Publicado no jornal Diário da Região, São José do Rio Preto, SP, 01 de agosto de 2023.
A independência das cortes constitucionais, em nosso caso o Supremo Tribunal Federal (STJ), enfrenta até hoje diversos desafios mundo afora. Frequentemente, a propaganda dos Estados imperialistas apresenta o próprio ordenamento jurídico interno como “democrático”, em contrapartida àquele dos seus adversários, que seria “ditatorial”. Hoje, os inesgotáveis recursos da mediocridade expressa na mídia social encarregam-se de disseminar tal dicotomia fantasiosa. Assim, a propaganda falaciosa e mendaz adquire foros de verossimilhança no fértil terreno da ignorância, adubado pela má-fé.
Poucos sabem, todavia, que na alardeada “democracia” inglesa, o Judiciário não pode rever atos do Parlamento. Ademais, ali não é reconhecido a divisão dos poderes, já que o Legislativo nomeia o Executivo, que por sua vez nomeia o Judiciário. Acrescente-se que a Constituição inglesa não é escrita, faltando-lhe a legitimidade popular, já que assentada em padrões e valores pouco transparentes, afirmados pelos preconceitos de classe sedimentados há séculos. Como resultado, o povo desconhece quais sejam os seus direitos constitucionais, o que limita o seu acesso à prestação jurisdicional do Estado.
Nos EUA, os juízes da Corte Suprema são indicados por preferências partidárias, pelos presidentes, às quais são eles fiéis, mais do que ao Direito e às próprias consciências. Um caso típico foi a eleição de George W. Bush a presidente, perdida pelo voto popular a Al Gore, conforme decisão altamente questionável da Corte Suprema. De fato, no caso Bush v Gore, 531 U.S. 98 (2000), os juízes decidiram em linhas conforme os interesses do partido que os nomearam. Note-se ainda que a Constituição dos EUA, outorgada por uma minoria da população, em 1789, quando havia a escravidão no país, emendada através de atos do Legislativo e interpretada pelo Judiciário, é arcana e opaca.
Por sua vez, a Constituição do Japão foi imposta pelas forças americanas de ocupação, no momento de maior miséria da história do país, com fome generalizada, 70 mil mulheres forçadas à prostituição e durante os trabalhos dos Tribunais de Tóquio. Recentemente, a maioria legislativa de Israel, um Estado sob o regime de um governo fascista, acusado de crimes contra a Humanidade, sujeitou as decisões de sua corte constitucional a decisões do Parlamento. Durante o governo Bolsonaro, no Brasil cogitou-se limitar o alcance das decisões do STF.
Por outro lado, as constituições com maior substância democrática são as que tiveram origem nas aspirações populares e cujos valores consensuais são claramente expressos em seus textos. Este foi o caso, dentre outras, da Constituição italiana de 1946, obra consensual guiada por Palmiro Togliatti, que declarou não haver contradição entre a democracia e o socialismo. Também a Constituição da Índia, de 1947, com o inspirador preâmbulo de Jawarhalal Nehru, refletiu os anseios da grande nação que se livrava do imperialismo.
A Constituição Portuguesa de 1976 traz um preâmbulo que reflete os debates para a sua formatação, nos quais afirmou-se a necessidade de elevada consciência política no uso da liberdade, nas palavras de Álvaro Cunhal. Por sua vez, a Constituição da África do Sul de 1996 tem uma enorme legitimidade popular e valor didático. Seu preâmbulo lembra que “os valores do liberalismo individual do passado foram sistematicamente negados à maioria da população”.