Conferência sobre as Guerras do Ópio na China e os Tratados Desiguais

Palestra proferida na Feira do Livro de Lisboa em 11.9.2022.

1.- INTRODUÇÃO.

A conferência de hoje diz respeito ao tema abordado no meu livro, As Guerras do Ópio na China e os Tratados Desiguais , publicado no Brasil em 2021 pela Observador Legal Editora. O livro, que me valeu a indicação ao prêmio de Intelectual do Ano naquele país, foi o resultado de um trabalho intermitente de 15 anos, enquanto eu exercia plenamente minha atividade de advogado internacional. Vali-me das minhas frequentes estadas em meus 3 escritórios chineses e às muitas conferências proferidas na Índia, para coletar parte do material que embasou o trabalho.

Antes, contudo, da finalização da obra, dei uma lectio magistralis sobre o tema para os programas de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Não obstante seja a questão árida para o público não especializado, ela é de fundamental importância, e mesmo indispensável, para a compreensão do ethos do capitalismo. O tema também esclarece a evolução das relações internacionais desde o século 18 até os dias atuais e bem assim a formatação dos respectivos tratados de regência.

Foi com as chamadas Guerras do Ópio, na China, que os processos de radical desestabilização interna de um país por iniciativa de uma ou mais potências estrangeiras foram pela primeira vez colocados em prática com contundência e brutalidade. Deu-se ali o uso institucionalizado da religião com o fim de destruir o substrato moral de uma nação, de maneira assemelhada ao que já havia ocorrido nas Américas com 3 séculos de antecedência.

Foi também na ocasião das Guerras do Ópio e conflitos subsequentes, que se iniciou a imposição dos draconianos tratados econômicos e comerciais, não apenas por um único país, mas por um núcleo de potências diversas, para o benefício geral, mas desigual, dos opressores e em detrimento absoluto dos Estados alvos. Muitos das organizações internacionais e organismos multilaterais hoje em existência têm tal perfil, dentre os quais, mas não apenas, a Organização Mundial do Comércio (OMC).

Para fins desta conferência, como resultado da necessidade de compactação da abordagem do assunto, resolvi concentra-me em apenas alguns tópicos tratados em meu livro. Assim, organizei a apresentação da seguinte forma:

i.- esta Introdução;
ii.- As origens do ópio e os seus usos;
iii.- A chegada dos portugueses à China, em 1513;
iv.- A vinda dos ingleses ao Império Celestial, em 1637;
v.- A Primeira Guerra do Ópio (1839-1842) e os seus tratados;
vi.- A Segunda Guerra do Ópio (1856 – 1860), conflitos subsequentes e os seus tratados; e
vii.- Conclusões: os frutos venenosos do imperialismo.

2.- AS ORIGENS DO ÓPIO E OS SEUS USOS.

O ópio é uma substância narcótica preparada com o suco da papoula, a planta cultivada papaver sonniferum, que é fumada ou comida por seus efeitos narcóticos e intoxicantes. O seu mais relevante uso, contudo, através dos tempos é aquele medicinal, como laudanum ou com os seus derivados, para fins sedativos. O cultivo da papoula iniciou-se há cerca de 8.000 anos, onde é hoje a Síria. A sua introdução na Europa deu-se por volta de 5.500 a.C., nas proximidades da região do Lazio, na Itália atual.

Na velha Roma, Plínio o Velho (23 d.C – 79 d.C), em sua obra Naturalis Historia, discorreu sobre o uso medicinal do ópio, inclusive nas afecções dos intestinos. Por sua vez, Claudio Galenus (129 d. C. – 199 d.C) desenvolveu uma metodologia farmacológica sobre o uso do ópio como anestésico, tendo desenvolvido um composto para a insônia com a droga, do qual fez uso o imperador Marcus Aurelius (121 d.C. – 180 d.C.).
O médico persa, Avicena (980 d.C. – 1034 d.C.) deu continuidade aos estudos de Galenus e desenvolveu uma vasta teoria sobre as dores e os seus respectivos tratamentos, dentre os quase o uso de opiáceos. Contudo, Galenus já advertia em seus estudos sobre os perigos do uso de doses excessivas da droga, inclusive o de morte. Tais trabalhos em muito influenciaram a medicina europeia medieval.

O primeiro manual médico chinês, o Shennong Bencaojing, ou matéria médica sobre as ervas, tem mais de 2.000 anos e não menciona o ópio, que aparece pela primeira vez no trabalho compilado por Liu Han, no ano de 973 d.C. O nome chinês da droga, tienfan, é uma transliteração do arábico afium, o que leva a crer que tenha sido introduzido no Império Celestial pelos mercadores árabes.
Com as campanhas militares da Cruzadas (1095 d.C. – 1492 d.C.), os cirurgiões cristãos entraram em contato com a avançada medicina e maristans, os hospitais árabes e, por conseguinte, com o uso dos opiáceos como anestésicos. A China teve sua primeira faculdade de medicina na dinastia Tang, no ano de 609 d.C. e, no Oriente Médio, a precursora foi a de Bagdá e o primeiro maristan foi erguido em Damasco no X século d. C.

A alquimia já era praticada na China desde 144 a.C. Por sua vez, a acupuntura vinha utilizada pelos chineses desde 300 a.C. Há mais de 2.000 anos, o manual médico Shennong Bencaojing, já tratava de 280 terapias para diversas doenças, inclusive o diabetes e também de práticas ginecológicas e para os males da boca, da garganta e do esôfago. O manual Shennong dispunha igualmente sobre o uso da cannabis para o tratamento da epilepsia, espasmos e dor.

