Publicado na Coluna Semanal do Dr. Noronha a convite do sítio “Última Instância – Revista Jurídica”, São Paulo, Brasil, 29 de julho de 2009.
São Paulo – Um relatório recentemente divulgado pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) em Washington D.C., Estados Unidos da América, dá conta que as reservas dos países em desenvolvimento ultrapassaram o patamar de US$ 4 trilhões, um montante total quase seis vezes superior àquele verificado no ano 2000 e 70% superior ao dos países desenvolvidos, que se situa por volta de US$ 2,4 trilhões.
Esses números refletem os crescentes déficits nas balanças comerciais dos países ricos que os vêm financiando com transferências de capital a título de empréstimo por parte de certos países em desenvolvimento como, por exemplo, a República Popular da China que, em julho de 2009, acumulou reservas de aproximadamente US$ 2,1 bilhões. Por sua vez, as reservas internacionais do Brasil no mesmo momento atingiram a cifra recorde de aproximadamente US$ 210 bilhões.
Nos últimos 12 meses, por exemplo, o déficit comercial dos EUA era de cerca de US$ 675 bilhões, o do Reino Unido de US$ 145 bilhões, o da Espanha, US$ 109 bilhões, e o da França US$ 74 bilhões. Para complicar a situação de muitos países ricos, as medidas fiscais incluindo subsídios, nacionalizações e investimentos que se fizeram necessários para equilibrar suas economias a partir de setembro de 2008 causaram enormes déficits orçamentários.
Estes chegaram à casa dos 14% do PIB (Produto Interno Bruto) nos EUA e no Reino Unido e à de quase 10% na Espanha, para o ano de 2009. Tais preocupantes indicadores macro-econômicos, particularmente no caso dos EUA, têm levado a uma crise de confiança na moeda norte-americana, que ainda representa cerca de 70% das reservas mundiais e assim ainda permite àquele país viver de dívidas.
A absoluta necessidade da economia americana de continuar se valer dos empréstimos chineses, levou os EUA buscar uma parceria de diálogo estratégico e econômico com o país oriental, anunciada na reunião de cúpula em andamento entre os dois países na capital americana, em 27 e 28 de julho de 2009.
Na ocasião, o presidente dos EUA, Barack Obama, declarou que as partes devem buscar “regulamentação e transparência dos mercados assim como comércio livre e equitativo”, o que o seu país não tem no primeiro caso, como demonstrou abundantemente a presente crise, e historicamente deixa de praticar, no segundo.
De qualquer maneira, os economistas conservadores e radicais dos países ricos já começam a atribuir a culpa de sua ruína econômica e financeira, não à ideologia neoliberal e seus absurdos, mas aos acúmulos de reservas internacionais nos países em desenvolvimento. Essa posição, se adotada pelos governos dos países desenvolvidos em qualquer momento no futuro próximo, irá lançar mais um agudo confronto com os interesses dos países em desenvolvimento.
A situação deve se agravar com a busca, em andamento, de alternativas para o uso do dólar norte-americano, tanto nas reservas internacionais dos países emergentes, como em seu comércio exterior.
Já se tem notado um aumento da diversificação das moedas em suas reservas, bem como iniciativas para um bem concebido comércio exterior nas moedas próprias, como tem feito o governo brasileiro. Por sua vez, a China move-se visando à conversibilidade plena do Yuan, hoje apenas regional, no futuro próximo.
Mais ainda, o previsível aumento da prosperidade nos grandes países emergentes e em suas regiões nos próximos anos e da ruína e da miséria nos países desenvolvidos no mesmo período, com o colapso de suas economias sustentadas artificialmente pela exploração de terceiros, fará que os governos destes últimos tentem extrair vantagens indevidas dos primeiros a todo custo.
Assim, o histórico conflito norte-sul será muito provavelmente substituído pelo conflito entre os países hegemônicos com arruinada economia face os Estados chamados emergentes, não todos do hemisfério sul, notadamente o Brasil, a China, a Rússia, a Índia, e a África do Sul, dentre outros.