente esta proposta dos demais parceiros comerciais do Mercosul. Todavia, se por um lado há a inegável certeza que o presente sistema de resolução de disputas do Mercosul é absolutamente inadequado, por outro, apresenta-se cristalino de que seriam enormes os riscos de um tribunal regional de justiça, no presente estado de desenvolvimento das instituições judiciárias e uniformização legislativa no bloco. Impõe-se uma solução intermediária. O sistema de resolução de litígios do NAFTA poderia ser um modelo.
4.4.- Nas negociações da ALCA, os EUA desejam formatar um acordo de investimentos de conformidade com o que foi acordado no capítulo de investimentos do NAFTA. O artigo 1139 do NAFTA define investimentos de forma bastante abrangente de maneira a compreender imóveis; valores mobiliários; créditos bancários; direitos contratuais em geral e as correspondentes transferencias financeiras. O capítulo de investimentos do NAFTA estabelece os seguintes princípios básicos:
a) cláusula da nação mais favorecida;
b) tratamento nacional;
c) proibição de requisitos de desempenho;
d) critérios internacionalmente aceitos de indenização por desapropriação;
e) sensibilidade ambiental; e
f) sistema de resolução de disputas.
4.5.- O objetivo mais prosaico da diplomacia dos EUA com o capítulo de investimentos do NAFTA foi o de obter, da República Mexicana, a garantia de conversibilidade de todos os pagamentos devidos a cidadãos dos EUA por fontes públicas ou privadas. Isto encetou o modelo do cubo e do raio (26) no NAFTA, mediante o qual bancos, empresas e indivíduos de terceiros países a negociar com o México (inclusive cidadãos mexicanos operando de paraísos fiscais) se estabelecem nos EUA. As fragilidades intrínsecas do modelo ficaram aparentes na crise de liquidez do México de 1995, quando foi organizado um pacote financeiro pela comunidade internacional no valor de US$ 50 bilhões, com o objetivo de gerar recursos para o pagamento dos bancos que emprestaram àquele país (27). A ânsia de se assegurar que os recursos fossem efetivamente repassados aos bancos foi tamanha que o Federal Reserve dos EUA interveio diretamente no Ministério da Fazenda e no Banco Central mexicanos (28). Desta forma, não é de se surpreender que mesmo com tal volumosa quantia de recursos, equivalentes ao Plano Marshall, o PIB mexicano tenha caído, no ano subsequente, cerca de 8%. De qualquer forma, o sistema atingiu o objetivo de tornar o governo mexicano garante das operações privadas.
4.6.- Já durante a Rodada Uruguai do GATT, os EUA tentaram inserir, na ordem jurídica do comércio multilateral, um acordo de investimentos. Tal esforço foi neutralizado pelos países em desenvolvimento, liderados pelo Brasil e pela Índia. No entanto, após ter obtido sucesso no âmbito do NAFTA, os EUA motivaram a OCDE a negociar, entre seus membros, um acordo de investimentos nas mesmas linhas daquele, o que ainda não teve sucesso devido a oposição de alguns países, notadamente a França. Todavia, como a iniciativa é dirigida contra os países em desenvolvimento em geral, particularmente os signatários da cláusula transitória de Bretton Woods, há uma renovada tentativa de fazer com que o projeto migre para o seio da OMC, que sem dúvida será resistida por muitos países (29). De qualquer forma, indaga-se se realmente um tal acordo é necessário para a atração de investimentos estrangeiros, já que os investidores, muito sofisticados e bem assessorados, saberão distinguir as diversas legislações domésticas, penalizando as ineficientes e premiando as adequadas.
4.7.- Assim, resulta claro que a iniciativa do acordo multilateral de investimentos atende a objetivos imediatistas de certos setores da banca internacional, na qualidade de principais representantes dos capitais especulativos. De fato, dos 29 países membros da OCDE, ao menos 9 tem legislação interna de paraísos fiscais: EUA; Reino Unido; Áustria; Canadá; Irlanda; Luxemburgo; Holanda; Portugal e Suíça. Metade do dinheiro do mundo é movimentado de centros financeiros não residentes situados nestes países, que atuam integrados ao sistema bancário doméstico. O setor de serviços financeiros é, por conseguinte, uma das principais atividades econômicas nos países preponderantes da OCDE, e seu segmento mais rentável é a atividade não residente.
