A competição internacional entre os ordenamentos jurídicos domésticos e os investimentos estrangeiros

Publicado na Coluna Semanal do Dr. Noronha a convite do sítio “Última Instância – Revista Jurídica”, São Paulo, Brasil, 15 de setembro de 2004.

SÃO PAULO – O organismo multilateral Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) apresentou no último dia 30 de agosto de 2004 uma versão antecipada de seu relatório Política de Investimentos no Brasil, analisando a situação atual dos investimentos de capital estrangeiro no país e oferecendo recomendações para uma melhor atração e direção dos fluxos de capital forâneo. Tendo constatado problemas no ambiente de investimentos no Brasil, a Unctad recomendou uma série de cinco medidas, a saber:

1 – promover níveis mais elevados de competitividade da economia nacional;
2 – ampliar os níveis de investimento direto estrangeiro voltado para as exportações;
3 – facilitar o acesso a mercados de alta demanda;

4 – promover mais investimento estrangeiro direto em regiões menos desenvolvidas; e
5 – organizar instituições que possam fortalecer o desempenho em investimento direto estrangeiro.

Das medidas elencadas, as duas primeiras estão intimamente interrelacionadas, já que não se pode aumentar os níveis de investimento direto estrangeiro voltado para as exportações se a economia nacional não é competitiva internacionalmente, uma vez que, sabidamente, os custos dos produtos são superiores numa economia com menores vantagens institucionais comparativas. Para se aferir a competitividade relativa entre os países, a Unctad desenvolveu 17 critérios, denominados “integradores globais”, para aferir as vantagens relativas do Brasil face a outras economias da América Latina e da Ásia, especialmente a China. Desses, dois são pertinentes ao ordenamento jurídico: “leis e práticas comerciais”, de um lado, e “quadro normativo”, de outro.

Em ambas as categorias, a Unctad conclui pela pouca competitividade relativa do Brasil. A percepção da qualidade do ordenamento jurídico nacional é tão baixa que se situa num patamar inferior até mesmo ao quesito “segurança”, objeto das maiores preocupações nacionais. O relatório menciona ainda que, embora o Brasil tenha melhorado no trato das questões econômicas verticais, o tratamento das questões horizontais, a afetar a economia como um todo, ainda deixa muito a desejar.

Essas conclusões não representam em si nenhuma novidade para o observador mais atento, mas são importantes devido à sua qualificada e insuspeita origem. De fato, a baixa competitividade internacional do ordenamento jurídico brasileiro é freqüentemente citada no tocante à carga tributária, por exemplo, uma das mais onerosas do mundo. A legislação trabalhista também aparece muito mencionada pelo anacronismo e responsabilidade por maiores custos. A própria Constituição Federal apresenta-se muito problemática e, ocasionalmente, até mesmo antinômica.

Um recente estudo do Banco Mundial – IFC apontou a legislação societária brasileira como a mais burocratizada (15 procedimentos diferentes) e ineficiente do mundo. São necessários 152 dias para a constituição de uma sociedade no Brasil, contra 28 no Chile e quatro nos EUA. O mesmo relatório Banco Mundial – IFC apontou a extrema morosidade relativa do procedimento falimentar no Brasil, de dez anos, quando comparado com a média de 1,8 ano da OCDE e mesmo de dois anos no México.

Contudo, o número de áreas críticas no ordenamento jurídico brasileiro é muito mais amplo do que ambos os estudos supra referidos indicam. Um exemplo é o tratamento jurídico dos contratos no novo Código Civil, um retrocesso palpável que lança grande imprevisibilidade e instabilidade no mundo dos negócios. Da mesma maneira, o mal funcionamento do Judiciário, que é em parte resultado da crise legislativa, agrava um quadro já nada animador.

Concluindo, o Brasil somente poderá ser competitivo na atração de investimentos diretos de capital estrangeiro de qualidade, aqueles destinados à produção de bens e serviços destinados à exportação e que, por conseguinte, têm um grande impacto no desenvolvimento social, com a geração de empregos, e econômico, com aumento da renda, quando concluir amplas e profundas reformas horizontais no seu ordenamento jurídico.