A falta de transparência na OMC

Publicado na Coluna Semanal do Dr. Noronha a convite do sítio “Última Instância – Revista Jurídica”, São Paulo, Brasil, 20 de abril de 2005.

SÃO PAULO – Na semana passada, o Brasil retirou o nome do embaixador Seixas Corrêa do posto de diretor-geral da OMC (Organização Mundial do Comércio) por ter sido colocado em quarto lugar nas sondagens realizadas dentro do apósito processo idiossincrático conduzido no âmbito daquele organismo multilateral. O pouco apoio recebido pelo diplomata brasileiro não chegou a ser uma surpresa, tanto por sua reduzida projeção pessoal no âmbito internacional, como pelo caráter tardio da apresentação de sua candidatura.

De fato, o nome de Seixas Corrêa foi sugerido principalmente para inviabilizar a candidatura do diplomata uruguaio, Perez Del Castillo, percebido corretamente pelo Itamaraty como um agente dos interesses hegemônicos dos Estados Unidos da América, país que tem apurada experiência em viabilizar a nomeação de vaidosos embaixadores de países em desenvolvimento para postos multilaterais, desde que sirvam sua agenda.

O inusitado da questão pode ser observado que, pela primeira vez, o governo brasileiro, na pessoa de seu chanceler, embaixador Celso Amorim, denunciou publicamente a notória falta de transparência na OMC. Conforme eu já venho observando há anos em muitas de minhas obras, mas notadamente em Arbitration in the World Trade Organization, a obsessão pela confidencialidade, requisito natural da manipulação da atividade diplomática pelas potências hegemônicas, resulta numa enorme falta de transparência.

Por sua vez, essa traz três ordens de problemas. O primeiro é o que permite que a ação do organismo multilateral seja determinada pelas potências hegemônicas, notadamente os EUA, mas também a União Européia. O segundo é que a falta de transparência nas relações dos Estados membros no âmbito da OMC impede o controle democrático doméstico das ações dos governos. O terceiro é que o caráter sub rosa, confidencial, da operação da OMC impede que os seus desmandos, arbitrariedades e injustiças sejam apresentados ao foro da opinião pública internacional.

O caso denunciado pelo chanceler brasileiro cai na terceira categoria. Muito mais grave, porém, é a manipulação do sistema de resolução de disputas da OMC por um secretariado dominado por países com afinidade cultural e inspiração hegemônica. Conforme denunciei em meu livro supracitado, a divisão jurídica do secretariado da OMC tem, na realidade, imposto suas posições aos árbitros do organismo. Mais ainda, seus agentes procuram criar, contrariamente o que permite o direito internacional, obrigações erga omnes decorrentes de tais julgados espúrios. Tais decisões freqüentemente procuram derrogar direitos conferidos a países em desenvolvimento por outros tratados internacionais, alguns dos quais de maior hierarquia do que aqueles do sistema multilateral de comércio.

Mas não é apenas a divisão jurídica que é controlada pelos países hegemônicos e seus clientes. Toda a composição do secretariado leva a tal conclusão. De fato, dos 601 membros do secretariado da OMC, a União Européia tem nada menos do que 360 nacionais. Outros países desenvolvidos como os EUA, Japão, Noruega, Canadá e Suíça têm 95 funcionários. Por sua vez, a África tem 26 funcionários; a Ásia, sem o Japão, 41; a América Latina 55; a Australásia, 16; e outros países, oito. O Brasil tem apenas seis cidadãos dentre o secretariado da OMC.

Com mais de dois terços dos quadros do secretariado da OMC e mais as posições de maior relevo e responsabilidade, fica fácil para os países desenvolvidos imprimirem a agenda do organismo. Dessa maneira, a transparência realmente não interessa aos poderes imperiais! Espera-se que o Brasil, a partir da manifestação de seu chanceler, passe a combater a falta de transparência da OMC em todas as suas manifestações e não apenas na questão da eleição de seu diretor-geral.