Resenha por Albino Castro, para revista Portugal em Foco, na Coluna Mundos ao Mundo nº 367, Edição de 21 de maio de 2020.
O Iluminismo marcou a Europa na Idade Moderna (1453 – 1789), com o Movimento Renascentista, a partir do século XV, no ducado italiano dos Medici, senhores de Florença e de toda a Toscana. Teve origem, por incrível que pareça, justamente nos primórdios da Idade Média – iniciada em 476 e estendendo-se até 1453, quando os maometanos conquistaram a cristã Constantinopla, e a rebatizaram para Istambul. O grande inspirador do Iluminismo foi, inegavelmente, o maior dos Doutores da Igreja, Santo Agostinho (354 – 430), nascido nos territórios romanos ao Norte de África, próximo à fenícia Cartago, na atual Tunísia, extraordinário teólogo e filósofo que, na então bizantina Milão de Santo Ambrósio, ao Norte da Itália, converteu-se ao Catolicismo. Organizaria e traduziria do grego os textos que compõem o Novo Testamento. O resgate do legado humanista agostiniano, contudo, só aconteceria oito séculos depois, quando, ainda na imensa noite medieval, foi ‘redescoberto’ por outro dos Doutores da Igreja, o italiano Santo Tomás de Aquino (1225 – 1274), principal referência do Renascimento, natural da Província de Frosinone, ao lado de Roma, na região do Lácio. E que, por sua vez, influenciaria, entre os séculos XV e XVI, o célebre pensador holandês Erasmo de Roterdam (1466 – 1536), defensor da Reforma, autor da polêmica obra “Elogio da Loucura”, publicada em 1511. Apesar de ter seu nome ligado à cidade natal, Erasmo morou em Roterdam apenas os primeiros quatro anos de vida. Residiu quase sempre na suíça Basileia e na inglesa Londres, passando períodos em Portugal e Espanha – sendo que, ao contrário do contemporâneo e seu admirador, o alemão Martinho Lutero (1483 – 1546), jamais rompeu com a Santa Sé, embora tenha pregado a Reforma.
Seria discípulo de Erasmo o mais notável dos renascentistas portugueses, o humanista Damião de Góis (1502 – 1574), nascido em Alenquer, no Distrito de Lisboa, com mãe neerlandesa, como seu mestre, sobressaindo-se nos estudos de Teologia e de História. Retrato do lusitano ilustra a coluna. É dele a monumental biografia, em quatro tomos, do Rei Dom Manuel I (1469 – 1521), O Venturoso, o que o conduziria, entretanto, às masmorras da Santa Inquisição pelo tom crítico ao soberano em cujo reinado Portugal chegaria à Índia, em 1498, e, dois anos após, descobriria o Brasil. Damião de Góis vivera o final da infância, a adolescência e parte da juventude como pajem de Dom Manuel I. Foi levado à Corte, aos nove anos, depois da morte do pai, provavelmente por Dom Manuel de Goyos, Porteiro-Mor do monarca, cargo equivalente ao de Primeiro Ministro, de linhagem do vizinho Reino de Leão – integrado à Espanha. Os Goyos eram Cruzados da Ordem do Hospital e se bateram nas fileiras de Dom Afonso Henriques (1106 – 1185), O Conquistador, na primeira metade do século XII, para a Independência de Portugal. Descende de Dom Manuel de Goyos, com efeito, o advogado, escritor, jornalista e historiador Durval de Noronha Goyos Jr, de 68 anos, que muito nos honra na diretoria da Casa de Portugal em São Paulo, autor de “Os Monges Guerreiros de Goyos e a Ordem do Hospital em Portugal”, resenhado por mim, aqui, em 11 de abril de 2019. Damião de Góis, por sua ascendência, seria enviado, como escrivão, aos 21 anos, à feitoria lusa de Antuérpia, na região flamenga da Bélgica, em 1523, pelo Rei Dom João III (1502 – 1557), O Piedoso, filho e sucessor de Dom Manuel I. Atuou em várias frentes diplomáticas no Leste europeu, inclusive nos Países Bálticos e na Escandinávia. Adotou como mentor, em seguida, Erasmo de Roterdam e só regressaria em 1545 a Portugal, assumindo a prestigiosa função de Guarda-Mor da Torre do Tombo.
Suspeita-se que o iluminado humanista renascentista lusitano teria sido assassinado em sua casa, em Alenquer, por seus obscurantistas acusadores da Santa Inquisição. Estes o viam quase como um Protestante por causa de sua afinidade com o pensamento reformista do Catolicismo do qual foi apóstolo Erasmo de Roterdam – sob a égide agostiniana e tomista. A Filosofia Iluminista ganharia contornos definitivos nos séculos XVII e XVIII com outro holandês, Bento Espinoza (1632 – 1677), de família portuguesa judaica refugiada em Amsterdam, e os franceses René Descartes (1596 – 1650), Montesquieu (1689 – 1755),Voltaire (1694 – 1778) e Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778).