A crise financeira e o novo protecionismo

Publicado na Coluna Semanal do Dr. Noronha a convite do sítio “Última Instância – Revista Jurídica”, São Paulo, Brasil, 19 de novembro de 2008.

Beijing – A crise financeira que se abateu inicialmente sobre os Estados Unidos da América, há dois meses, propagou-se internacionalmente e, previsivelmente, agora passou a afetar de maneira negativa também a economia real nos quatro cantos do mundo. Alguns países, como os EUA e o Reino Unido, mais dependentes do artificialismo do mercado de serviços financeiros, sentirão mais profundamente os efeitos macroeconômicos da crise.

Se as primeiras reações dos governos dos países desenvolvidos, ainda que isoladas, foram no sentido de proteger os respectivos mercados financeiros mediante ações contrárias à doutrina de economia de mercado, como estatização de bancos, compra de suas respectivas ações ou ativos, ou ainda subsídios a fundo perdido, a extensão da crise às economias reais trará o recurso a medidas protecionistas.

De fato, os EUA apressaram-se em desembolsar mais de US$ 1 trilhão em fundos para o seu sistema financeiro. Por sua vez, o Reino Unido anunciou um pacote de US$ 750 bilhões para o seu setor bancário. A Alemanha reagiu com um volume de US$ 600 bilhões, dos quais US$ 500 bilhões em garantias e empréstimos para liquidez e US$ 100 bilhões para a recapitalização bancária. De seu lado, a França anunciou medidas semelhantes às da Alemanha, num volume de aproximadamente US$ 450 bilhões.

Contudo, já se constatam movimentos concretos no terreno espinhoso dos subsídios às atividades industriais, em violação às normas do sistema multilateral da OMC (Organização Mundial do Comércio) e, mais especialmente, do Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias, o que poderá desencadear uma grande guerra comercial de subsídios, de um lado, e de medidas internas de protecionismo comercial, de outro.

Assim, nos recentes pacotes de medidas destinadas ostensivamente a combater os efeitos da crise, nos valores de US$ 586 bilhões e US$ 29,3 bilhões, a República Popular da China inseriu, no segundo deles, medidas de majoração de restituições fiscais em 3.770 produtos, ou nada menos que 28% da pauta de exportação do país oriental. Esta segunda medida, da semana passada, vem somar às do mês passado, que já tinham aumentado os benefícios fiscais para 25% das exportações chinesas.

É certo que o maior volume de recursos do pacote chinês é dedicado a obras de infra-estrutura, dentre as quais se situam desembolsos de aproximadamente US$ 130 bilhões para o setor imobiliário; US$ 50 bilhões para o setor de energia; US$ 110 bilhões para rodovias; US$ 100 bilhões para ferrovias. Assim, denota-se com grande clareza que os estrategistas macroeconômicos chineses privilegiaram a manutenção do desenvolvimento do setor interno do país. Essa opção fica ainda mais clara com as renúncias fiscais de aproximadamente US$ 18 bilhões, como resultado de reforma a racionalizar o imposto de valor agregado na China a partir de janeiro de 2009.

Tal conjunto de medidas levou o primeiro ministro chinês, Wen Jiabao, a declarar que a maior contribuição da China ao mundo em crise seria a manutenção do seu crescimento econômico e o seu pacote conjuntural. Trata-se de uma meia-verdade. Se, por um lado, as ações voltadas ao crescimento interno chinês irão beneficiar o próprio país ao mesmo tempo que os seus fornecedores externos, as medidas de subsídios ao comércio exterior chinês poderão deflagrar uma guerra comercial com efeitos nefastos.

De fato, os EUA, grandes adeptos do jogo de cartas marcadas do comércio internacional, esperam apenas a posse da nova administração Obama para implementar um já anunciado conjunto de ações concretas de subsídios à indústria local, inclusive ao combalido setor automotivo americano. A UE, por sua vez, não hesitará, como é de seu costume, em seguir o exemplo dos EUA. Outros países farão o mesmo e o comércio internacional entrará em crise.