Ademais, o Manual Shennong discorreu corretamente sobre a circulação sanguínea, descoberta da qual o inglês William Harvey tentou se apropriar no século 17. Desde aproximadamente o ano de 1111, os chineses já se valiam de um método para a vacinação contra a varíola, conforme descrito na Enciclopédia Médica Imperial. No século 19, um médico inglês tentou se apropriar dos créditos pela invenção. Frequentemente os ingleses buscavam se apropriar de invenções chinesas com o objetivo de enaltecer sua pretensa mission civilisatrice, ao mesmo tempo de menosprezas os avanços da China no campo do saber.

O ópio era uma das mercadorias agrícolas, vinha tratada para fins das estatísticas comerciais como “especiarias” e tinha o uso restrito para fins medicinais. Nem Marco Polo (1254 – 1324), nem antes dele o frade franciscano Giovanni da Pian del Carpine O.M.F. (1182 – 1252), mencionaram em absoluto a prática do uso do ópio na China, em suas obras pioneiras sobre o país.
Os registros indianos sobre o comércio com os mercadores portugueses nos séculos 16 e 17 registravam que o principal produto da pauta exportadora era a pimenta, seguida pela canela e pelo gengibre, pelas pedras preciosos e tecidos de algodão, pagos ali em cobre. Por sua vez, os minuciosos registros portugueses sobre o comércio com o Oriente indicam que a pimenta compunha cerca de 75% da pauta, seguida pela noz moscada, o cravo, o gengibre e a canela fina.

Com a chegada e disseminação da pandemia da peste negra na Europa, entre 1346 e 1353, houve uma grande demanda pelo ópio, que se mostrava eficaz contra os sintomas, embora não quanto à doença propriamente dita. Na Itália, onde a pandemia recorria a cada 10 anos, metade da população desapareceu como seu resultado direto. Foi um egresso da escola de medicina da Universidade de Bologna, Paracelsus (1.494 – 1.541), quem transformou de maneira radical o uso da droga, com a invenção do fármaco denominado laudanum, que proporcionou a sua padronização.

3.- A chegada dos portugueses à China, em 1513.

O comércio do ocidente com a China era feito, desde a baixa Idade Média, através das feitorias dos muçulmanos nas costas da Índia, por via marítima. Da Índia, as mercadorias chinesas eram transportadas em caravanas e por mar até Constantinopla. Com a derrota do Império Bizantino em 1453, ficou interrompido o tradicional fluxo de comércio europeu com os países orientais. Na Ásia, contudo, o ritmo das trocas permaneceu inalterado.
Favorecidos por uma situação geográfica privilegiada e com uma tradição marítima antiga, desde o comércio com Roma, os portugueses ampliaram suas ações mercantis para a costa da África. A busca dos lucros os guiava, com o apoio da Igreja católica. Para tanto, desenvolveu-se em Portugal uma tecnologia naval, com naves leves e velozes, as caravelas, com instrumentos navais diversos e com as famosas cartas náuticas denominadas portulanos.

Em meados de 1498, aportou na Índia o almirante português, Vasco da Gama, que logo estabeleceu uma feitoria comercial em Calicute. O médico Garcia de Orta, por sua vez, desembarcou na Índia e logo produziu sua famosa obra “Colóquio dos simples e drogas e coisas medicinais da Índia”, em língua portuguesa e editado em Goa, em 1553.
Na época, o principal centro comercial do sudeste asiático era a praça de Malaca, que controlava a rota de navegação para o Império da China. Dom Manuel I de Portugal determinou a tomada de Malaca aos muçulmanos em 1511 pelas forças das armas, o que foi feito com uma inusitada violência. Imediatamente, ali foi erguida uma feitoria mercantil e a praça passou a servir ao comércio asiático de Portugal e também como protetora das rotas marítimas ao sul e ao norte.

O primeiro navegador português a chegar à China foi o capitão Jorge Álvares, em 1513, logo seguido por outros, tendo estabelecido contatos no estuário do Rio das Pérolas e em Cantão. Os comerciantes lusitanos logo se aperceberam que os chineses tinham pouco interesse pelos produtos europeus, mas que havia uma avidez para produtos de outras origens, inclusive asiática.
Em particular, havia na China um grande interesse pela prata oriunda do Japão, onde os portugueses haviam chegado em 1543, presença que foi rapidamente consolidada com a vinda de São Francisco Xavier S.J., em 1549. Logo, os lusitanos estabeleceram o porto e cidade de Nagasaki, centro de sua atividade comercial e religiosa no Japão. Frequentemente, ambas se combinavam.

A proibição chinesa do comércio com o Japão não se aplicava aos portugueses, que passaram a desenvolver a maior parte de suas trocas na própria Ásia. Registros contemporâneos indicam que aquele comércio consistia em “metais, madeira, alimentos, especiarias, perfumes, pedras preciosas, marfim e manufaturados de vários gêneros, dentre os quais os tecidos, os colorantes e a porcelana chinesa”.
Naquele período, desde os primórdios do reinado de D. Manuel I (1495 – 1521), o uso e comércio do ópio, para além de outras drogas, era controlado por Portugal, que sancionava as respectivas violações com rigorosas sanções civis e criminais. O crime era capitulado pelas Ordenações Manuelinas, de 1512, delito incorporado pelas chamadas Ordenações Filipinas, a partir de 1580, que esteve em vigor em Portugal até 1867.

O religioso dominicano, frei Gaspar da Luz O.P., que viveu na China em meados do século 16, escreveu em português uma importante e detalhada obra sobre o país oriental, na qual trata de diversos aspectos da cultura local, incluindo o governo, o comércio, as riquezas, a cultura e as relações sociais. Naquela obra, denominada “O Tradado das Cousas da China”, o frade dominicano não menciona, sequer uma vez, o tráfico ou vício do consumo do ópio.
Deve-se registrar que os chineses nunca tiveram uma particular admiração pelos portugueses, considerados bárbaros pelos herdeiros da milenar cultura do país oriental. Em particular, os métodos utilizados pelos portugueses na conquista de Malaca foram considerados abomináveis. Contudo, os chineses não percebiam nos lusitanos uma ameaça estratégica. Por outro lado, o comércio praticado pelos ocidentais beneficiava uma pequena parte da população chinesa na região de Cantão.

