A Organização Mundial do Comércio e a Governabilidade Global

Texto básico da aula magna, proferida por ocasião da cerimônia de início do curso de pós-graduação de relações internacionais da Faculdade de Direito da UNISA, São Paulo, Brasil, em 29 de fevereiro de 2000.

Agradeço ao Prof. Dr. Luis Antonio Bove, Diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Santo Amaro e à Professora Nanci Valladares, coordenadora do Curso de Política Internacional, o amável e honroso convite para proferir uma Aula Magna sobre o tema “A OMC e a Governabilidade Global”. Dividi minha apresentação de forma a discorrer sobre os seguintes tópicos:

a) A assinatura do GATT e seu contexto histórico;
b) A experiência do GATT e suas rodadas;
c) A Rodada Uruguai, o colapso da URSS, a globalização e a criação da OMC;
d) A experiência da OMC e a tentativa de lançamento da Rodada do Milênio;
e) A OMC não é governo, mas tem sido usada como instrumento de políticas hegemônicas de comércio; e
f) Conclusão: A OMC e o futuro.

O Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) foi assinado em 1947 originalmente por 23 países, incluindo o Brasil, e fez parte dos acordos internacionais assinados ao final da segunda grande guerra visando a criação de uma nova ordem mundial. Até então, nunca tinha-se verificado, na história moderna, uma tal hegemonia de um país sobre os demais que se permitisse uma imposição de diversos sistemas de direito internacional por um estado aos outros. As condições particulares do final do conflito, em que o mundo achava-se em grande parte destruído, permitiram aos Estados Unidos da América (EUA) que impusessem um regime jurídico comercial internacional, com alguma contribuição ideológica do Reino Unido.

O objetivo jurídico do GATT foi o de estabelecer uma ordem jurídica para o comércio internacional de mercadorias. O objetivo dos negociadores dos EUA era no sentido de que esta ordem jurídica beneficiasse-os a curto prazo e que, potencialmente, não prejudicasse de forma significativa seus interesses econômicos, a médio e a longo prazo. Desta forma, prevendo a probabilidade, em um futuro próximo, do aumento da competitividade no setor agrícola, como parte da reconstrução mundial, o segmento foi excluído do sistema multilateral do GATT, apesar de representar a atividade humana econômica mais tradicional e de ser aquela de maior importância para os países em desenvolvimento. Este revés representou a primeira derrota do Brasil no sistema multilateral de comércio, já que tinha sido a única reivindicação levada pelos negociadores brasileiros.

O sistema multilateral de comércio foi baseado no pilar do princípio da cláusula da nação mais favorecida, segundo o qual uma concessão a um país é automaticamente aplicável a todos os países signatários do tratado. Este princípio basilar evitaria as iniqüidades do comércio favorecido e promoveria a liberalização generalizada das trocas e, por conseguinte, a prosperidade geral. O princípio, no entanto, não é absoluto e admite diversas exceções, inclusive aquela consagrada no artigo 24 do GATT, que permite a formação de zonas de livre comércio, mercados comuns e uniões aduaneiras.

Na prática, contudo, o GATT demonstrou-se um jogo de cartas marcadas onde, sob o diáfano verniz da pretensa juridicidade, escondia-se um sistema criado para promover a hegemonia e a prosperidade de uns poucos às expensas de muitos. O sistema do GATT

funcionava na base do consenso, que foi a forma encontrada pelos EUA de manter o seu poder de veto às alterações pretendidas à estrutura erigida sob sua inspiração e vontade. Todas as alterações às regras originais, bem como a criação de novas, eram dependentes do sistema de rodadas de negociações, mediante o qual representantes dos países signatários buscavam o consenso a respeito das matérias tratadas. As cinco primeiras rodadas do GATT foram iniciadas sob a inspiração e iniciativa dos EUA. As mudanças obtidas o eram freqüentemente como resultado de pressões políticas e econômicas daquele país1.

