O auto-respeito e a Basílica

Publicado na versão eletrônica no sítio do Jornal Diário da Região http:\\www.diariodaregiao.com.br), bem como na versão impressa no Jornal Diário da Região, edição de 04 de julho de 2004, São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil.

No auge da batalha pela independência da Índia do jugo daquilo que ele denominava o terrorismo inglês, Mahatma Gandhi exprimiu o sentimento de que “não podia conceber uma perda maior para um homem do que a do auto-respeito”. O Mahatma evidentemente expressava um conceito humano básico de há muito sedimentado na cultura oriental. Este mesmo conceito de valorização do auto-respeito, no Ocidente, já havia sido desenvolvido pelo pensador escocês, David Hume (1711-1776), em meados do século 18, como alicerce de suas teorias moral e ética. Emmanuel Kant (1724-1804), por sua vez, baseou-se em Hume para desenvolver, em suas Críticas, a busca do supremo princípio da moral interior, que teria autoridade racional. O que seria, então, esse princípio basilar que, começando pelo foro íntimo do indivíduo, transporta-se em repercussões amplas e diversificadas para a moral e, daí, para a ética, para eventual e posteriormente até mesmo integrar os ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais? Como seria ele informado? De minha parte, entendo o auto-respeito como o sentimento, tanto sóbrio quanto positivo, resultante do honesto exame introspectivo da consciência. Gandhi, experiente advogado, freqüentemente chamava-o de ‘voz interior’, que tinha como a mais alta corte de Justiça. Evidentemente, o auto-respeito não é dissociado do universo cultural do indivíduo, que informa o seu juízo. Assim, o auto-respeito é informado pela cultura, que é o modo de vida de um povo, incluindo sua história, atitudes, valores, crenças, artes, ciência, percepções e modos de pensar e agir.

Desta maneira, a cultura orienta e baliza o auto-respeito, de tal modo que o auto-respeito individual é intrinsecamente ligado ao coletivo. Da mesma forma que um indivíduo sem auto-respeito não se projeta perante seus pares, as comunidades, e bem assim os Estados, sem auto-respeito colocam-se na ignóbil marginalidade. Por todas as suas conquistas nos mais diversos campos, como o econômico, educacional, cultural, de saúde pública e de desenvolvimento humano, o auto-respeito coletivo em Rio Preto poderia ser maior, no tocante ao patrimônio cultural existente na cidade. Na Europa, no Oriente e mesmo nos Estados Unidos da América, um país que projeta a barbárie em escala global, o patrimônio cultural é valorizado, mantido e utilizado para o deleite, o estudo e para a afirmação do auto-respeito nacional. Lembro-me ainda de como o Palácio Proibido, na Praça da Paz Celestial, iluminado à noite tal qual a bandeira, representa e simboliza a nação chinesa e o Estado chinês. Até mesmo a cidade de Miami, nos EUA, cuja orquestra sinfônica foi criada muito após a de Rio Preto, valoriza uma modesta arquitetura no estilo art-décoratif (arte déco), expressa em hotéis da primeira metade do século passado, utilizando-a para se projetar nacional e internacionalmente.

Rio Preto também tem um patrimônio arquitetônico no estilo art-décoratif , com variedade e excelência muito maior, dentre os quais o Mercado Municipal, o Instituto de Educação Monsenhor Gonçalves e a Basílica Menor Nossa Senhora Aparecida, esta última de uma beleza extraordinária. Para além do belo arquitetônico, a Basílica representa a história da cidade, a começar pelos afrescos no altar principal, que mostram Rio Preto em seus primórdios tempos. Por outro lado, a Basílica representa a história de todos nós. São casamentos, batizados, crismas, eventos de júbilo ou de luto que marcaram e marcam a vida de todos nós. A Basílica é igualmente um espaço sereno onde se meditar e, para os fiéis, a sagrada casa de Deus. Ela hospeda também o inspirador altar de São José, padroeiro da cidade, imediatamente à direita do altar principal. Seus vitrais têm uma beleza singular e seu teto é decorado com cenas bíblicas de raro esplendor. Ainda em seu interior, a Basílica tem um órgão contemporâneo daquele do Mosteiro de São Bento e mais antigo daquele da própria Catedral da Sé, em São Paulo.

Infelizmente, tanto a Basílica como o seu órgão necessitam de reparos, reformas e de cuidados especiais para que possam representar plenamente o seu papel na cidade e projetar o seu auto-respeito no âmbito nacional e internacional. Por ocasião de uma nova iniciativa de eventos culturais visando à arrecadação de fundos para as necessárias reformas, por parte da Confraria dos Amigos da Basílica, a participação de todos contribuirá também para o auto-respeito individual de cada um de nós.