Desta maneira, por mais de um século, dentre os países europeus, os portugueses exerceram um virtual monopólio não apenas no comércio com a China, mas também daquele intra asiático praticado por nações ocidentais. A prosperidade resultante para os lusitanos era expressiva e aguçou a cobiça de maiores potências europeias, dentre as quais estavam a Inglaterra, a Holanda e a França.
Depois de algumas tentativas frustradas pela má navegação, o pirata inglês Capitão John Weddel chegou à feitoria portuguesa de Macau em 1637, no comando de uma frota de 4 navios. Ele estava determinado a fazer negócios com a China, ainda que na base de “sangue e suor”. E foi assim, neste agressivo tom, que se deu início à desastrosa presença da Inglaterra na China.

4.- A chegada dos ingleses ao Império Celestial, em 1637.

No momento de sua chegada à China, em meados do século 16, a Inglaterra tinha como vantagem comparativa o desenvolvimento de sua marinha de guerra, obtido como resultado de sua principal atividade econômica: a pirataria. Do ponto de vista civilizacional, a Inglaterra apenas começara a possuir uma língua apta para a produção científica e literária.
Londres somente teve uma rede de esgotos a partir da segunda metade do século 19, enquanto Roma já possuía a cloaca massima 2.500 anos antes. Diversas cidades chinesas já possuíam esgotos muitos séculos antes da chegada dos europeus ao país. A escrita chinesa, que é efetuada mediante caracteres ou logogramas, símbolos que expressam ideias, começou a ser utilizada em cerca do ano 1.700 a.C.
Com ela, desenvolveu-se uma incipiente literatura e, com a invenção da tipografia por Bi Sheng, por volta de 1.040 d.C., disseminou-se a publicação de materiais governamentais, manuais escolares e de obras filosóficas e poéticas para o consumo da população, de maneira geral. Esta invenção havia sido antecedida pela do papel em 105 a.C. A guisa de comparação, o primeiro dicionário da língua inglesa, de autoria de Samuel Johnson, foi publicado apenas em 1755.

Por cerca de 100 anos após sua chegada ao Império Celestial, os ingleses se valiam das instalações da feitoria de Macau, controlada por Portugal, que era um Estado cliente de facto da Inglaterra, desde a época da Reconquista, situação que ficou reconhecida de jure pelo Tratado de Methuen, de 1703. A Inglaterra sustentava consistentes défices comerciais com a China, pelo desinteresse dos orientais na aquisição de seus produtos.
Durante aquele período, o comércio bilateral indicava um superávit chinês superior em 6 vezes pelo critério ad valorem. Em 1714, o PIB da Inglaterra reconstituído pelo FMI era de apenas US$ 10 bilhões, contra US$ 160 bilhões da Índia e US$ 140 da China. Ao contrário do que afirma a propaganda imperialista, o Império Celestial não se encontrava em decadência quando da vinda do elemento europeu.
A diferença cultural entre o ocidente, de uma maneira geral, e com a Inglaterra, em particular, com a China, que é grande ainda atualmente, era abissal no século 17. O povo chinês erguia-se herdeiro e depositário de uma civilização milenar, com avanços pioneiros nas ciências, medicina, engenharia, arquitetura, química, artes e literatura, com grande anterioridade ao Ocidente.

Os ensinamentos do filósofo Confúcio (551 a.C. – 479 a.C.) permearam o ethos cultural do povo chinês e também de outros países orientais. Confúcio privilegiava a educação, a decência pessoal, o respeito e a harmonia social incorporados ao princípio do LI. De acordo com o Mestre, a moral opõe-se ao lucro e o mercador está no degrau mais baixo da escala de atividades humanas, shang, abaixo dos estudiosos, dos camponeses e dos artesãos. Aos ensinamentos de Confúcio deve-se a baixa litigiosidade existente na China e no Japão até os dias atuais. Note-se ainda que Confúcio ensinou que “o padrão do humanismo é o conceito da reciprocidade”.

Não poderia haver um contraste maior com a postura inglesa, que privilegiava o lucro como maior valor a ser obtido, posição que decorreu do exercício ininterrupto da pirataria por cerca de 600 anos, da parte da Inglaterra, desde as Cruzadas. Foi esta cosmovisão do lucro que posteriormente veio a inspirar o capitalismo como doutrina econômica e o imperialismo como o seu instrumento.
Em 1773, a East India Company, uma companhia de capital aberto que detinha o monopólio do comércio com a China, lançou o comércio experimental do ópio para a China, contrariamente ao Direito internacional e às leis internas dos países civilizados, mediante o sistemático contrabando e a corrupção de oficiais chineses. A empresa buscava o lucro e o conseguiu. O crescimento do contrabando foi vertiginoso. Se em 1730 a quantidade total de ópio importada pela China foi de 200 arcas por ano, em 1767 checou a 1000 arcas e, em 1836, a 37 mil arcas.
Os ingleses passaram a plantar o ópio na Índia e, valendo-se das forças dos seus contingentes militares estacionados no subcontinente, obrigou os camponeses locais a abandonar o cultivo da agricultura alimentar para fazer a produção da droga. Assim, a Inglaterra promoveu a fome, a miséria e a desesperança tanto na Índia como na China. O ópio passou a ser a principal mercadoria do comércio mundial e o balanço comercial passou a ser dramaticamente desfavorável à China, causando uma transferência enorme de metais preciosos à Inglaterra.
Por outro lado, a política externa da Inglaterra passou a ser formulada levando em conta exclusivamente o interesse econômico das classes privilegiadas: a aristocracia, os mercantilistas, os industriais, os banqueiros, os militares e o clero. Para suas conquistas, foram abandonadas quaisquer restrições de ordem jurídica, ética ou moral.