Enquanto todos os países signatários colocavam o ordenamento jurídico do GATT acima de suas legislações nacionais, os EUA faziam o contrário, de tal maneira a permitir que seu ordenamento jurídico interno tivesse medidas que neutralizassem seus compromissos multilaterais2. Essa idiossincrasia permitiu que os EUA mantivessem normas internas contrárias aos seus compromissos internacionais no GATT, como na área “antidumping”. Desta forma, enquanto os EUA podiam exercer os direitos decorrentes do GATT contra os seus parceiros comerciais, a recíproca não era necessariamente verdadeira.

Muito embora os EUA tivessem uma estrutura jurídica e uma situação econômica a lhes permitir um abuso devastador na ordem internacional, há de se ressaltar que, na prática, os países em desenvolvimento foram mantidos numa situação que os mantinha na zona limítrofe superior da miséria absoluta. Tal ocorreu , não por decorrência de posicionamentos altruístico ou eqüitativos, mas ao contrário, como corolário da guerra fria, que antagonizava o sistema capitalista ao sistema comunista. A mesma equação permitiu, e até encorajou, o desenvolvimento econômico nos aliados estratégicos dos EUA, para que pudessem juntar forças na oposição aos rivais comunistas. Como corolário deste estado de coisas, deu-se a recuperação econômica do Japão e da Europa. Os países menos desenvolvidos, no entanto, ficaram relegados à miséria absoluta e, por decorrência, tornaram-se joguetes no mundo bi-polarizado.

Todavia, a guerra fria não impediu que as regras do sistema multilateral de comércio continuassem não eqüitativas e prejudiciais aos demais países, inclusive aos aliados estratégicos dos EUA. Como decorrência, em meados da década de 80, o Japão, uma das maiores vítimas das arbitrariedades institucionais dos EUA em matéria comercial, tomou a iniciativa de requerer o início de uma nova rodada de negociações do GATT. Era a primeira vez que um país outro que os EUA tomava a iniciativa de fazê-lo. Ao contrário de oporem-se à iniciativa, os hábeis estrategistas dos EUA cooptaram-na, para melhor servir aos seus interesses. Pretendia o Japão uma maior segurança jurídica no sistema multilateral, para evitar os abusos dos quais era vítima. Os EUA prontamente sugeriram a expansão do campo de abrangência do GATT para a inclusão das áreas novas como serviços, investimentos e propriedade intelectual. Os EUA haviam se apercebido que a dinâmica econômica mundial era tal que havia chegado o momento da convergência de interesses entre os países desenvolvidos, para melhor exploração do potencial dos países em desenvolvimento. A então Comunidade Econômica Européia3 (CEE) estava de pleno acordo.

A questão da cooperação entre as potências para a exploração dos países menos desenvolvidos não era nova, nem no aspecto prático, nem tampouco sob o prisma teórico. Já em meados do século 19, por exemplo, o Império Britânico, EUA, França e Holanda tinham colaborado ativamente no contrabando de heroina para a China4, de tal forma a criar naquele país um produto de consumo que devesse ser necessariamente adquirido do exterior, com o objetivo de eliminar os saldos comerciais chineses. Na ocasião, os EUA aproveitaram-se da política exterior inglesa e chegaram a ter cerca de 10% do comércio da droga maldita para a China5. Para os sagazes estrategistas ingleses, como Benjamim Disraeli, não escapou a constatação de que a expansão das relações comerciais britânicas dependia de uma política de acerto com outras potências6.

Para a surpresa de todos os envolvidos, a cooperação das grandes potências na Rodada Uruguai sofreu uma tanto inesperada como bem sucedida oposição dos países em desenvolvimento que, pela primeira vez, recusaram-se a aceitar o regime expoliativo proposto. Liderados pela Índia e pelo Brasil, no chamado Grupo dos Onze, tais países foram contrários à inclusão das chamadas áreas novas sem que seus setores de maior competitividade relativa no comércio internacional, o agrícola e o têxtil, fossem incluídos no sistema. Instaurou-se imediatamente grande acrimônia no GATT. As relações entre países desenvolvidos e em desenvolvimento tornaram-se não somente álgidas, mas também acerbas. Os EUA, na administração Reagan, lançaram uma campanha de desestabilização do Brasil7, muito vulnerável na reconstrução democrática iniciada no governo Sarney, visando sua exclusão das fontes de financiamento das agências multilaterais de crédito, bem como adotando uma política de juros predatória destinada a arruinar a economia brasileira, numa medida comercial inequivocamente característica de estado de guerra.

