Os limites da propriedade intelectual

Publicado no jornal DCI – Diário Comércio Indústria & Serviços, caderno Justiça e Legislação, São Paulo, SP, Brasil, 3 de outubro de 2007.

São Paulo – Na semana passada, a Ompi (Organização Mundial da Propriedade Intelectual), com 171 Estados membros, aprovou por ocasião da 34ª Assembléia Geral, realizada em Genebra, Suíça, um programa de recomendações para o tratamento legal das patentes nos próximos tratados internacionais de regência da matéria.

A decisão, por ora meramente enunciativa, representa todavia uma importante vitória conceitual para aqueles que defendem a necessidade do estabelecimento de claros limites à propriedade imaterial, já que este não é e nem deve ser um direito absoluto.

No entanto, foi nessa última qualidade em que a matéria foi objeto de tratamento no chamado Acordo sobre Aspectos Relacionados ao Comércio dos Direitos à Propriedade Intelectual, o chamado tratado TRIPs, de 1994 e assinado no âmbito dos tratados da Rodada Uruguai do GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio).

De fato, o acordo TRIPs atendeu a uma antiga reivindicação dos países desenvolvidos, em sua fúria predatória e descontentes com a Ompi, já que esta tradicionalmente buscava um equilíbrio entre a propriedade intelectual e outros importantes valores humanos, como o direito ao desenvolvimento e o acesso à tecnologia.

Assim, o TRIPs levou a questão da propriedade intelectual para o âmbito da OMC, como se a matéria fosse exclusivamente comercial, e a sujeitou ao sistema de resolução de disputas daquele organismo. De mais a mais, o TRIPs deu à propriedade imaterial um status de direito absoluto, não sujeito a quaisquer limites, nem sequer à normas de direitos humanos ou de políticas de ordem pública.

Por outro lado, enquanto o TRIPs reconhecia o direito à propriedade imaterial pelos agentes de direito privado, ele se omitiu no tocante ao conhecimento tradicional e na proibição da chamada biopirataria. Enquanto os Estados membros da Ompi se reuniam em Genebra, estavam em andamento e ainda inconclusas, desde novembro de 2001, as negociações da Rodada Doha da OMC.

As recomendações da Ompi levam em consideração as demandas para um tratamento de diversos interesses econômicos no sistema internacional de patentes, no tocante ao uso do sistema, à sua harmonização, bem como os interesses dos países em desenvolvimento. Nesse último item, trata-se do acesso à informação e disseminação da tecnologia utilizada nas patentes.

As recomendações da Ompi procuram ainda suprir as graves omissões do acordo TRIPs, ao tratar da propriedade imaterial dentro do contexto dos objetivos de ordem pública, na área da saúde, da diversidade biológica e do conhecimento tradicional. Mais ainda, normas éticas, muito necessárias, são recomendadas para o setor.

A consciência humanística irá muito bem receber as novas recomendações da Ompi para o tratamento da propriedade intelectual. Resta saber se, no âmbito da Rodada Doha da OMC serão feitos os devidos ajustes ao acordo TRIPs. Espera-se que sim. Para tanto, é de se recomendar que o Itamaraty não durma no ponto mais uma vez.