Em 1833, chegou ao fim o incrível monopólio da East India Company, tendo o governo inglês nomeado o William John Napier, um amigo do Rei William IV, para o cargo de superintendente chefe do comércio com a China. A sua primeira declaração após a nomeação foi no sentido de que “o Império da China agora é meu”. A segunda foi “todos os atos de violência que praticamos contra os chineses foram produtivos”.
O Imperador Dao Guang nomeou, em 1838 o governador das provícias de Hunan e Hubei, Liz Zexu, como comissário imperial com o mandato de banir a droga, diante da firme constatação que o contrabando do ópio ameaçava a própria existência da nação chinesa. Dentre as primeiras medidas de Lin Zexu, de acordo com as leis chineses e também com base no direito comparado, estavam a apreensão e destruição do ópio e o aprisionamento dos contrabandistas e dos funcionários públicos envolvidos com a corrupção para a facilitação do contrabando.

No ano seguinte, em 1839, o comissário Lin Zexu escreveu uma famosa carta à Rainha Vitória, na qual relatava que os ingleses estavam a manufaturar, contrabandear e vender o ópio ao povo simples da China, na busca do lucro e à custa do dano aos cidadãos chineses. “Tais atos são repugnantes à natureza humana”, concluiu. A brutalidade imperialista inglesa, sua insuperável barbárie, inexcedível arrogância, inqualificável bestialidade, seus satânicos propósitos e refinada perfídia, chocavam-se com a avançada civilização chinesa.
De seu lado, os ingleses desavergonhadamente culpavam aos chineses por consumir o ópio, aos holandeses e aos portugueses por sua introdução na China, aos americanos pelo tráfico do entorpecente, à corrupção governamental chinesa por sua dimensão, e à alegada anomia e ao regime judiciário local por sua ineficácia na repressão ao contrabando. Por sua vez, os défices comerciais chineses foram atribuídos à má administração pública do país.

Tais alegações e argumentos são flagrantes e infames inverdades e falsificações históricas, infelizmente ainda repetidas nos dias de hoje até mesmo na academia. De qualquer maneira, a reação inglesa às ações do Comissário Lin foi típica e pronta. O então superintendente inglês, Charles Elliot, fez o que pode para impedir o confisco do ópio pelas autoridades chineses e demais medidas administrativas.
Diante da falta de resultados, Charles Elliot preparou as forças inglesas de mar e terra sob sua jurisdição para a guerra, em defesa do tráfico institucionalizado e oficial de entorpecentes, que era de plena responsabilidade de seu governo e agentes diretos e indiretos. Ademais, juntamente com os demais mercadores, foi exercida pressão sobre o governo inglês para uma declaração de guerra ao Império Celestial.
Enquanto aquela não vinha, a marinha de guerra inglesa foi incumbida de escoltar os navios contrabandistas de ópio. A resistência oferecida pela inferior marinha chinesa resultou num conflito em 1840, após o qual a China fechou o comércio com a Inglaterra. Como resposta, o parlamento inglês aprovou o início de hostilidades contra o Império Celestial, tendo sido enviada uma frota da Inglaterra e outra embarcada na Índia.

Naquele momento, o líder da oposição inglesa, William Gladstone, declarou no parlamento “desconhecer uma guerra mais injusta em sua origem e mais certa de cobrir este país numa permanente desgraça… da mesma forma que não li a respeito de ter sido jamais alçada nossa bandeira para proteger um infame tráfico contrabandista, como está prestes a ocorrer nas costas da China”.

5.- A Primeira Guerra do Ópio (1839 – 1842) e os seus tratados.

A campanha militar inglesa abrangeu toda a costa leste da China, desde Guangzhou (Cantão), no sul, que foi pesadamente bombardeada, até o porto de Tianjin, no norte do país. As ações inglesas submeteram ainda as populações vencidas à pilhagem, à profanação de locais sagrados, à destruição de símbolos nacionais, a estupros, a homicídios em larga escala, a incêndios criminosos e ao generalizado abuso.
Com a chegada das forças invasoras a Tianjin, próxima a Beijing, o imperador chinês pediu uma trégua e tratativas para a paz. Como resultado, um acordo denominado Convenção de Chuembi foi assinado em 20 de janeiro de 1841, mediante o qual a China se comprometeu a pagar uma indenização de 6 milhões de dólares em prata aos invasores, para além da cessão à Inglaterra da ilha de Hong Kong.

Não obstante as concessões feitas, os traficantes ingleses não aceitaram os termos da Convenção de Chuembi, no que foram apoiados pelo governo britânico. Ambos eram, na realidade, uma mesma parte. Naquele momento, o povo chinês reagiu espontaneamente contra a invasão, o que levou o governo central a tentativas militares de recapturar algumas cidades tomadas. Tal reação foi infrutífera.
Prevaleceram as forças inglesas, reforçadas agora pela marinha de guerra dos Estados Unidos da América (EUA) e da França, para além de tropas mercenárias originárias da Índia. Foi então assinado em 29 de agosto de 1842, a bordo de um vaso de guerra inglês, o tanto draconiano e desigual, como humilhante, Tratado de Nanjing, ditado pela Inglaterra à China.
De acordo com o Tratado de Nanjing, a China concordou em abrir ao comércio inglês os importantes portos nas cidades de Guagzhou, Xiamem, Fuzhou, Ningbo e Xangai. Ademais os chineses concordaram a ceder a ilha de Hong Kong ao Império Britânico, bem como pagar uma compensação de aproximadamente US$ 800 milhões. Não se tratou formalmente, no tratado, do tráfico, contrabando e comércio do ópio, a causa principal da guerra. Não era necessário. As referidas atividades continuaram de maneira desimpedida.

