A Questão dos Acionistas Minoritários no Direito Comparado

Palestra proferida na ABAMEC (Associação Brasileira dos Analistas do Mercado de Capitais), São Paulo, Brasil, 15 de junho de 1999.

Dividi a apresentação de hoje da seguinte forma:

1) Os Minoritários e a Globalização;

2) Os Prefencialistas no Direito Comparado; e

3) A Governança Corporativa como Proteção dos Minoritários.

1. OS MINORITÁRIOS E A GLOBALIZAÇÃO

1.1. A exposição da economia brasileira à competição internacional, ocorrida a partir do governo Collor, trouxe como um corolário necessário a crescente migração de capitais brasileiros para outras moedas mais confiáveis do que as de curso forçado no País, no correr dos anos. Estima-se hoje um estoque não inferior a US$ 80 bilhões mantidos por nacionais brasileiros, pessoas físicas e jurídicas, em moeda de terceiros países, junto ao sistema financeiro internacional. Este estoque, em sua grande parte, não é declarado às autoridades monetárias e fiscais brasileiras e, quando aparece nas relações jurídicas com o Brasil, tem ou a roupagem de empresas de paraísos fiscal; aquela de fundos internacionais não-residentes; ou mesmo, de forma crescente, a de empresas sediadas em países de jurisdição de tributação normal.

1.2. Tais capitais fazem com que alguns dos maiores investidores no Brasil sejam jurisdições de paraísos fiscais, como o Panamá; as Ilhas Virgens Britânicas; as Bahamas; as Antilhas Holandesas, etc. Semelhantemente, os fundos estrangeiros que operam como investidores nos mercados financeiros brasileiros são, em sua grande parte, capitalizados por recursos monetários brasileiros internacionalizados. Freqüentemente, são tais investidores, muito bem informados, que estabelecem as tendências de mercado, tando no ingresso, como na saída. Este quadro alterou dramaticamente a questão das relações societárias no Brasil.

1.3. De fato, a migração dos capitais brasileiros tornou possível aos investidores, empresários e agentes financeiros, considerar um menu de opções de sistemas legais para seus negócios com o Brasil. Para se constituir uma sociedade controladora regulando as relações entre maioria e minoria, ainda que de partes brasileiras, não mais se precisa de uma sociedade anônima nacional. Dependendo do caso, uma “Delaware corporation” ou uma “English company” podem ser utilizadas com vantagens.

1.4. Da mesma forma, a abertura do capital de uma empresa para a captação de recursos de capitais brasileiros não mais precisa ser feita no Brasil. Numerosas outras estruturas podem ser igualmente montadas no exterior, como nos Estados Unidos da América (EUA); Canadá e Inglaterra, para posterior investimento no Brasil. Tais montagens deslocam o foco das complexas relações entre acionistas para jurisdições de maior sofisticação, onde não só a lei como a prestação jurisdicional do estado são mais confiáveis. Pois é, no mundo da globalização, também os sistemas legislativos e os poderes judiciários competem na atração dos capitais. Os atos e negócios societários e financeiros representam uma significativa atividade empresarial agregada na área de serviços, que hoje representa cerca de 68% da economia dos EUA.

1.5. Comparativamente a outros centros, a legislação societária brasileira de regência apresenta-se pouco competitiva. É sabido que a profissão de copista desapareceu em todo o mundo, menos no Brasil, onde as atas das sociedades anônimas ainda deve ser copiadas em livros medievais. O sistema do registro do comércio é primitivo, oneroso e ineficiente. As leis não protegem adequadamente as minorias e são modificadas casuísticamente pelos governos, nem sempre no interesse geral. Institutos legais da maior importância, como a “ação coletiva” e a doutrina “stare decisis” não existem no direito pátrio. A jurisprudência é atabalhoada, já se havendo pronunciado favoravelmente a que a sociedade contrate com a maioria; a que os diretores aprovem suas próprias contas; bem como contrariamente a que os acionistas minoritários preservem o interesse social. Por último, a Secretaria da Receita Federal utiliza-se de medidas burocráticas não transparentes que impedem o arquivamento de atos societários no Registro do Comércio, como meio de induzir os contribuintes a aceitar seus ditames.