No decorrer do impasse, deu-se a queda do muro de Berlim e ocorreu o colapso da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) que havia induzido um certo sentido de parcimônia e comedimento aos EUA, em suas relações com o resto do mundo, em geral, e com os países em desenvolvimento, em particular. A mudança da situação geo-política global levou à cessação das resistências às pretensões dos EUA e seus aliados por parte dos países em desenvolvimento, muitos dos quais apressaram-se a ceder às exigências formuladas, sem ao menos negociar as contrapartidas dentro do quadro de negociações da Rodada Uruguai, como foi o caso de Argentina e Brasil. Restou aos países em desenvolvimento lutar pela maior juridicidade do sistema multilateral de comércio e aceitar o compromisso de inclusão efetiva das áreas agrícola e têxtil após um período de desgravação. Já ao cabo da Rodada, o próprio Banco Mundial e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) apontavam os países em desenvolvimento como perdedores da ronda de negociações.

Com a assinatura dos Tratados da Rodada Uruguai, em 1994, foi criada a Organização Mundial do Comércio (OMC), que passou a vigorar a partir de 1995,

coexistindo com o tratado do GATT8. Na ocasião, alardeou-se com gravibundez que uma nova era de prosperidade mundial tinha sido iniciada. Em todo o mundo em desenvolvimento, inclusive no Brasil e na Índia, manifestações houve de importantes lideranças políticas no sentido de que muito se esperava da nova ordem multilateral de comércio. Ocorre que a fase final das negociações da Rodada Uruguai foi marcada por uma grande omissão dos países em desenvolvimento, o que permitiu às principais potências adequar o sistema às suas vontades, culturas e preferências idiossincráticas. Isto sucedeu-se inclusive no sistema de resolução de disputas, depositário de todas as esperanças do fim do arbítrio e da iniqüidade no sistema multilateral de comércio. Assegurado o domínio do sistema, foi ele utilizado no sentido de extração de vantagens nacionais ou setoriais, em detrimento do interesse coletivo.

De fato, nos cinco anos subseqüentes à fundação da OMC, in 1995, a prosperidade mundial esteve, mais do que nunca, circunscrita aos países desenvolvidos, particularmente os EUA e a União Européia (UE). Contemporaneamente, os países em desenvolvimento foram vítimas de uma enorme crise de volatilidade financeira internacional; diminuição de exportações; dramática redução dos preços de suas mercadorias agrícolas e demais produtos básicos; crises econômicas; e generalizada desesperança. De acordo com números da OMC, tanto a Ásia como a América Latina tiveram um pior desempenho no comércio de mercadorias nos quatro anos subsequentes a 1995 do que no período precedente.9 Preços de mercadorias agrícolas caíram consistentemente no período, sendo que mais de 30% somente após 1998.10 De acordo com a OMC, a África e a América Latina dependem em 19% e 36% do setor agrícola em suas exportações11.

As crises econômicas foram seguidas por instabilidade social e política em grandes partes do mundo. Na Rússia, o escambo tornou-se o principal meio de troca. Na África, a situação continua dramática e mesmo as experiências bem-sucedidas, como é o caso da África do Sul, deixaram de ter o apoio de maior acesso de seus produtos aos mercados internacionais. O quadro institucional na América Latina é grave, com movimentos de

insurgência armada no México, Peru, Colômbia, Equador e, até certo ponto, no Brasil. O Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), uma meritória iniciativa, está naufragando do ponto de vista comercial, relegado a uma triste situação de trocas administradas, em vista das enormes dificuldades institucionais internas de seus principais parceiros, Argentina e Brasil. A crise afetou até economias desenvolvidas, como a japonesa. Ainda na Ásia, Filipinas, Tailândia, Indonésia e Malásia, todos tiveram dramáticos problemas econômicos. A Índia, o mais populoso dentre os 135 membros da OMC, deixou de ter qualquer benefício digno de nota como resultado do novo sistema multilateral de comércio.