4.8.- Posteriormente ao Tratado de Bretton Woods, tornou-se comum a prática, nos principais países desenvolvidos, de se criar legislação de paraísos fiscais para atrair os capitais dos países signatários da cláusula transitória e com moedas inconversíveis. Essa prática fez desses países e de certos setores da banca internacional, não somente complacentes, mas cúmplices ativos na fraude do ordenamento jurídico interno dos países em desenvolvimento e particularmente daquela pertinente à área tributária. Somente o Brasil perde anualmente a quantia aproximada de US$ 40 bilhões em arrecadação fiscal devido a fraudes viabilizadas por estruturas de paraísos fiscais. Além da guarida à fraude fiscal, tal sistema viabiliza o crime organizado, o tráfico de drogas, o tráfico de armas e outras atividades sancionadas como crimes pelo direito penal internacional.
4.9.- Do ponto de vista financeiro, a realidade dos paraísos fiscais neutralizou todo o esforço de equilíbrio monetário e desenvolvimentista da ordem econômica multilateral, em geral, e do Tratado de Bretton Woods, em particular. Sem uma ordem jurídica internacional para os mercados ditos “off-shore”, o FMI apresenta-se impotente e a prosperidade das nações tornou-se refém da atividade especulativa rapace e do crime organizado. Alguns governos tem chamado a atenção da opinião pública internacional para os efeitos deletérios da anomia na ordem jurídica das finanças internacionais. Na abertura dos trabalhos da 53a. sessão das Nações Unidas, o Ministro de Estado das Relações Exteriores do Brasil, Embaixador Luiz Felipe Lampreia, pediu a regulamentação internacional dos mercados financeiros não residentes (30). Mais recentemente, na 8a. Conferência dos Chefes de Estado Ibero-Americanos, o Presidente Fernando Henrique Cardoso conclamou seus pares a estabelecer uma ordem legal internacional para os mercados financeiros (31). Outros líderes internacionais, como o primeiro-ministro da Malásia, tem chamado a atenção para o referido problema (32), às vezes sob o risco de despertar o opróbrio de representantes dos mercados não residentes.
5.- CONCLUSÕES.
5.1.- Do que expus hoje, temos as seguintes conclusões:
a) o Brasil somente atingirá maturidade econômica e competitividade internacional com a livre conversibilidade da moeda;
b) o melhor sistema para tal é o regime cambial das taxas flutuantes;
c) a paridade cambial fixa na Argentina é uma receita de desastre a médio prazo;
d) Brasil e Argentina devem adotar simultaneamente um regime de taxas flutuantes, com critérios de convergência para uma moeda única, a médio prazo;
e) o projeto de um Acordo Multilateral de Investimentos é uma tentativa imoral de facilitação do estupro organizado das economias dos países em desenvolvimento; e
f) sem a regulamentação legal internacional das atividades dos centros financeiros não residentes, estarão frustrados os objetivos de Bretton Woods.
NOTAS DE RODAPÉ
1 – Texto básico da apresentação feita por ocasião do Seminário sobre Direito Bancário promovido pela IOB e realizado em São Paulo, SP, Brasil, no dia 27 de novembro de 1998. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS.
2 – Membro da Ordem dos Advogados do Brasil e da Ordem dos Advogados Portugueses. Sócio sênior de Noronha – Advogados. Árbitro da Organização Mundial do Comércio. Autor de “A OMC e os Tratados da Rodada Uruguai”; “GATT, MERCOSUL & NAFTA”; Dicionário Jurídico Noronha e co-autor de “Foreign Exchange Handbook”, Euromoney Publications. Professor de direito do comércio internacional no programa de pós-graduação da Universidade Cândido Mendes, Rio de Janeiro.
3 – Promulgado no Brasil pelo Decreto n. 21.177 de 27 de maio de 1946.
4 – Caso do Reino Unido na década de 60.
