A Índia e a questão dos subsídios ao algodão

Publicado na Coluna Semanal do Dr. Noronha a convite do sítio “Última Instância – Revista Jurídica”, São Paulo, Brasil, 24 de janeiro de 2007.

São Paulo – É já amplamente sabido que os subsídios agrícolas mantidos pelos Estados Unidos da América (EUA) promovem a miséria e a desesperança numa escala global.

Diversos desses subsídios foram recentemente julgados inconsistentes com a ordem jurídica multilateral da Organização Mundial do Comércio (OMC), numa arbitragem requerida pelo Brasil, conforme já comentei nessa coluna, tempos atrás, em A questão do algodão e o regime das sanções na OMC (clique “aqui” para ler a coluna).

São particularmente devastadores os mecanismos de garantia de preço mínimo aos produtores americanos, que asseguram o recebimento de um valor fixo, independentemente do preço praticado de exportação.

Essa modalidade de subsídio permite que se leve a efeito a prática desleal do comércio conhecida por dumping, com proteção financeira dada pelo governo dos EUA.

Assim, reconhece-se que as vendas internacionais dos agentes econômicos dos EUA deprimem os preços domésticos e alienam, até mesmo dos seus próprios mercados internos, os produtores dos demais países, geralmente economias em desenvolvimento.

Recentemente, no entanto, a questão atingiu um patamar de inédita dramaticidade com o suicídio de 1.200 produtores de algodão da região de Wardha, na Índia, no período de 18 meses.

Tais infelizes, produtores em minifúndios, recorreram a empréstimos fornecidos por agentes financeiros privados, agiotas, diante da freqüente dificuldade de acesso aos mercados bancários voluntários oficiais, comuns em países em desenvolvimento aos vastos contingentes de alienados.

Devido aos altos custos financeiros, tais produtores ficam particularmente vulneráveis a quaisquer oscilações de preços nos mercados internacionais, como mesmo até aos eventos de causa maior.

Nesse infausto acontecimento, os agricultores indianos foram penalizados pelo aumento no preço do combustível, pela baixa produtividade das sementes geneticamente modificadas e pelos baixos preços da mercadoria agrícola nos mercados internacionais, induzidos pela política escandalosa aplicada pelos EUA.

Enquanto os miseráveis agricultores eram levados à loucura do suicídio, pelo desespero, a indústria têxtil indiana desgraçadamente apoiou as importações subsidiadas da matéria prima, e portanto mais baratas, dos EUA.

Essa atitude não é, infelizmente, isolada. Até mesmo no Brasil, tal posição já se manifestou.

A consolidação da moralidade e da justiça no comércio internacional, inclusive na área do algodão, requer um esforço tanto coletivo como solidário das forças sociais e produtivas, para eliminar as práticas ilegais e devastadoras, como essa dos subsídios praticados pelos EUA.

Nesse momento de vergonha para a Humanidade, nosso pensamento é dirigido às famílias daqueles 1.200 desaparecidos, vítimas da absoluta insensibilidade e desmedida ganância.