Publicado na versão eletrônica no sítio do JB On Line (http:\\www.jbonline.com.br), bem como na versão impressa no Jornal do Brasil, caderno Economia & Negócios, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 25 de outubro de 2009.
Realizou-se no fim de semana do dia 3 de outubro de 2009, em Istambul, na Turquia, a reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI).
No topo da agenda, estava a muito necessária reforma do organismo internacional, clamada pela opinião pública mundial desde há muito tempo, mas que somente agora ganhou impulso com os efeitos do choque da crise financeira mundial.
De fato, a ilegitimidade da governança, a corrupção do mandato e o anacronismo de gestão do FMI tornaram-se alarmantes ao causar a falha na previsão da crise mundial, a omissão em ações de combate aos seus efeitos e a inércia na proposição de ações corretivas necessárias a estabilizar as finanças, e bem assim a economia mundial para o futuro.
Lembre-se que o FMI é um daqueles organismos multilaterais criados no pós-guerra para, na realidade e em conjunto, promover a prosperidade seletiva de uns poucos países hegemônicos em detrimento dos demais. Ele aplicou as receitas macroeconômicas no sentido de assegurar o livre fluxo de recursos dos países em desenvolvimento para os países desenvolvidos, como parte da formatação da exploração sistêmica pós-colonial.
Como parte da estrutura necessária para viabilizar os seus reais propósitos, o FMI abriga uma estrutura ilegítima na representatividade de seus membros, no que alguns, os ricos, têm maiores poderes que os outros, os emergentes.
Assim, as quotas que determinam o poder de voto na instituição estão nas mãos dos países hegemônicos.
Os chamados países BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China), hoje os propulsores da economia mundial, têm em conjunto menos de 10 por cento do poder de voto no FMI, menos de um terço do que detêm os países da União Européia (UE).
No FMI, como de resto em todos os principais organismos multilaterais, os Estados Unidos da América (EUA), o principal agente da teoria da prosperidade seletiva das nações (a própria), têm o poder de veto. Como parte da divisão espúria do poder mundial, a UE tem indicado sempre o presidente do FMI, enquanto os EUA apontam aquele do Banco Mundial.
Assim, da mesma forma que nas situações de direito doméstico, as falhas na representatividade comprometem o regime político, que deixa de ser democrático para ser ditatorial. As consequências de tal situação são muitas, já que o organismo passa a atender a interesses oligárquicos e apresentar falhas ou vícios operacionais que vão desde a constituição da diretoria não representativa, à contratação desproporcional de funcionários clientes da nacionalidade do núcleo central, à imposição de um ethos etnocêntrico e, afinal da representação não do interesse coletivo, mas do particular.
A tradicional imposição de doutrinas espúrias para facilitação da melhor e mais eficiente espoliação dos países em desenvolvimento, como aquele conjunto de medidas denominado Consenso de Washington, é o resultado da corrupção e desvio dos propósitos de um organismo internacional.
Pois bem, o apontado conjunto de vícios implicou, durante a crise econômica, na falta de qualquer diagnóstico ou alerta, da parte do FMI, a respeito de sua iminência.
Mais ainda, os países hegemônicos reconheceram expressamente o caráter clientelista e subalterno do organismo ao adotarem medidas de combate à crise fora de seu âmbito.
Quando, depois de adotarem medidas unilaterais na tentativa de salvar suas economias arruinadas pela sua própria e desmedida cobiça, os países ricos foram buscar apoio internacional, o fôro escolhido foi o agrupamento internacional denominado G-20, onde foram alinhados os esforços de cooperação.
Apesar de todos os seus vícios sistêmicos e de seu histórico de imoral instrumento de espoliação econômica, há um papel no âmbito das relações internacionais para o FMI, devidamente reformado para atender aos legítimos interesses dos povos. Para que possa bem cumprir tal função, uma ampla e profunda reforma do organismo faz-se necessária.
É certo que tal reforma passa pela correção dos vícios de representatividade no voto, na direção, no corpo funcional, no ethos, na doutrina e nas ações do organismo. Em resumo, mantém-se o organismo formal, mas se altera a substância material.
Essa cooperação internacional é hoje urgente para a superação dos problemas econômicos mundiais, como a substituição do dólar americano como moeda reserva mundial.
Somente com uma radical reforma poderá o FMI cumprir o papel de, com isenção e eficiência, prever novas crises internacionais e propor medidas eficazes para preveni-las e combatê-las.
Infelizmente, as tímidas propostas da reunião de Istambul, basicamente de correção parcial do vício de representatividade, estão muito aquém do necessário para atingir tal propósito.
O anacronismo do Fundo tornou-se alarmante ao causar a falha na previsão da crise.