Sob pressões de uma retomada das ações militares, em outubro de 1843, foi assinado o Tratado de Bogue para incluir maiores privilégios aos ingleses consistentes em i) concessões de áreas extraterritoriais nos 5 portos; ii) o atracamento de navios de guerra em portos comerciais chineses; iii) a redução tarifária para um teto de 5%; iv) o direito à jurisdição extraterritorial; v) a aplicação da cláusula da nação mais favorecida; e vi) a abolição da intermediação de mercadores chineses.
Durante as negociações, os ingleses pleitearam sem sucesso a legalização do tráfico de ópio, o que foi recusado pelos chineses. Os ingleses não se importaram pois sabiam que, de Hong Kong, poderiam exercer a atividade sem a interferência do Estado chinês. Como convincente demonstração de sua mission civilizatrice, os primeiros atos dos ingleses em Hong Kong, onde antes supostamente havia a barbárie, compreenderam a construção de vários armazéns de ópio e de 24 casas de prostituição.

Ao Tratado de Nanjing, seguiram-se algumas convenções com outras potências ocidentais. A primeira destas, denominada Tratado de Wang-Hea (ou Wanglia), foi assinado em Macau, no dia 3 de julho de 1844 com os EUA, então um ativo sócio júnior dos ingleses no tráfico e contrabando do ópio para a China. Da mesma maneira, a França extraiu da China muitos privilégios análogos aos dos ingleses e americanos, mediante o Tratado de Whampoa, de 24 de outubro de 1844. Data daquele ano, que foi um verdadeiro divisor de águas nas relações internacionais, o início da devastadora história da aplicação extraterritorial de suas próprias leis pelos EUA, prática que tem disseminado o arbítrio pelo mundo.
Com os tratados desiguais a China começou a perder gravemente, tanto a sua soberania quanto, a sua real independência na formulação de políticas internas em todos os setores, principalmente na área fiscal, que teve uma dramática perda de arrecadação. Terminou naquele momento a longa história secular de autossuficiência da economia chinesa. Os imperialistas aproveitaram-se do trabalho barato e praticaram dumping de seus produtos e saqueavam os recursos naturais do país, à semelhança do que já faziam há tempos na Índia.

Na Inglaterra, a assinatura do Tratado de Nanjing foi celebrada na imprensa como “igualmente benéfico para os nacionais e interesses de ambos, Inglaterra e China”, conforme o publicado pelo The Times, de 23 de novembro de 1842. Por sua vez, o arrogante e cínico Lorde Palmerston, não pode deixar de fechar, com chave de ouro, o frenesi eufórico do diabólico paroxismo chauvinista inglês com o seguinte comentário: “não há dúvidas que este evento… marcará época no progresso da civilização da raça humana…” (sic).
Naqueles anos, acentuou-se o crescimento populacional chinês, o que piorava a situação econômica do povo, de uma maneira geral. Os impostos sobre os camponeses haviam sido aumentados para pagar as indenizações de guerra. Ocorreu o fenômeno da concentração de renda e a perda das pequenas propriedades rurais dos camponeses, em favor dos latifundiários. Instalou-se a fome e o caos social.
Na década que se seguiu ao Tratado de Nanjing houve um número superior a 100 rebeliões iniciadas por diversas etnias e extratos sociais, em toda a China, contra o poder central e/ou contra a ocupação estrangeira. Muitas das revoltas contra o poder central foram instigadas pelos missionários evangélicos ingleses e americanos, que tinham por objetivo a desestabilização institucional do poder central chinês.
Um destes movimentos revolucionários foi denominado O Reino do Céu de Taiping, liderado por um professor populista de nome Hong Xiauquam, educado na Igreja Batista dos EUA. O Reino do Céu de Taiping empreendeu uma campanha militar de grande importância contra o poder central. O seu lema era “tirar dos ricos para dar aos pobres”. Tal ação revolucionária era do interesse das potências imperialistas, de vez que enfraqueciam o governo chinês.

Afigurou-se então, em meados do ano de 1856, uma ampla guerra civil a qual, embora descoordenada, causou a completa desestabilização do governo da dinastia Qing. Insuflados pelas forças imperialistas, largos segmentos da população chinesa ergueram-se em rebelião aberta contra as autoridades, levados pela miséria e crescente desesperança.
Seguiu-se uma generalizada desordem, tanto no campo como, nas cidades. Caiu ainda mais a arrecadação interna, no momento em que o país resistia às incursões internas dos invasores europeus. Os conflitos resultaram em milhões de mortos, para além de vasta destruição, o que deixou satisfeitos os imperialistas, que buscavam uma ainda maior desestabilização da China. A miséria da China e do povo chinês promoveram uma maior prosperidade da Inglaterra e de seus aliados.

6.- A Segunda Guerra do Ópio (1856 – 1860), conflitos subsequentes e seus tratados.

Valendo-se do caos instalado, os ingleses retomaram a campanha militar contra o governo Qing em outubro de 1856, utilizando o inconsistente pretexto de um alegado ultraje à bandeira de seu país. Naquele incidente, as autoridades chinesas haviam aprisionado a tribulação de uma nave inglesa envolvida no contrabando do ópio. Desta feita, as forças francesas e dos EUA juntaram-se às inglesas na renovada agressão. Logo juntou-se a elas o Império Russo, com as mesmas motivações.
Guangzhou foi atacada, tomada, pilhada, incendiada e destruídas pelas forças agressoras. De maneira espontânea, povo cantonês reagiu, o que causou a retirada daquelas. Contudo, em setembro de 1857, os agressores retomaram a campanha e fizeram frente à resistência renovada do povo chinês, logo subjugada. Rumaram então os invasores ao porto de Tianjin, no norte da China. Mais uma vez, o governo central chinês pediu uma trégua para negociações de paz.

