Publicado na Coluna Semanal do Dr. Noronha a convite do sítio “Última Instância – Revista Jurídica”, São Paulo, Brasil, 24, de novembro 2004.
RIO DE JANEIRO – Sem alarde, foi lançado em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, há semanas atrás, o livro As relações perigosas: Brasil-Estados Unidos (de Collor a Lula, 1990 – 2004), pela Editora Civilização Brasileira, do consagrado pensador e professor brasileiro Luiz Alberto Moniz Bandeira. A obra, que tem prefácio do embaixador Rubens Ricupero, deveria ter merecido uma maior atenção da crítica, por seu rigor científico, discernimento estratégico e profundidade de análise.
Em realidade, o trabalho do professor Moniz Bandeira extrapola o âmbito das relações bilaterais Brasil – EUA para oferecer um criterioso exame da estratégia da política externa norte-americana, num patamar de excelência que evoca os melhores momentos de Noam Chomsky em Hegemony or Survival – America’s Quest for Global Dominance (Hamish Hamilton, EUA, 2003); de Jean Ziegler em Os Novos Senhores do Mundo (Terramar, Portugal, 2002); e de Clyde Prestowitz em Rogue Nation (Basic Books, EUA, 2003).
Assim, a política hegemônica e unilateral dos EUA, o rogue superpower, o super-poder fora da lei, com o seu sabido devastador efeito na ordem jurídica e econômica mundial, é esmiuçada criteriosamente, com análises sobre a manipulação e desestabilização, por aquele país, de organismos multilaterais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização para a Proibição das Armas Químicas (OPAQ), dentre outros.
É claro, como o título indica, o trabalho do professor Moniz Bandeira concentra-se nas repercussões de tal política deletéria para a ordem legal internacional no tocante ao Brasil e às reações dos governos brasileiros, do período sob análise, às várias iniciativas hegemônicas dos EUA na área econômica, como a Alca; no setor militar, como na questão da Amazônia; e no campo jurídico, como no combate ao tráfico de drogas, dentre outras.
Com o benefício de ter tido acesso aos arquivos secretos recentes do Itamaraty e da exaustiva pesquisa conduzida, o quadro pintado pelo professor Moniz Bandeira da política externa brasileira nos governos Collor e Fernando Henrique Cardoso é triste, sombrio e preocupante, dada a irresponsabilidade, pusilanimidade e incompetência relatadas, com os resultantes efeitos extraordinariamente lesivos aos interesses nacionais brasileiros.
Em particular, o professor Moniz Bandeira desnuda a política externa inepta do ex-chanceler Celso Lafer para concluir, após criteriosa pesquisa nos arquivos do próprio Itamaraty, que suas “atitudes subservientes e servis” tornaram o ex-ministro Lafer o “pior chanceler da história”. O relato do professor Moniz Bandeira da pusilanimidade da ação da chancelaria brasileira, comandada por Lafer em pessoa, na questão da Opaq, no tocante à falta de sustentação ao direito internacional e de apoio à legítima posição do embaixador José Maurício Bustani, é de enojar o mais experiente ator nas relações internacionais. Para maiores esclarecimentos sobre a questão da Opaq, recomendo a releitura de meu artigo A desestabilização dos organismos internacionais, o caso da Opaq.
A gravidade das acusações lançadas pelo professor Moniz Bandeira ao ex-chanceler Lafer recomenda, se não impõe, aos atentos membros do Ministério Público Federal uma cuidadosa análise dos fatos para discernir sobre a eventual configuração de crime de responsabilidade.
A obra As relações perigosas: Brasil-Estados Unidos é uma leitura imprescindível a todos que se preocupam com o futuro do Brasil e estudam as condicionantes internacionais e a direção de nossa política externa.