Lady Macbeth e o não francês no plebiscito da constituição da União Européia

Publicado na Coluna Semanal do Dr. Noronha a convite do sítio “Última Instância – Revista Jurídica”, São Paulo, Brasil, 01 de junho de 2005.

LONDRES – Exultam as forças conservadoras britânicas pela rejeição francesa ao projeto de constituição da União Européia. Por forças conservadoras britânicas, entenda-se todo o espectro político do Reino Unido, já que o Partido Trabalhista, de finada e saudosa tradição socialista, converteu-se em neo-liberal, alinhou sua política externa àquela dos Estados Unidos da América, e tem sistemática e consistentemente promovido a desídia no âmbito europeu, bem como o unilateralismo nas relações internacionais.

Na realidade, os britânicos não se consideram europeus. Com acessão tardia à então CEE (Comunidade Econômica Européia), sua agenda tem sido a de dificultar, na medida do possível, o projeto europeu, ao mesmo tempo em que, como ansiosos aspirantes a sátrapas imperiais, promovem sua subordinação absoluta à política externa dos Estados Unidos. Assim, para os fins europeus, a política externa britânica assemelha-se ao perfil de Lady Macbeth, traiçoeira e peçonhenta personagem de Shakespeare.

Com a rejeição pelo eleitorado francês, por aproximadamente 55% contra 45%, do projeto de constituição da UE, os britânicos, de um modo geral, consideraram-se vencedores, no próprio campo inimigo (?), do debate institucional sobre a formatação e o futuro das comunidades européias. Desejam os políticos britânicos que a Europa, orientada pelo tênue feixe do combalido farol do liberalismo, venha a representar um mercado econômico aberto, sem identidade política, sem moeda própria, sem política externa comum, sem defesa comum, sem nacionalidade, e caracterizada pela subserviência aos EUA e aos seus sátrapas regionais, o RU.

Na realidade, o trôpego ideário britânico não foi objeto do referendo, como querem fazer crer os políticos e observadores políticos do Reino Unido. Estava em votação um projeto de constituição que fora, em grande parte, orientado pelos próprios agentes diplomáticos daquele país, inclusive com uma tanto relevante quanto preocupante contribuição neo-liberal. O projeto contemplava ainda a expansão maior da UE, sem que ainda estejam absorvidos na economia os últimos 10 membros.

Os eleitores franceses foram às urnas, com um nível baixo de abstenção de apenas cerca de 30% do eleitorado, preocupados com uma agenda doméstica que compreendia uma grande frustração com a situação econômica estagnada do país; com o alto nível de desemprego, na casa dos 10%; com o alto endividamento público; e com uma pronunciada desesperança na liderança inepta do presidente Chirac, de resto aparentemente alienada e insensível aos grandes problemas domésticos.

Dessa maneira, não é de surpreender que 80% dos trabalhadores industriais franceses tenham votado contra o projeto de constituição, refletindo dramaticamente sua inquietude quanto ao panorama econômico e às percebidas propostas liberais nele embutidas. Da mesma forma, cerca de 52% dos eleitores do Partido Socialista posicionaram-se no campo do non. Por outro lado, os eleitores de extrema direita também votaram contra com o objetivo de bloquear o ingresso da Turquia na UE, que é apoiado pela política externa de Lady MacBeth, e também para manter vigente o infame protecionismo agrícola embutido na Política Agrícola Comum.

A realidade, todavia, não impede que o primeiro ministro britânico, um dos políticos mais desacreditados do mundo, que por sinal evoca outro notável personagem literário inglês, o inesquecível Artful Dodger, o adolescente punguista de Oliver Twist, de autoria de Charles Dickens, ofereça-se como líder no processo de resolução do impasse europeu. Que triste e lamentável opção!