1.6. Como vimos, o quadro não se apresenta encorajador para a competitividade internacional do sistema legal brasileiro. Com isso, todos temos a perder. A economia pela queda das atividades no setor de serviços e o governo pela conseqüente queda de arrecadação. No direito comparado, a questão da competitividade dos sistemas legais tornou-se tão importante que, a par da constante revisão legislativa, códigos de conduta conhecidos por governança corporativa tem sido implementados. É mais do que chegada a hora de fazermos o mesmo.

2. Os Prefencialistas no Direito Comparado

2.1. BRASIL

Ações preferenciais ou privilegiadas são as que conferem a seus titulares certos direitos e vantagens de ordem patrimonial, diferentemente das ordinárias (art. 17 da Lei 9.547 de 1997). Esta lei, bem como a anterior, não admite privilégios de ordem pessoal ou política, como ação de voto plural.

Os acima mencionados privilégios patrimoniais ensejam, via de regra, limitações no que respeita ao direito de voto, que pode ser negado quanto a todos ou apenas alguns assuntos de competência da assembléia geral. As ações preferenciais podem ser de diversas classes, conforme os direitos a elas atribuídos que, cumulativa ou alternativamente podem ser representados pela prioridade na distribuição de dividendos e no reembolso do capital, com ou sem prêmio.

Quando se fala em espécies de ações, está-se referindo à natureza dos direitos ou vantagens que as mesmas conferem a seus titulares. A lei vigente não admite outras que não ordinárias, preferenciais ou de fruição.

Cabe aos titulares das ações preferenciais, em geral, o exercício dos direitos essenciais constantes no artigo 109, sem qualquer ressalva ou restrição e, assim, o acesso aos meios, processos ou ações que o regime jurídico brasileiro assegura a todos os acionistas, inclusive o de voto, salvo se tiverem vantagens patrimoniais em termos de dividendos, em face das ordinárias.
As preferências estatutárias outorgadas às ações preferenciais somente podem ser alteradas ou suprimidas com o consentimento dos titulares de mais da metade da classe respectiva, reunidos em assembléia geral especial (artigo 136) podendo os titulares de ações preferenciais dissidentes dessa deliberação exercer o direito de recesso ( art. 137).

A lei vigente assegura aos titulares de ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito, a eleição de um seu representante e suplente no Conselho Fiscal (art. 161).

O estatuto pode subordinar as alterações estatutárias à aprovação dos titulares em assembléia especial de uma ou mais classes de ações preferenciais (art. 18). Pode, ainda, o estatuto assegurar a uma ou mais classes de ações preferenciais o direito de eleger, em separado, um ou mais membros dos órgãos de administração (art. 18).

Em relação à quantidade de ações preferenciais que podem ser emitidas, não há limite, desde que tenham direito de voto. Caso lhe seja válida e eficazmente negada ou restringida tal prerrogativa, seu número não pode ultrapassar 2/3 das ações emitidas. Ou seja, poderão alcançar 66,66% do total das ações em que se divide o capital. Na prática, todavia, mediante o expediente da criação de classes de ações ordinárias pode-se obter o controle com 16.66% mais uma ação representativas do capital social.

2.2. ARGENTINA

O artigo 217 da Ley de Sociedades Comerciales dispõe que as ações preferenciais podem carecer do direito de voto, exceto nas questões descritas no artigo 244 (liquidação, mudança de objeto, etc). Podem, entretanto, participar das assembléias com direito de voz. Terão direito de voto durante o tempo que se encontrarem em mora para receber os benefícios que constituem a sua preferência.

2.3. AUSTRÁLIA

A secção 40 da Companies and Securities (Interpretation and Miscellaneous Provisions) Act 1980 é a referência para as sociedades anônimas. Neste país, a legislação varia de acordo com os estados. Em linhas gerais, se em determinado momento, o capital é dividido em diferentes tipos de ações, os direitos decorrentes delas, independentemente da sociedade estar em liquidação, podem ser modificados através do consentimento escrito de ¾ dos acionistas do tipo de ação em questão ou através de uma special resolution determinada por uma assembléia de acionistas daquele tipo de ações.

2.4. CANADÁ

O Canada Corporations Act no que diz respeito às ações(13. (1)), determina que os estatutos sociais (letters patent) de uma sociedade podem criar ações preferenciais de mais de uma classe, com direitos especiais, restrições, limitações e outras condições. Em relação ao direito de voto (4), as ações de todas as séries de uma mesma classe que possuam direito de voto não podem possuir direito a mais de um voto por ação.