Assim, sob a perspectiva dos países em desenvolvimento, a experiência da OMC não foi positiva. De fato, as modestas concessões havidas nas áreas agrícola e têxtil, durante a Rodada Uruguai, não foram suficientes para assegurar sua competitividade natural, já que cuidadosamente feitas para manter as vantagens dos países desenvolvidos. A inclusão das novas áreas no sistema multilateral de comércio permitiu aos países desenvolvidos acesso aos mercados dos países em desenvolvimento, mas não permitiu a estes acesso aos mercados daqueles, fechados por medidas horizontais. O Acordo sobre Medidas de Investimentos relacionadas com o Comércio (TRIMS) deixou de tratar da escandalosa cumplicidade dos países desenvolvidos com a questão das fraudes fiscais e da fuga de capitais nos países em desenvolvimento. O Acordo Antidumping, sopitado e pusilânime, permitiu aos EUA a manutenção de sua legislação doméstica acintosa à eqüidade e aos mais comezinhos princípios de direito internacional.

Por sua vez, o Acordo sobre Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (TRIPS) subordinou as autoridades nacionais dos países em desenvolvimento àquelas dos países desenvolvidos por meios do conceito da proteção “pipeline”. O Acordo sobre Regras de Origem permite o protecionismo institucionalizado nas áreas de livre comércio e seu uso para desviar as correntes tradicionais de comércio, como é o caso no Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), onde se verificou o aumento da dependência comercial do México aos EUA e um devastador efeito na área do Caribe. O Acordo sobre Subsídios não é justo nem eqüitativo aos países em desenvolvimento, colocando Índia, África do Sul e Brasil no mesmo nível de países como

a Suíça e França. De mais a mais, práticas altamente danosas aos países em desenvolvimento como o dumping financeiro e tecnológico, largamente utilizadas para assegurar domínio de mercado, não foram contempladas12.

Até mesmo o sistema de resolução de disputas, depositário de tantas esperanças, deixou muitíssimo a desejar nos anos de funcionamento da OMC. Muitos de seus problemas derivam da falta de regras processuais adequadas, que comprometem a eficácia e juridicidade do sistema13. O sistema é falho no tocante a terminologia jurídica apropriada e tragicamente omisso no tocante a certos institutos legais básicos como recovenção e litisconsórcios. A primeira das omissões institucionais implica em que seja instalado um painel de arbitragem para o pedido original e outro para a reconvenção, com árbitros diferentes, embora as partes sejam as mesmas e o objeto conexo, como foi o recente caso do Brasil versus Canadá, na questão da indústria aeronáutica. Essa situação implica na tangível possibilidade que as decisões dos dois, três ou quatro painéis sejam diversas e até contraditórias. Por sua vez, a segunda das omissões pode resultar na formação de díspares painéis, com árbitros diferentes e termos de referência diversos, que pode resultar em diferentes decisões para a mesma questão de direito.

Outra falha do sistema diz respeito à impossibilidade da alegação de preliminares, como por exemplo a questão de conflitos entre tratados, que se tornou relevante em painéis de arbitragem julgando recentes casos de interesse do Brasil e Índia. Da mesma forma, o sistema de resolução de disputas da OMC peca pela falta de transparência. Sua divisão jurídica define os termos de referência, ou o objeto do litígio, e presta assessoria mandatória tanto aos painéis como ao grau de apelação, já que nem um nem outro tem estrutura administrativa própria. A divisão jurídica do secretariado da OMC tem uma composição altamente etnocêntrica, dominada por nacionais das principais potências. A OMC, em flagrante violação dos mais básicos princípios de governança, inclusive daqueles santimonialmente recomendados pela OCDE, tem se recusado, por escrito, a fornecer a nacionalidade dos componentes de sua divisão jurídica, o que compromete de ampla forma sua credibilidade e dos seus serviços.

Tamanho rol de falhas, imperfeições e distorções fez com que o sistema de resolução de disputas da OMC padeça de inúmeras bizarrias e idiossincrasias grotescas, algumas das quais tive oportunidade de elencar em meu mais recente livro. A elas pode-se agora acrescer a decisão do painel no caso dos EUA versus Austrália14 na questão de bancos de couro, onde decidiu-se condenar uma empresa privada, portanto fora da jurisdição da OMC, a devolver subsídios. Sua tonalidade tragicômica seria menos leve se tal sistema não tivesse decidido, em devastadora maioria dos casos, contra os países em desenvolvimento, quando em confronto com os países desenvolvidos.

