Publicado na Coluna Semanal do Dr. Noronha a convite do sítio “Última Instância – Revista Jurídica”, São Paulo, Brasil, 17 de agosto de 2005.
PORTO ALEGRE – A ordem jurídica do sistema multilateral de comércio sustentou, desde o seu início, em 1947, com o Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio), diversos princípios básicos que podem ser categorizados em três áreas distintas. A primeira área adota o princípio da não discriminação consagrado pela cláusula da NMF (nação mais favorecida), que sustenta dever um Estado tratar todos os demais membros do sistema multilateral de comércio da mesma maneira.
A segunda área promove o princípio do mercado aberto, que proíbe todos os tipos de protecionismo, à exceção das tarifas aduaneiras e, bem assim proíbe as barreiras não tarifárias. A terceira área consagra o princípio do comércio eqüitativo e proíbe, por conseqüência, os subsídios governamentais ilegais e as práticas predatórias de comércio. Nenhum dos princípios agrupados nas áreas supra mencionadas é absoluto e um número de exceções é permitido, incluindo a formação de áreas de comercio preferencial.
Assim, as barreiras não tarifárias estão compreendidas dentro da área que agrupa os princípios do mercado aberto. De fato, o artigo 8º do Gatt-1947, que ainda está em vigor, regulamenta as exportações e as importações de maneira a impedir que taxas e formalidades aplicáveis aos respectivos negócios possam configurar barreiras não tarifárias ao livre comércio.
Dentre tais práticas incluem-se os certificados e certificações, restrições quantitativas, licenças, controles cambiais e estatísticas. A ordem jurídica multilateral do comércio requer ainda dos Estados Membros a administração tanto razoável como imparcial de suas leis, regulamentos, decisões e julgados aplicáveis ao comércio internacional.
Por conseguinte, barreiras não tarifárias são medidas, regulamentos ou procedimentos legislativos, judiciais ou administrativos, outros que tarifas alfandegárias, e usados por Estados Membros do sistema multilateral da OMC (Organização Mundial do Comércio) para limitar importações de outros membros. Apesar da proibição às barreiras não tarifárias existir há quase 60 anos, tais práticas estão ainda em uso corrente e compreendem, inter alia, os subsídios ilegais, padrões alimentares, sanitários, ambientais, trabalhistas e fito-sanitários, quotas de importação, abuso da defesa comercial, dumping financeiro, regulamentação de proteção ao consumidor, procedimentos de licenciamento às importações, regulamentação de serviços, regulamentos de imigração etc.
Os países desenvolvidos são os reconhecidos campeões das práticas desleais de comércio em geral e das barreiras não tarifárias, em particular, como demonstrado de forma abundante pela jurisprudência dos sistemas de resolução de disputas tanto do Gatt como da OMC. As vítimas destas barreiras são também outros países desenvolvidos, mas particularmente os países em desenvolvimento, a maioria dos quais aceita tais violências passivamente. Aqueles que reagem e vêm a prevalecer nas arbitragens da OMC deparam-se com a ineficácia das decisões.
Espera-se que, no âmbito da Rodada Doha, presentemente em andamento, uma ação decisiva seja tomada tanto para a maior limitação do uso das barreiras não tarifárias quanto para assegurar a eficácia das decisões do sistema de resolução de disputas da OMC.