Os estatutos determinam a denominação, direitos, restrições, condições e limitações de cada ação e classes.

No item (17) fica estabelecido que em nenhum caso será permitido que ações de uma classe, com ou sem valor nominal, possam ser emitidas com direito limitado de voto, se isto significar que outras classes de ações possam ter o controle exclusivo da gestão da sociedade através da eleição ou remoção do conselho da diretoria ou através qualquer outro meio. No item seguinte, fica estabelecido que as ações preferenciais com direito especial de voto, se previsto no contrato social, podem exercê-lo na situação especificamente nas situações previstas, onde o controle exclusivo da sociedade é incidental ou contingente a este tipo de ação.

Em meados de 1995, o Toronto Stock Exchange, anunciou a decisão de exigir que as sociedades com ações negociadas nesta bolsa deveriam apresentar com detalhes as particularidades do seu sistema de administração. Caso ele difira materialmente das orientações da bolsa, a sociedade deve explicar como e o porquê. Essa medida foi tomada no sentido de proporcionar maior transparência nas operações de compra e venda de ações. Ë obviamente uma forma de controle externo, só que não estatal.

2.5. ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

Nos EUA, a legislação societária de regência é de competência estadual e não federal. São elas geralmente bastante assemelhadas. Assim, os instrumentos de constituição constituem um contrato entre a sociedade e os acionistas. Da mesma forma, os instrumentos de constituição constituem um contrato entre a sociedade e os acionistas. Assim, a legislação comercial permite expressamente que estes contratos ou estatutos sociais regulem o funcionamento interno das empresas. Em todos os estados é exigido que quando as sociedades dividam seu capital em ações, estas sejam categorizadas em classes. Este contrato social deve incluir as preferências, limitações de direitos de voto, determinar se as limitações são condicionais ou absolutas. Se não estiver disposto de outra forma nas cláusulas, todas as ações têm o mesmo direito. O uso de ações preferenciais sem direito de voto é raso.

Desde que os contratos sociais não firam as provisões do contrato social de cada estado norte-americano, são estas cláusulas que definem e regulam a estrutura e funcionamento interno da sociedade. A legislação dos diferentes estados não especifica qualquer percentual permissível de emissão de ações preferenciais.

Nos EUA, as controvérsias giram em torno dos mecanismos que podem ser utilizados pelos acionistas minoritários contra decisões do conselho de administração. As discussões se voltam para a legalidade destes mecanismos, já que os estatutos dão poderes ao conselho de administração e ao mesmo tempo prevê que os acionistas podem alterar certas cláusulas, em determinadas condições ao contrato social (by-laws). Nas cortes de vários estados esta discussão têm sido travada de forma muito aguerrida. Até que ponto as poison pills ferem ou não o contrato da sociedade, até que ponto é válido desautorizar atos da administração, sobretudo o poder discricionário desta em relação a mudanças radicais numa sociedade.

O contrato social geralmente outorga poderes e responsabilidade aos diretores para administrar os negócios da sociedade, incluindo ofertas de aquisição (takeover bids).

2.6. ESPANHA

Pelo que se tem notícia, o Banco Guipuzcoano foi a primeira entidade a colocar em circulação ações sem direito a voto na Espanha. A operação de transformação de ações ordinárias em ações preferenciais foi decidida na Assembléia Geral do Acionistas do dia 29 de fevereiro de 1992. Esta operação, segundo dados do Banco, teria sido qualificada de pioneira e original na ocasião, recebendo o prêmio da revista “Inversión” como melhor operação financeira do ano de 1992.
Neste caso, as ações preferenciais incorporaram o direito de reconverter-se em ações ordinárias, direito poderá ser exercido nos meses de outubro dos anos 1998 a 2002.

2.7. FINLÂNDIA

A legislação deste país determina que uma sociedade que tenha emitido ações preferenciais deve informar a Bolsa de Valores sobre direito de voto que pode ser exercido por essas ações e o prazo no qual este direito expira. O percentual, máximo ou mínimo, não é determinado pela lei.

2.8. FRANÇA

Neste país, a Loi de Sociétés par Actions, de 24 de julho de 1966, no artigo 269-1, determina que as ações preferenciais não podem representar mais do que ¼ do capital social. Os direitos de votos destes acionistas são similares ao disposto nas legislações já mencionadas. Em quase a totalidade dos casos as preferenciais tem o direito de voto.