Desta vez, o pedido não foi aceito e uma força de 16.000 militares da coalizão estrangeira tomou a capital imperial chinesa, Beijing, no ano de 1860. Esta ação militar, transformada em delinquência comum, causou um grande número de mortes na população civil, para além de roubos, da pilhagem generalizada, dos incêndios criminosos, inclusive aquele do esplêndido Palácio de Verão, um objetivo não militar e símbolo da nação chinesa.
O infame Lord Elgin instou os seus comandados a fazer a raspagem do ouro do revestimento das paredes do Palácio de Verão, retomando uma prática usada na primeira Cruzada, no século 11 d.C., na mesquita do Domo da Rocha. A pilhagem, queima e posterior destruição do monumento, que ardeu durante 3 dias, pelas mãos das tropas inglesas, foram atos conscientes e deliberados. Muitas peças resultantes da rapina foram presenteadas à Rainha Vitória; outras milhares foram leiloadas e se encontram hoje em museus mundo afora. Os lucros obtidos pelos saqueadores foram enormes.

Em reação ao incidente, o grande escritor francês, Victor Hugo, observou com sarcasmo: “eis o que a civilização fez contra a barbárie”. A respeito dos atos criminosos das forças de ocupação inglesas na Segunda Guerra do Ópio, Friederich Engels observou num artigo publicado pelo New York Daily Tribune, de maneira enfática o retorno do “velho espírito de rapina dos piratas, característica que distinguia os ingleses”.
Os ingleses até hoje procuram justificar os hediondos crimes, atribuindo-os em primeiro lugar às tropas francesas. Usam ainda o argumento de que os chamados despojos eram, à época, a remuneração das tropas vencedoras, devido a inexistência de regras de direito internacional a respeito da matéria. Tratam-se de argumentos totalmente falsos.
Já em 1853, o jurista português, António da Rosa Gama Lobo, em seu livro sobre direito internacional, ensinava que “o direito das gentes manda igualmente respeitar os monumentos das artes e todos aqueles de utilidade pública, que não têm relação imediata com a guerra, como os edifícios e objetos consagrados ao culto”. O jurista ainda acrescentou: “o general que esquecer estes preceitos será reputado inimigo da civilização e do gênero humano”.
Como resultado da queda de Beijing, foram celebrados, entre os dias 13 e 27 de junho de 1858, os Tratados de Tianjin com a Inglaterra, com a França, com os EUA e também com o Império Russo. Estes tratados facultaram a aberturas de novos portos aos invasores, incluindo os de Hanlou, Jiujian, Nanjing e Zhenjiang, para além de abrir a navegação fluvial interna.

As potências agressoras foram autorizadas a abrir legações em Beijing e indenizadas com 6 milhões de taels de prata. O comércio do ópio resultou amplamente legalizado. Os invasores adquiriram o direito de fixar as tarifas chinesas (sic). Os missionários, forças auxiliares dos invasores, receberam liberdade de circulação pelo país. O povo chinês foi proibido de se referir aos invasores como bárbaros, apesar do que o barbarismo praticado ficou assentado na consciência da Humanidade.
O Tratado de Aigun, entre o Império da Rússia e o Império Celestial, de 28 de maio de 1858, teve por objeto grandes concessões territoriais do segundo ao primeiro, equivalentes às áreas combinadas de Alemanha e França e também um rio maior que o Danúbio. O Tratado de Aigun foi assinado pelos chineses às pressas, devido à retomada das hostilidades por parte dos ingleses.

Como resultado das renovadas ações militares, os imperialistas ingleses extorquiram do Império Celestial a draconiana Convenção de Beijing, de 24 de outubro de 1860, mediante a qual a China cedeu a península de Kowloon, situada em frente a Hong Kong, à Inglaterra. Os chineses ainda concordaram em abrir Tianjing como porto comercial aos ingleses, o que facilitava a logística do comércio do ópio. Ademais, os chineses foram forçados a aumentar a compensação de guerra para 8 milhões de taels de prata.
Numa perspectiva de relações internacionais, a miséria do campo, a inviabilização das manufaturas e a perda da capacidade de formulação de políticas de Estado transformaram a dinastia Qing em títere das potências ocidentais, além de aumentar a vulnerabilidade da China a novas demandas destas e de outros agentes externos, mesmo no oriente, como o Japão.
Ainda em 1884 e 1885, a França voltou a agredir a China, desta feita a partir do Vietnã, com um exército de aproximadamente 15.000 soldados, para além de sua marinha de guerra. A paz foi restabelecida com o Tratado de Tianjin, de 9 de junho de 1885, também desigual, através do qual a China fez concessões no sul do continente, inclusive sobre Annan e Tonquin.

Concomitantemente ao ataque francês ao sul, o Império do Japão atacou a China ao norte, em julho de 1884. A respectiva campanha foi muito breve e resultou numa expressiva derrota das forças chinesas, que se apressaram a pedir termos para a paz. Foi então assinado, em 17 de abril de 1895, o Tratado de Shimonoseki, mediante os qual a China renunciava aos seus interesses na Coréia e cedeu ao Japão a ilha de Taiwan, seu território desde tempos imemoriais, e as penínsulas de Liaodong e Penghu.
Mediante o Tratado de Tianjin de 1887, a China cedeu Macau ao Reino de Portugal em caráter perpétuo. A ocupação centenária anterior era mantida apenas a título precário. Ademais, Portugal beneficiou-se dos efeitos da aplicação da cláusula da nação mais favorecida e, juntamente com os ingleses, seus comerciantes foram ativos no tráfico de escravos chineses, chamados coolies, mantendo para tanto alguns entrepostos.