Dos 31 casos decididos em grau de apelação na OMC15, 18 foram pertinentes a confrontos entre países em desenvolvimento e desenvolvidos. Destes, 13 foram ganhos pelos países desenvolvidos, mais de dois terços, e apenas quatro pelos países em desenvolvimento, dos quais dois com recusa de implementação. O Brasil foi o campeão das derrotas, tendo sucumbido em quatro dos cinco painéis em que esteve diretamente envolvido contra países desenvolvidos, seguido pela Índia com três derrotas e nenhuma vitória; Coréia com duas derrotas e uma vitória; e Argentina com duas derrotas e nenhuma vitória. De mais a mais, algumas dessas derrotas representam tentativas institucionais de mudança dos tratados em detrimento da ordem jurídica e dos interesses dos países em desenvolvimento16.

Todas essas falhas e omissões, para além da crise econômica sustentada pela maior parte dos habitantes do globo, não foram suficientes para uma correção de rumos da OMC dentro dos mecanismos de revisão já apositamente previstos nos tratados da Rodada Uruguai. Pretenderam a UE e os EUA, através do lançamento de uma nova ronda de negociações do sistema multilateral, que se pretendeu chamar Rodada Clinton (sic) ou Rodada do Milênio. Nesta nova ronda, objetivava-se a ampliação das vantagens dos países desenvolvidos. Este escandaloso desígnio implicou na generalizada perda de credibilidade da OMC perante a opinião pública internacional, formada, em sua vasta maioria, pelos desempregados, miseráveis e, de outra forma, excluídos da afluência artificialmente induzida em uns poucos países.

O Chanceler da Argentina, Sr. Adalberto Rodrigues Giavirini, resumiu bem a posição de todos os países em desenvolvimento em recentes declarações: “Fizemos um grande esforço para chegar à globalização. Tivemos uma série de sacrifícios com a privatização, a abertura econômica, e isso não resultou no que disseram que ia resultar. Nosso desemprego é alto, nossa exclusão do comércio é muito forte, nossa taxa de crescimento diminuiu muito devido aos subsídios agrícolas dos países desenvolvidos.”17

Dentro deste triste quadro, é muito importante que a OMC não seja o governo mundial de acordo com os tratados de regência. Recentemente, o diretor-geral da OMC, Sr. Mike Moore, de credibilidade um tanto quanto abalada pelo seu processo de eleição e por suas posições no tocante à instalação daquilo que seria a rodada do milênio, declarou que “a OMC não é o governo supra-nacional e não se tem a intenção que o seja”18. Não obstante tal declaração, resulta claro que as principais potências procuram utilizar a OMC como canal de aplicação globalizada de seus padrões, critérios, regras e valores, de modo a assegurar sua maior competitividade comercial. Esses critérios são evidentemente subjetivos, interesseiros e até, freqüentemente, hegemônicos. Buscam igualmente tais países um mecanismo de sanção, dotado de certa juridicidade, ainda que especiosa e, às vezes bizarra, para impor sua vontade a terceiros.

Como os EUA não abrem mão do poder de veto, não se pode cogitar da mudança do sistema consensual de decisão, que implica na unanimidade, como já vimos no início da apresentação. Assim, gradualmente, procura-se por ora, na medida do possível, e até certo ponto, deslocar gradualmente o poder de mando para o sistema de resolução de disputas, controlado pelos países em desenvolvimento e com a transparência do rio Tietê. Todavia, esta é uma questão que depende de um novo tratado19. É de se notar que as falhas de governança da OMC, a começar pela falta de transparência, tem um efeito multiplicador nos estados membros, já que impede, em grande medida, o controle democrático das ações de seus representantes.

Por último, não se deve jamais esquecer que a OMC, assim como o GATT, deve ser utilizada para promover a generalizada prosperidade de todos os povos, e não de

apenas uns poucos privilegiados. É neste objetivo que está o valor de seu conceito e seu potencial de benefícios. O sistema deve permitir e promover a partilha da prosperidade mundial, sem o que ele não será mais do que um substituto eficaz das canhoneiras.