Resenha por Ricardo Ramos Filho sobre o livro Shanghai Lilly, São Paulo, 14 de maio de 2017.
Algumas experiências de leitura são marcantes. O contato com a biografia autorizada de Vivian Salomon, escrita por António Paixão, é uma delas. O fato de ser um leitor ávido, hábito que trago da infância e juventude, bem como por necessidade profissional, coloca-me diariamente em contato com infinidade de textos. Em universo tão grande, existe quase que seleção natural. Apenas serão lembradas mais tarde, obras que tragam em seu bojo coisas capazes de a diferenciarem. O comum, páginas que parecem cair no vazio quando viradas, é rapidamente esquecido, raramente consigo recuperar de pronto. Narração, trama, desenvolvimento de enredo, tudo precisa ser urdido de forma muito especial para poder ser inserido no escaninho particular das lembranças afetivas. Sim, porque ler um bom livro é também um percurso amoroso. E como isso não é tão frequente, no final fica a sensação de que poucos trabalhos valem a pena experimentar. Shanghay Lilly faz parte do seleto grupo de obras que merecem ser trilhadas.
Desde início os relatos de Vivian Salomon provocam estranheza, já que não estamos acostumados a ver narradores nos tratarem com tal falta de cerimônia. A mulher inteligente, ardilosa e forte que assume o relato na primeira pessoa, faz questão, desde o primeiro momento, de nos usar como confidentes. Força o contato quase que nos arregimentando, exigindo, criando uma intimidade que se exagerada no começo, rapidamente é aceita. Quando percebemos, muito pelo bom humor de Vivian, estamos acostumados com aquele jeito descontraído. Deixamos de franzir a testa, arregalar os olhos, passamos a aceitar a estratégia da moça em nos seduzir. Sim, pois muito rapidamente entenderemos que o jogo de estratégia e sedução é por ela incrivelmente bem jogado. Os artifícios próprios de redes sociais como risos cheios de letras “k” e emojis ilustrando sentimentos, colocam o leitor quase que em uma seara virtual. Ao fazer isso, dar ares de postagem ao que está escrevendo, o escritor António Paixão, pela voz de Vivian, consegue fazer com que o cotidiano duro, competitivo e cruel em que ela vive, seja mais palatável. Afinal, talvez todo aquele relato seja mesmo uma grande brincadeira. Ou ficção não é um tipo de memória?
As qualidades de Vivian estarão aqui muito bem assumidas por ela: beleza, esperteza, argúcia, candura, honestidade moral, pureza de pensamentos, lealdade, sinceridade e práticas sexuais heterodoxas, sem falar da modéstia, obviamente. Farão dela alguém muito próxima da gente. Por semelhança, é claro! E depois de caminhar com esta linda mulher pelas exigências do asqueroso mundo corporativo onde habita, passado pelos problemas de sua família, em que o universo machista estará sempre presente com enorme avidez, e ter conhecido o charme de lugares como: Londres, Nova Deli, Johanesburgo, Xangai, Jersey e Key Biscayne, teremos vivido uma aventura de divertimento, conhecimento e sofisticação. Mais tarde, quando alguém nos pedir opinião sobre Shanghay Lilly, não precisaremos pensar muito, buscar em algum recôndito interno escondido se gostamos ou não, a resposta estará pronta e fácil: merece ser lido!