Em 1899, eclodiu na China uma rebelião contra os estrangeiros invasores e ocupantes do país. No ocidente, a insurgência ficou conhecida como a Rebelião Boxer ou Boxer Rebellion. O ideário da revolta popular tinha um forte elemento nacionalista, mas era da mesma forma contrário à dinastia Qing. A ação dos missionários evangélicos na China ajudou a insuflar os sentimentos contrários aos estrangeiros. Templos foram queimados e famílias de missionários perseguidas.
Aproveitando-se da revolta popular, a China declarou guerra às potências estrangeiras no dia 21 de junho de 1900. Uma força internacional de 19.000 militares foi necessária para fazer frente aos revoltosos, muito embora o teatro das operações estivesse limitado ao norte do país. Dentre os quadros estrangeiros estava um corpo de expedição do Reino de Itália e diversas unidades da marinha real italiana. Beijing foi mais uma vez saqueada. Tianjin foi devastada. Cerca de 100.000 civis morreram como resultado do conflito.
Um novo tratado desigual pondo fim à rebelião foi assinado em 7 de setembro de 1901, tendo tomado o nome de Protocolo Boxer. Foram parte signatárias, de um lado, o Império da China e, de outro, o Império Britânico, os EUA, o Império Russo, a Alemanha, a França, o Reino de Itália, a Espanha, a Áustria, a Holanda, a Itália e a Bélgica. No referido tratado, a falida China obrigou-se a pagar uma indenização de 450 milhões de taels de prata aos vencedores. Ao Reino de Itália coube uma concessão dentro da cidade portuária de Tianjin, abolida apenas em 1943, quando foi tomada por tropas japonesas.

O Império Russo e o Império do Japão entraram em desacordo a respeito dos despojos do Império Celestial, com a resultante Guerra Sino-Japonesa, com vitória do Japão. O Tratado de Portsmouth, celebrado em 1905, designava a Manchúria como área de influência japonesa na China. Afirma-se que naquela época deixou a China de ser partilhada entre as potências estrangeiras por influência dos EUA, que desejavam exercer sua influência por todo o país.
De qualquer maneira, no início do século 20 continuou o triste tráfico do ópio para a China, para desgraça do povo chinês e infâmia perpétua de seus responsáveis. Em 23 de janeiro de 1912, foi assinada em Haia a Convenção Internacional do Ópio, apenas depositada para adesões na Liga das Nações em 1922. A convenção era largamente exortatória e ineficaz, mas representou um ponto de partida para o aperfeiçoamento da supressão do tráfico internacional do ópio. Sucessivos melhoramentos ocorreram em 1925, com o Acordo a Respeito da Fabricação Comércio e Uso de Ópio e tratados subsequentes de 1931, 1936, 1946, 1948, 1953, 1961, além de outros mais recentes.
No ano de 1948, as tropas do Partido Comunista Chinês (PCC), lideradas pelo camarada Mao Zedong, derrotaram as tropas rivais do Kuomitang e entraram em Beijing. No dia 1º de outubro de 1949, foi fundada a República Popular da China, ocasião em que o camarada Mao Zedong declarou: “nós agora entramos na comunidade das nações amantes da paz. Nós trabalharemos com coragem e indústria para criar nossa própria civilização e felicidade e, ao mesmo tempo, para promover a paz e a liberdade mundiais”.

A criação da República Popular da China resgatou a dignidade do povo chinês e representou um golpe severo ao regime colonial global e às forças imperialistas, da mesma forma que trouxa uma nova dimensão à cooperação internacional. Do ponto de vista legal, uma nova constituição democrática foi adotada pela República Popular da China, em 1954. Ela adotou o princípio do centralismo democrático, inspirado inter alia no LI de Confúcio. Esta máxima tem o significado de que “o indivíduo é subordinado à organização, a minoria à maioria, o nível baixo ao nível alto, o governo local ao governo central”.

7.- Conclusões: os frutos venenosos do imperialismo.

No período de pouco mais de 100 anos, no final do século 18 e no século 19, foi praticado pelo Reino Unido um genocídio sem precedentes na história mundial, contra as populações da Índia, o país produtor do ópio, e da China, o pais para o qual foi contrabandeada a droga. Como resultado destas cruéis políticas imperialistas, cerca de 35 milhões de pessoas morreram apenas de fome na Índia, que tinha a maior economia mundial na época do início do domínio colonial britânico. Números aproximados aos verificados na Índia ocorreram na China, que excedem o número de vítimas da Segunda Guerra Mundial.
Ademais, é de se registrar que a desestabilização induzida pelos ingleses e clientes na China permitiu a ocupação japonesa do país e o consequente abuso continuado do povo chinês, até o final da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Os efeitos da desestabilização então gerada persistem até os dias atuais em Taiwan, legítimo e tradicional território chinês cedido ao Japão mediante o desigual Tratado de Shimonoseki de 1895 e hoje ocupado ilegalmente por dissidentes chineses, com o apoio das potências imperialistas.
O Império Britânico adotou a política oficial de Estado de produção de ópio na Índia, em seus domínios, destinado ao contrabando para a China. O ópio tornou-se a principal mercadoria do comércio mundial, o que evidencia a dimensão da barbárie. Lucraram os capitalistas, os rentistas, a aristocracia e o Estado britânico. Para os indianos e chineses sobrou a letargia, o estupor e a abulia.

No espírito de demonstração do fair play britânico e de sua percepção do livre comércio, os ingleses mandavam cortar os polegares dos tecelões indianos para impedir a concorrência com os seus tecidos manufaturados. A cláusula da nação mais favorecida (MFN) que as potências ocidentais exigiram dos chineses, não se aplicava a aquelas. O Reino Unido tinha a sua preferência tarifária imperial, que abrangia uma parte significativa do globo. Ademais, a MFN era oposta ao princípio confuciano da reciprocidade.
O precedente estabelecido pelo Reino Unido de demonização do povo chinês; a vilificação de sua cultura, negação da civilização chinesa; e apropriação de suas conquistas históricas serviu como pretexto para o abuso daquela gente, também por parte de outras potências. Este precedente continua ainda hoje a alimentar a propaganda ainda hoje existente contra a China e o seu povo, com o objetivo da manutenção da hegemonia mundial dos EUA.

