Meu amigo, o Mahatma Beleloy

Obituário de um grande amigo, São José do Rio Preto, 30 de dezembro de 2020.

Como é sabido, o termo mahatma, em sânscrito, significa grande alma e é utilizado, na Índia, para designar pessoas cujos feitos são admirados e que se dedicaram suas vidas à consecução do bem comum, com no caso de Mahatma Gandhi. Hubert Eloy Richard Pontes (1951-2020), falecido hoje, 30 de dezembro de 2020, foi uma destas almas grandes, dignas e nobres que dedicou sua vida, e atuação profissional filantrópica como médico psiquiatra, ao interesse público.

Ele nasceu na cidade do Rio de Janeiro, mas veio jovem para São José do Rio Preto, filho de um psiquiatra, era o mais velho de 8 irmãos e irmãs. Moravam numa residência peculiar no então ermo bairro da Redentora. Sua residência, chamada pelos amigos de o “Forte Apache”, pelas estripulias praticadas pelas crianças e pelo próprio Beleloy, era circundada por altos muros, erguidos, sem dúvidas, para proteger o público da inocente fúria infantil.

Fomos colegas no velho Grupo Escolar Cardeal Leme, em São José do Rio Preto, onde Beleloy estava sempre a arrumar confusões que, não raramente, exigiam a presença do severo pai, que tinha sua clínica psiquiátrica nas proximidades. Terminado o quarto ano primário, fomos aprovados no exame de admissão ao ginásio para o Instituto de Educação Estadual Monsenhor Gonçalves, onde mais uma vez fomos companheiros de bancos escolares. Terminadas as aulas íamos praticar a justiça social pilhando o pomar de nosso Professor Ricieri Berto e, em particular, a frondosa amoreira, na companhia do amigo Hamilton Xavier Funes, hoje também médico. As camisas brancas de nossos uniformes ficavam roxas com o doce suco das frutas, para desespero de nossas mães, já que eram poucas as vestes, naqueles tempos difíceis.

Na mesma época, integramos juntos a equipe de natação do Rio Preto Automóvel Clube e fomos campeões paulistas e do interior, por diversas vezes. Esta história ficou registrada na obra memorialista “Encontro com Décio Lang – A formidável natação rio-pretense nos anos 50 e 60”, publicada em 2017 pela Editora UBE, da renomada União Brasileira de Escritores, com o texto básico de Raul Marques. No livro figuram diversas fotografias do período, nas quais aparecem também o Beleloy e suas irmãs, igualmente nadadoras. Beleloy continuou a nadar por muitos anos com grande destaque, inclusive como máster, tendo se especializado em longas distâncias.

A partir de 1968, nossos caminhos tomaram sendas diversas, com minha partida para estudos nos Estados Unidos da América. Beleloy continuou em Rio Preto, onde cursou medicina, na FAMERP. Quando anunciou sua vocação aos amigos, Eduardo Celso Vieira (o Dú), nosso amigo comum de escolas e natação e hoje médico, brincou com Beleloy duvidando de seu propósito, pois ele nem mesmo comia galinha cabidela. Inalterado, Beleloy respondeu com convicção: “não há sangue na psiquiatria. Graças a Deus”.

Formado, Beleloy empreendeu um rosário de generosas ações filantrópicas, na medicina e fora dela, incluindo na maçonaria, tendo sido o Grande Venerável de uma de suas mais prestigiadas lojas. Foi eleito vereador por três legislaturas e, no ano 2000, foi o requerente do Diploma de Reconhecimento e da Medalha do Brasão Municipal, a mim conferidos. No ano seguinte, foi ele com toda a justiça homenageado com o título de cidadão rio-pretense, em reconhecimento às suas inúmeras atividades filantrópicas.

Tempos após, o Mahatma Beleloy me agraciou novamente, desta vez com a nobre missão de tutelar sua genial filha, Ana Flávia, no ramo do Direito. Ela veio estagiar em meus escritórios na cidade de São Paulo e me deixou triste quando saiu, embora tivesse uma promissora carreira na advocacia conosco, para perseguir sua vocação pelo serviço público, aquela mesma que herdou de seu pai.

Uma certa vez, Beleloy me convidou para jantar em sua residência, num prédio de apartamentos sito à Rua Voluntários de São Paulo, em Rio Preto. Na hora combinada, lá estive e fui informado pelo porteiro que ninguém atendia ao telefone. Deixei a garrafa de vinho que havia levado e fui comer na pizzaria na esquina de baixo. Ao chegar em casa, recebi a ligação de Beleloy: “que mancada”, disse-me ele. E completou: “estava na Igreja, pois precisava de Deus”. Fomos jantar no dia seguinte, desta vez com duas garrafas de vinho.

Celebramos alegremente, na companhia de muitos velhos amigos, em 2017, o lançamento do livro “Encontro com Decio Lang…”, numa recepção no Rio Preto Automóvel Clube, que foi seguida por uma competição de natação promovida pelo nosso grupo há muitos anos, para crianças e adolescentes da região. Nos últimos tempos, declinou a saúde de Beleloy, aumentaram-se os problemas, foi ele infectado pelo vírus COVID-19 e sua grande alma foi requisitada por Deus. Ele nos deixa o seu exemplo e uma história de afirmação da dignidade humana.

Hubert Eloy Richard Pontes (Rio de Janeiro, 1951-São José do Rio Preto, 2020).