A acessão da Rússia à OMC e o obstáculo imposto pelos EUA

Publicado na versão eletrônica no sítio do JB On Line (http:\\www.jbonline.com.br), bem como na versão impressa no Jornal do Brasil, caderno Internacional, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 16 de julho de 2006.

Dentre as maiores dez economias mundiais, a Rússia é a única ainda a não fazer parte da Organização Mundial do Comércio (OMC), a entidade multilareral tanto regula as atividades do comércio internacional, por meio de uma rede de apósitos tratados, como serve de foro para a resolução de disputas entre os Estados membros. A rigor, pelo tamanho, características e desempenho de sua economia, a Rússia não poderia estar alienada do sistema multilateral de comércio. Como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, com direito a veto, a exclusão da Rússia da OMC é mais uma das graves contradições da ordem jurídica internacional.

De fato, hoje o comércio internacional russo brinda ao país um saldo comercial acumulado nos últimos doze meses da ordem de 132 bilhões de dólares norte-americanos, quase vinte por cento superior àquele acumulado pela China em igual período. As reservas do país em moeda estrangeira estão na casa dos 240 bilhões de dólares, aproximadamente quatro vezes superiores às do Brasil, e seu saldo acumulado em conta corrente no último ano é de 94 bilhões de dólares, o que preconiza seu aumento continuado.

Embora desmoralizada pela manipulação sofrida por conta da ação dos países desenvolvidos, que buscam transformá-la num agente de sua prosperidade seletiva, a OMC é um organismo internacional muito importante, porque juridicamente evita a discriminação do país não membro, devido ao seu princípio fundamental assentado na chamada cláusula da nação mais favorecida.

Tal qual já ocorrera com a China, o maior obstáculo à acessão da Rússia são os Estados Unidos da América (EUA), o país que mais tem contribuído para a desmoralização do sistema multilateral do comércio em geral e da OMC, em particular. Tradicionalmente, os EUA vêem a OMC como um instrumento para a promoção de sua prosperidade, em detrimento daquela dos demais países, bem como um meio de impor os seus valores à comunidade internacional.

No caso da China, o acordo bilateral com os EUA, com milhares de páginas, compreendeu, dentro do universo geral, a vasta maioria das concessões feitas por aquele país para aceder à OMC, um preço altíssimo jamais pago por um Estado para aceder ao sistema multilateral de comércio. À guisa de comparação, o acordo da China com o Brasil, com o mesmo propósito, não teve mais do que quatro páginas.

A situação da Rússia apresenta-se quase tão complexa quanto aquela da China, enquanto candidata, já que os EUA ainda têm em vigor medidas legais discriminatórias ao comércio com aquele país originárias de 1974, período da guerra fria, e denominadas de Emenda Jackson-Vanik, impostas na época da então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Com o Tratado de Alma Ata, de 1991, a URSS deixou de existir, mas a emenda discriminatória americana não foi revogada, o que é certamente imoral, mas permitido pela ordem jurídica multilateral do comércio, já que a Rússia não fazia parte do GATT, nem integra ainda a OMC.

O quadro é agravado pela promoção, através dos negociadores americanos, de interesses privados de agentes econômicos daquele país, notadamente na área do petróleo, mercadoria que representa mais da metade das exportações da Rússia. Com as recentes crises internacionais e com os decorrentes substanciais aumentos de preço da mercadoria e a disputa por fontes de fornecimento com a Europa e com a China, a questão tornou-se ainda mais dramática.

Se a exclusão da Rússia do sistema multilateral do comércio já é uma aberração em si, as dificuldades artificiais impostas pelos EUA para a acessão daquele país à OMC são tanto impróprias quanto inaceitáveis. No momento em que naufraga a Rodada Doha da OMC, aquela que deveria promover o desenvolvimento e que, ao invés procura ainda alavancar a prosperidade de uns poucos em detrimento dos muitos, a questão da acessão Rússia serve como mais um alerta da falência do sistema multilateral de comércio.