Indagado sobre o que pensava sobre a civilização ocidental, Mahatma Gandhi, justamente considerado como o pai da nação indiana, respondeu que “esta seria uma boa ideia” e denominou o imperialismo inglês como o maior crime contra a Humanidade. Ele não conheceu o imperialismo dos EUA. Tudo em nome do livre comércio, da civilização e mesmo de Deus! De fato, justificam os ingleses suas ações, até os presentes dias, pelo genuíno interesse cristão no bem-estar de suas vítimas e dos benefícios livre comércio.
A denegação do genocídio perpetrado continua até os dias atuais, mesmo nos livros de história e da academia, o que se sedimentou no sentimento do povo inglês, interessado em reviver as glórias de seu Império. Este sentimento teve um importante papel durante a campanha do plebiscito do chamado Brexit. As responsabilidades dos malefícios, como já me referi anteriormente, foram totalmente atribuídas a terceiros.
Ontem como hoje, os fautores do mal argumentavam, com base em Adam Smith, que a riqueza das nações resultava de ações de agentes privados movidos pelo auto interesse. A liberdade ampla geral e absoluta, inclusive no tráfico de drogas, seria o maior estímulo ao comércio. Este ideário foi implementado através de leis obtusas que atendiam interesses, tanto gananciosos quanto, bizarros.

E foi assim que, nas chamadas Guerras do Ópio, na China, quando e onde foram criadas, implementadas ou ainda aperfeiçoadas diversas práticas de política externa, conceitos jurídicos e regras comerciais depois aplicadas pelas potencias hegemônicas de maneira geral, e particularmente pelos EUA, para a exploração dos povos do mundo. Dentre estas táticas pode ser identificada inicialmente a cooperação imperialista para espoliar um país em desenvolvimento e para a agressão a terceiros Estados.
Esta cooperação rapaz continua até os dias de hoje em alianças como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), no setor de cooperação militar; a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), na área de investimentos e regras diversas; e a própria Organização Mundial do Comércio (OMC), no segmento de trocas internacionais.
Da mesma maneira, o princípio da aplicação extraterritorial da lei pelos ingleses adquiriu uma dimensão verdadeiramente única no caso da China. Nos dias atuais, os EUA buscam de forma consistente a aplicação extraterritorial de sua lei, com o que promovem o exercício arbitrário das próprias razões nas relações internacionais e assim levam a efeito a desconstrução do direito internacional.
Por sua vez, a chamada cláusula da nação mais favorecida, que incorpora o princípio da não discriminação, e passou a se constituir num dos princípios cardeais do regime multilateral de comércio, foi aplicada pela primeira vez nos tratados desiguais das guerras do ópio na China. À esta cláusula, os ingleses não se submeteram, que a aplicavam com mão única, de maneira que a especiosa política comercial de open door significava então, como também hoje, a porta que abre para um só lado.

Um outro conceito jurídico introduzido por ocasião das Guerras do Ópio, o do acesso a mercados, passou a integrar o receituário do regime multilateral do comércio. Isso ocorreu desde o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), de 1947, e depois incorporado nos Acordos da Rodada Uruguai, de 1994, que inter alia instituíram a OMC. Da mesma forma, a pretensão de determinar a terceiros os seus patamares tarifários nasceu na primeira e na segunda guerras do ópio, na China.
Nos dias atuais, a OCDE ocupa-se em criar regras de facilitação da exploração dos países mais pobres pelos mais ricos, formalizadas a partir de 1989, naquilo que se convencionou denominar Consenso de Washington. A técnica da utilização de tratados para a dominação dos países mais fracos ou periféricos continua a ser utilizada nos dias atuais.
Foi também com as Guerras do Ópio, na China, que os processos de radical desestabilização interna de um país por iniciativa de uma ou mais potências estrangeiras foram pela primeira vez colocados em prática com contundência e brutalidade. Este conjunto de ações, avolumado pelo uso de sanções e bloqueios econômicos, comerciais e financeiros, veio a incorporar o fenômeno conhecido como “guerras assimétricas” ou “guerras híbridas”.
A defesa de um país soberano ao ataque por parte de uma potência hegemônica já é difícil e extremamente onerosa. Quando os agressores formam uma aliança ofensiva, a situação torna-se de extrema gravidade. Tal quadro levou o camarada Mao Zedong a observar que “um país semicolonial dominado por vários Estados é diferente de uma colônia dominada por uma só potência”.
Tais práticas continuam a ser utilizada hoje mundo afora pelos EUA e seus aliados, fazendo parte de um arsenal de táticas sempre em constante crescimento, com a utilização de seitas religiosas, da velhaca imprensa inescrupulosa, de prostituídas organizações não governamentais, da desinformação institucionalizada e do inescrupuloso desvio de finalidade de organismos internacionais.
Além do mais, foi no lucrativo tráfico de ópio na China, como sócio júnior do Império Britânico, que despertou nos EUA a sua vocação imperialista. Essa se desenvolveu gradual e poderosamente através das décadas, até desalojar o Reino Unido de sua posição de protagonismo no domínio colonial e maior potência econômica, militar e política mundial.

Assim, o estudo da história das chamadas Guerras do Ópio na China é, tanto oportuno quanto, indispensável para a devida compreensão do ethos do capitalismo e do imperialismo como seu instrumento. Da mesma maneira, do referido exame compreender-se-á bem a evolução das relações e dos diversos organismos internacionais desde o século 17 até os dias atuais.
Ao se entender bem a origem e as manifestações melífluas do capitalismo e do imperialismo, será mais clara a busca de melhores sendas para a afirmação nacional dos povos e sua efetiva colaboração internacional na busca do bem comum, da paz, da prosperidade econômica coletiva e para o desenvolvimento social da Humanidade.