5 – Como, por exemplo, o regime de taxas múltiplas, adotado pelo Brasil em diversas épocas, inclusive hoje, desde a partir da promulgação do Tratado de Bretton Woods em território nacional, em 1946. Neste sentido, V. Relatório Anual da Diretoria Executiva do Fundo Monetário Internacional para o exercício findo em 30 de junho de 1947.
6 – Para uma detida, embora idiossincrática, análise dos regimes cambiais, V. “FMI: Um factor de desestabilização”, por Milton Friedman, in Revista do Jornal Público n. 3147, Lisboa, Portugal, 26.10.1998.
7 – “Currency board”, em inglês.
8 – Datado de 26 de março de 1991.
9 – e relativa maior facilidade de acesso aos mercados financeiros voluntários internacionais.
10 – “Brazil and Argentina, Long Rivals, Move Closer”, The Wall Street Journal, páginas A25 e A26, 12 de novembro de 1998.
11 – V. o editorial “Duelo protecionista no Mercosul”, O Estado de S. Paulo, 21 de novembro de 1998.
12 – Para uma visão global do mercado de serviços financeiros no Mercosul, v. “Mercosul and the Financial Services and Banking Sectors”, por Durval de Noronha Goyos jr., em “Global Banking and Financial Policy Review”, páginas 5 e 6, Euromoney Publications, 1997/1998.
13 – V. “Brazil and Argentina….”, The Wall Street Journal, op. cit.
14 – “Lampreia acha moeda única prematura”, Folha de S.Paulo, 18 de Fevereiro de 1998.
15 – “PMA: Moeda única latino-americana”, Folha de S.Paulo, 17 de Fevereiro de 1998.
16 – Sobre o Euro, V. o excelente trabalho de EM Filippozzi, “O Impacto do Euro na Liquidação de Operações Internacionais”, Observador Legal, 63, março de 1998.
17 – Por falta de uma política comum de arrecadação fiscal.
18 – Pelos enormes déficits em transações correntes dos EUA.
19 – Assinado em 3 de fevereiro de 1992.
20 – V. “Last tango in Rio”, por Stephen Fidler, Financial Times, 18 de novembro de 1998. Segundo o autor, alguns economistas crêem que o Brasil jamais aceitará transferir sua política monetária ao Federal Reserve, com o que francamente concordo. Ainda segundo o autor, outros economistas entendem que o volume de necessidades de refinanciamento inviabilizaria o modelo de paridade fixa.
21 – Decisão Mercosul 8, de 1993.
22 – Decisão n. 11/93 do Conselho do Mercado Comum, de 17.1.1994.
23 – No valor aproximado de US$ 30 bilhões em 1997.
24 – Como, por exemplo, a questão do açúcar, um dos principais produtos tradicionais brasileiros, que é excluído do mercado argentino.
25 – As mais recentes das quais, pela Argentina contra o Brasil, nas áreas de licença de importação e medidas fito-sanitárias; e do Brasil contra a Argentina em questões fito-sanitárias; tarifárias; agrícolas, etc.
26 – “Hub and spoke”, em inglês. Para uma análise do modelo e sobre as advertências a respeito dele pelo secretariado da OMC, V. “Mercosul vs. FTAA”, por Durval de Noronha Goyos Jr., em International Trade Law & Regulation, Oxford, Reino Unido, janeiro de 1998.
27 – V “FMI: um Factor de Desestabilização”, op. cit.
28 – V. “Last Tango in Rio”, op. cit.
29 – Para uma análise abrangente do proposto acordo multilateral de investimentos, V. “As forças ocultas do comércio global: Acordo Multilateral de Investimentos e a OMC”, por Durval de Noronha Goyos Jr., em O Público, Lisboa, Portugal, 26 de outubro de 1998, página 26.
30 – “Lampreia alerta para gravidade da crise”, O Estado de S.Paulo, 22 de setembro de 1998.
31 – O texto integral da apresentação foi publicado em “O Estado de S. Paulo” de 19 de Outubro de 1998, sob o título “Não devemos ter medo de inovar onde necessário”.
32 – V. “The Trade Talk Gets Ugly”, Business Week, 23 de Novembro de 1998.