2.9. ITÁLIA

As ações preferenciais podem ter direito de voto limitado, ou seja, apenas nas assembléias extraordinárias, se previsto no ato constitutivo das sociedades. Entretanto, essas ações não podem superar os 50% do capital social. O artigo 2351 do Código Civil Italiano assim o dispõe, além de vedar a emissão de ações com voto plural.

2.10. JAPÃO

O Código Comercial japonês limita as ações emitidas sem direito a voto ao percentual de ¼ do total.. Houve alterações em 1994 e 1997 com o objetivo de facilitar a emissão de ações preferenciais pelas sociedades. Assim, esta poderia fazê-lo através de simples decisão do Conselho de Administração. O regime do Código determina que cada vez que a sociedade queira emitir ações sem direito de voto, deve mudar as cláusulas dos seus Estatutos, alterando o número das ações preferenciais, o valor e o percentual do lucro por ação. Para fazer isto, é necessária a realização de uma assembléia geral. Segundo a proposta ministerial, o contrato social determinaria apenas o teto deste tipo de ação e os outros detalhes poderiam ser decididos pelo Conselho de Administração.

2.11. KAZAQUISTÃO

De acordo com a Resolução 701 de 13 de novembro de 1991, as ações preferenciais não podem ser emitidas num montante que exceda os 10% do capital da sociedade.

2.12. MÉXICO

De acordo com o disposto no artigo 113 da Ley de Sociedades Mercantiles, cada ação tem direito a um voto. Mas no contrato social pode pactuar-se que uma parte das ações tenha este direito somente nas assembléias gerais extraordinárias quando o assunto em pauta forem aqueles específicos da própria natureza e existência da sociedade. A lei não fixa o percentual das “acciones preferentes”.

2.13. PAÍSES BAIXOS

A sociedade anônima holandesa é conhecida por N.V.. Ressalte-se que ações sem direito à voto não são permitidas neste país. O direito de voto é, em princípio, proporcional ao valor nominal das ações. De acordo com as provisões detalhadas pela legislação, o contrato social pode reduzir o poder de voto do acionista, através de parâmetros não discriminatórios, como por exemplo, 6 votos para cada 10%, 7 para 20% e assim por diante. Esta proporcionalidade pode, eventualmente, ser abandonada, já que um único acionista não pode possuir mais do que o número de votos especificados pela lei (seis quando o capital autorizado é divido em 100 ou mais ações. Quando dividido de outra forma, o máximo é três).

As ações preferenciais além de primazia no recebimento do pagamento de dividendos, de acordo com seu valor nominal fixado nos artigos, podem também ter preferência nos casos de falência, se assim houver sido estabelecido no contrato social. Além disso, os portadores deste tipo de ação podem ter os mesmos direitos de voto que os portadores de ações ordinárias. Podem também vetar algumas decisões dos acionistas quando estas se referem à liquidação da sociedade ou mudanças estatutárias.

As preferenciais podem ser utilizadas para aumentar a participação quando os lucros não forem suficientes para serem distribuídos aos portadores de ações ordinárias. Através das preferenciais, os diretores podem manter o controle sobre a sociedade, já que a emissão de preferenciais dilui os direitos de votos dos portadores de ordinárias. Por isso, o poder de emitir as preferenciais pode ser delegado ao Conselho de Administração por um período de 5 anos no caso das N.V. e por período ilimitado nas B.V.

2.14. REINO UNIDO

A legislação aplicável à Inglaterra e ao País de Gales, apesar de semelhante, não é a mesma que incide sobre a Irlanda do Norte e a Escócia. É a lei societária (Companies Act de 1985) que regula a questão da emissão de ações preferenciais. A lei requer que montante do capital esteja determinado no Memorandum and Articles of Association e que, neste documento, também esteja determinado que tipos de direitos possuirão as ações preferenciais. A alteração do contrato social, caso eles não façam previsão expressa do mecanismo de mudança, pode ser feita através do consentimento escrito de ¾ dos portadores de determinada classe de ações(C.A. 1895 Sec 125 (2).

A secção 159 da mencionada lei permite que uma companhia emita ações resgatáveis. O limite previsto para essas emissões é “no redeemable shares may be issued at a time when there are no issued shares of the company which are not redeemable”.

Como exemplo da flexibilidade legal neste aspecto, podemos citar o caso da ICOF Ltd, cujas ações são 100% preferenciais. Contudo, é raro o uso de ações preferenciais sem direito a voto.

