Publicado na Coluna Semanal do Dr. Noronha a convite do sítio “Última Instância – Revista Jurídica”, São Paulo, Brasil, 12 de novembro de 2008.
Beijing – Na Rua Guanghua, no importante distrito de Ritan, em Beijing, onde se encontram alguns dos mais modernos edifícios empresariais do mundo bem como espetaculares centros comerciais, tremula numa manhã ensolarada o pavilhão verde-ouro na embaixada do Brasil, um edifício pintado recentemente de amarelo canarinho sobre a cor original cinza. O prédio, construído na época da Revolução Cultural (1966-1976), apresenta todas as características daqueles tempos difíceis e não poderia oferecer, pelo seu caráter e estrutura, um maior contraste com a opulência chinesa dos dias atuais.
Superado o portão de acesso da rua, os visitantes passam por alguns resquícios de vegetação daquilo que outrora deve ter sido um formoso jardim. Diante do abandono da recepção situada no alpendre (sic) e da pesada porta de ferro entreaberta, os visitantes adentram a chancelaria, quando uma funcionária chinesa reage ao ruído de vozes e apressa-se a saudá-los num passável… espanhol.
A recepção ainda está aparelhada com os móveis originais da época da retomada das relações diplomáticas bilaterais, na década de 70, ao estilo daqueles que compuseram os gabinetes funcionais de Brasília por ocasião de sua fundação. O seu estado denota o desgaste do tempo. Sobre uma velha mesa central, vê-se apenas uma camada de pó. Nada de materiais de leitura sobre o Brasil.
Sob a mesma mesa, estão os resquícios de um maltrapilho e imundo tapete de origem incerta. No canto de uma das laterais, notam-se os resíduos de material inorgânico e orgânico (fezes de pequenos roedores?) deixados talvez após uma varredura inacabada ou em processamento. Sobre uma das paredes, duas baratas fazem uma evolução descoordenada e modorrenta, num embaraçoso exibicionismo.
A sólida escada que leva ao pavimento superior e aos gabinetes do embaixador apresenta os sinais de intenso uso através os anos, mas oferece, provavelmente, a única opção de abrigo na eventualidade de um ligeiro tremor de terra. A ante-sala do gabinete do embaixador, outrora uma sala de reuniões com estofados, ao estilo oriental, tem apenas uma velha poltrona abandonada contra uma das paredes, numa isolada e melancólica companhia aos velhos, opacos e desgastados tacos de madeira.
No gabinete do embaixador, um velho sofá estoicamente ainda recebe os visitantes, sendo que o diplomata recorre a uma desgastada cadeira de sua própria mesa. Um contínuo de aspecto oriental serve um café ersatz, com aparência marrom-alaranjada e com mais substâncias em suspensão que as águas do velho Yang – Tse.
A triste situação física da chancelaria brasileira em Beijing apenas serve de palco para o fracasso da atuação diplomática do Brasil na China, hoje o segundo maior parceiro comercial brasileiro e seu principal sócio estratégico. Uma reduzida equipe de apenas 5 diplomatas, semelhante em número à que temos no Equador e metade daquela da Venezuela, atende a uma das agendas bilaterais mais complexas do Brasil, sem conhecimento do mandarim.
O vigor das relações comerciais bilaterais incentiva os investimentos recíprocos. Porém, os investidores e homens de negócio chineses não conseguem vistos para visitar o Brasil, pois estes demoram mais de 90 dias para sua emissão, após um humilhante processamento. Com um comércio bilateral superior a US$ 25 bilhões em 2007, há apenas um diplomata brasileiro a cuidar do setor comercial. De nossos cinco diplomatas, três já se preparam a deixar a China.
Esse lamentável quadro apresenta-se após um ano decorrido de o chanceler Celso Amorim haver declarado publicamente, com alarde e a habitual e característica fanfarronice, que 2008 havia sido designado para o Itamaraty o “ano da Ásia”. Imagine-se o que seria se não fosse!
A estreita cooperação do Brasil com a China é de fundamental importância para os interesses comerciais e econômicos de nosso país, num mundo em que aproximadamente 66% do crescimento global nos próximos anos virá dos países em desenvolvimento, segundo dados insuspeitos do FMI (Fundo Monetário Internacional).
De mais a mais, a cooperação política com o país oriental se faz para nós ainda mais importante neste momento em que é discutida uma reformulação da ordem política mundial e bem assim dos diversos organismos multilaterais, com maior peso para os países em desenvolvimento.
Para tanto o Brasil deve alocar quadros diplomáticos e condições materiais adequadas tanto em número quanto em qualidade para os múltiplos desafios do momento. É chegado o tempo para o Itamaraty levar a China a sério!