O uso do Instituto Antidumping como prática monopolística

Publicado na Coluna Semanal do Dr. Noronha a convite do sítio “Última Instância – Revista Jurídica”, São Paulo, Brasil, 08 de setembro de 2011.

São Paulo – Como é sabido, dentre as medidas de defesa quanto às práticas desleais de comércio, foi instituído pelo regime jurídico multilateral da Organização Mundial do Comércio (OMC), o Acordo Antidumping que, devidamente ratificado pelo Brasil, foi acolhido pela legislação interna brasileira.

Note-se que instituto do dumping é uma criação quase centenária. Começou ele no Canadá, mas foi imediatamente adotado pelo sistema legal dos Estados Unidos da América (EUA). Convencionou-se chamar de dumping, ou encilhamento, a prática desleal de comércio internacional de vender um bem no exterior abaixo dos preços do respectivo mercado doméstico, de maneira a causar um prejuízo ou dano aos produtores locais.

Para combater esse mal, foi criado o chamado direito antidumping, através o qual se apura o valor correspondente à diferença entre os preços no mercado doméstico e o externo afetado, o que constitui a chamada margem antidumping. Essa margem passa a ser o parâmetro cobrado das importações como tarifa adicional pelas autoridades fazendárias do país que a impõe como direitos alfandegários.

Embora, em princípio, legítimo, o instituto do direito antidumping foi largamente abusado desde o seu início. Como explico nos meus livros “A OMC e os Tratados da Rodada Uruguai” e “Tratado de Defesa Comercial”, os EUA tornaram o mecanismo em questão na fina flor do protecionismo, aplicando-o injustamente, sempre que os produtores locais deixavam de ser competitivos. Exportações do Brasil têm sido vitimadas há décadas por tal prática espúria naquele país, como é de conhecimento geral.

A situação chegou a tal ponto que, durante a Rodada Uruguai do sistema multilateral de comércio, na qual fui representante de governo brasileiro, os EUA exigiram ( e conseguiram ) que as medidas domésticas antidumping, de uma maneira geral, não pudessem ser revistas pelo sistema de resolução de disputas da Organização Mundial do Comércio, criada em 1995.

Isso ocorreu porque sabiam muito bem os americanos que seus abusos não eram sustentáveis juridicamente num foro com judicatura internacional e não podiam prescindir de tais violências, para uma proteção da indústria doméstica a ser obtida a qualquer custo, de qualquer maneira e sob qualquer pretexto.

Essa situação traz diversas anomalias para além das violações dos princípios de moralidade e justiça. De fato, o primeiro efeito direto dá-se com o prejuízo ao consumidor doméstico, que é privado de adquirir um bem em condições de qualidade e preço potencialmente superiores.

Contudo, a ordem pública, um bem superior, também é putativamente violada, quando o instrumento de defesa comercial do antidumping é utilizado para promover práticas monopolísticas, afastando a desejável concorrência, princípio encastelado na Constituição Federal, no artigo 170, IV.

Assim, na hipótese dá-se o abuso do poder econômico porque o beneficiário da posição dominante usa a atividade empresarial contrariamente à sua função social, de forma a lhe proporcionar um ganho mediante a eliminação da concorrência, em detrimento dos demais atores econômicos, incluindo os consumidores, e da ordem pública.

Essa é a situação de alguns casos no Brasil onde sob o pretexto de cobrir ilusórias práticas desleais do comércio, está a se promover monopólios setoriais.