2.15. RÚSSIA

A legislação russa passou a permitir recentemente que a sociedade emita um ou vários tipos de ações preferenciais, desde que estas ações não ultrapassem o teto de 25% do capital social. Os direitos do acionistas de cada tipo de ação devem ser estabelecidos no contrato social. O direito de voto para as ações preferenciais só pode ser exercido naquelas circunstâncias especiais já mencionadas. A lei também permite que o contrato social imponha o número máximo de ações que pode ser possuído por um só acionista e o número máximo de votos permitido para cada acionista.

3. A GOVERNANÇA CORPORATIVA COMO PROTEÇÃO DOS MINORITÁRIOS.

3.1. Na recente 24a. Conferência Internacional das Comissões de Valores realizada em Lisboa, Portugal, e encerrada em 28 de maio de 1999 reconheceu-se que as empresas e mercados que desatenderem aos crescentes clamores por governança corporativa não conseguirão sobreviver.1 Contemporaneamente, no encontro anual de ministros da Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE) realizado em 26 e 27 de maio de 1999, foi aprovada uma carta de princípios de governança corporativa, reconhecendo a importância de sua implementação para o desenvolvimento econômico e social. De fato, na abrangente concepção atual, a governança corporativa extrapola a questão dos acionistas minoritários para abranger um universo mais amplo da responsabilidade social da empresa no tocante aos países onde opera, aos seus fornecedores, seus funcionários, etc. No entanto, o cerne da governança corporativa continua a ser os interesses dos acionistas minoritários.

3.2. Governança corporativa foi definida no Reino Unido em 1992 como “o sistema pelo qual empresas são dirigidas e controladas”2, com a notória economia de palavras dos britânicos. O instituto já era comum, todavia, nos Estados Unidos da América (EUA), desde a década de 1970, onde se tornou um movimento bastante poderoso e descrito como “o exercício prudente do direito de propriedade com o objetivo de um maior valor acionário”3, dentro de uma perspectiva mais limitada aos direitos dos acionistas. Mais recentemente, a governança corporativa tem sido conceituada como tendo por “objetivo otimizar o comportamento societário para melhor desempenho empresarial e aumentar os retornos dos interessados”4. De acordo com esta visão, seriam terceiros interessados a sociedade como um todo, o corpo de funcionários de uma empresa, da mesma forma que os demais parceiros, como por exemplo os fornecedores e prestadores de serviços.

3.3. Coerentemente com esta visão, o governo trabalhista inglês estabeleceu os seguintes critérios de parceria5 para companhias de classe mundial:

a) vínculos estreitos e de longo prazo com empregados, fornecedores e investidores;

b) persecução de estratégias de investimento de longo prazo, com foco em pesquisa e desenvolvimento, treinamento e inovação;

c) respeito à sociedade em que opera e aos clientes que serve; e

d) consulta aos funcionários e seu envolvimento no processo decisório6.

3.4. Desta forma, hoje a governança corporativa visa dar normas de conduta da empresa “interna corporis” face aos seus acionistas, bem como critérios de desempenho para relacionamento externo. No tocante às normas internas, originalmente foi grande a preocupação em se estabelecer padrões de conduta para os diretores visando exatamente aquelas situações de pulverização de capital particulares de muitas companhias abertas nas quais o controle efetivo é exercido pela administração, assegurando-se um sistema eficaz de cobrança .7 Da mesma maneira, procurou-se dar transparência e segurança às contas sociais e acesso a informações por parte do corpo de acionistas. Atualmente, o nível de abrangência é muito maior.

3.5. De fato, os Princípios de Governança Corporativa da OCDE8, doravante designados simplesmente Relatório OCDE, lembram muito oportuna e acertadamente que o instituto é apenas parte do contexto econômico mais amplo, que inclui a política macroeconômica nacional; a infra-estrutura legal, regulatória e institucional; e até mesmo a ética empresarial de um dado país9. O relatório reconhece o caráter evolutivo da governança corporativa e sistematiza seus princípios em cinco áreas distintas:

a) direitos dos acionistas;

b) tratamento eqüitativo dos acionistas;

c) o papel dos parceiros;

d) divulgação e transparência;e

e) responsabilidade da diretoria.

3.6. No tocante aos direitos dos acionistas, o Relatório OCDE recomenda a inclusão de métodos seguros de registro de propriedade e transferência de ações; de obtenção de informações relevantes da companhia de forma oportuna e regular; a participação e voto em assembléias gerais; a eleição de membros da diretoria; e a participação nos lucros da sociedade. Os acionistas devem ter o direito de participar e de ter suficientes informações a respeito de decisões a respeito de assuntos de mudanças empresariais fundamentais como mudança dos estatutos; aumento de capital; e negócios que possam resultar na venda da empresa. Com relação a participação em assembléias gerais, os acionistas devem ter a oportunidade de participação e voto; devem Ter informação suficiente e tempestiva a respeito das matérias da ordem do dia; condição de formular perguntas e de acrescentar itens na pauta dos trabalhos, sujeitos a limitações razoáveis; devem poder votar em pessoa ou por mandato.

3.7. O Relatório OCDE recomenda que os acionistas sejam protegidos de estruturas que permitam a certos acionistas obter um grau de controle desproporcional à sua participação societária, o que é exatamente a situação pertinente às ações preferenciais no Brasil, que permite a um acionista com cerca de 17% do capital social a possibilidade de controle de uma companhia. Os negócios envolvendo a alienação do controle acionário devem ser feitos de forma eficiente e transparente; as regras devem ser claras, os preços transparentes e em condições eqüitativas que protejam os direitos de todos os acionistas de acordo com sua classe. Este último princípio é uma veemente denúncia, não propositada evidentemente, à recente mudança legislativa no Brasil, que permitiu o tratamento diferenciado das minorias societárias nos casos de alienação de controle social, para pretensamente facilitar o processo de privatizações.

3.8. Mais ainda, o Relatório OCDE sugere que a formatação de governança corporativa assegure o tratamento eqüitativo de todos os acionistas, incluindo minoritários e estrangeiros, equiparando-os de acordo com as classes. Negócios com informações privilegiadas e aqueles em conflito de interesses devem ser proibidos. Membros da diretoria devem divulgar fatos com potencial conflito de interesse envolvendo a sociedade.

3.9. No tocante ao papel dos parceiros na governança corporativa, o Relatório OCDE sugere normas encorajando a efetiva cooperação entre as empresas e seus parceiros no propósito de criação de riquezas, empregos e empresas financeiramente sólidas. Assim, a formatação de governança corporativa deve assegurar que os direitos dos parceiros assegurados por lei sejam respeitados e, quando violados, que haja um sistema eficaz de compensação. Da mesma forma, o sistema deve permitir a colaboração de parceiros em esquemas de melhoria de desempenho. Sempre que os parceiros participem do processo de governança corporativa, sugere-se sejam-lhe facultadas as informações relevantes.

3.10. Respeitantemente aos critérios de divulgação e transparência, o Relatório OCDE recomenda que a estrutura de governança corporativa assegure o acesso tempestivo a informações detalhadas sobre todas as questões materiais afetando a companhia, incluindo a situação financeira, desempenho, propriedade e a própria governança. Tal divulgação deve incluir dados financeiros e operacionais; objetivos empresariais; direitos de voto; diretores e sua remuneração; riscos previsíveis; principais questões trabalhistas e de outros parceiros; estrutura e política de governança.

3.11. No que toca à responsabilidade da administração, o Relatório OCDE recomenda que os administradores ajam com discernimento, de boa fé, e com o devido cuidado, no melhor interesse da companhia e da generalidade dos acionistas. Sempre que as decisões da diretoria venham a afetar grupos de acionistas de forma diversa, todos os acionistas devem ser tratados de maneira eqüitativa. A diretoria deve cumprir a lei e levar em consideração os interesses do corpo geral de acionistas. A administração deve ter certas funções básicas, dentre as quais a determinação de uma política de riscos, formulações de estratégias, criação de um orçamento e plano de ação empresarial e seu respectivo acompanhamento.

3.12. Como vimos, os critérios de governança corporativa são valores e padrões éticos que devem permear toda uma sociedade civil, envolvendo, é certo, as companhias, seus funcionários e demais parceiros, mas também os legisladores, agentes da administração pública, membros do Judiciário, investidores, acionistas e bolsas de valores. A cobrança de tais valores deve igualmente ser feita por todos os agentes da sociedade civil. A observância de tais critérios não somente permitirá que nossa sociedade seja mais justa e eficiente, como também que nosso país seja mais competitivo nos mercados internacionais.