Brasil Vence, mas não leva

Entrevista feita pelo Jornalista Rafael Rosas, publicada na versão eletrônica no sítio do JB On Line (http:\\www.jb.com.br), bem como na versão impressa no Jornal do Brasil, caderno Economia & Negócios, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 31 de julho de 2005.

Por Rafael Rosas

JB ONLINEO advogado Durval de Noronha Goyos Jr. não se cansa de denunciar injustiças contra os países em desenvolvimento. Nem que para isso precise citar nominalmente envolvidos em questões de abuso de força. Em junho, Noronha lançou o livro O Novo Direito Internacional Público e o embate contra a tirania, compilação de textos publicados em mídias diversas, inclusive no Jornal do Brasil, onde o árbitro do Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC) tem uma coluna mensal. Com prefácio do ex-ministro Aldo Rebelo, o livro toca em pontos polêmicos e atuais, como o sistema de retaliações da OMC, a formação da Alca e a economia chinesa.

Nesta conversa com o JB, Noronha afirma não acreditar no sucesso da proposta brasileira de quebra de patentes para compensar os subsídios americanos ao algodão, denuncia a estrutura viciada de execuções de disputa da OMC e o favorecimento a países desenvolvidos.

Até que o sistema seja mudado, vai ser difícil o Brasil ganhar e levar. O país terá vitórias que servem politicamente, mas que não resolvem o problema dos países afetados.

Jornal do Brasil – Recentemente, o Brasil pediu à Organização Mundial do Comércio a quebra de patentes de produtos dos Estados Unidos como forma de retaliação pelos subsídios ilegais ao algodão. Quais as chances de a OMC aceitar o pedido brasileiro?
Durval de Noronha Goyos Jr. – O regime de sanções da OMC é altamente imperfeito, pois as decisões do órgão de apelação da organização não são exequíveis. O sistema não se presta à função para a qual foi concebido, que é a de dirimir disputas. Este regime é muito criticado há tempos. Uma das alternativas propostas é a permissão para retaliação cruzada, que é exatamente o sugerido pelo Brasil na disputa do algodão. Acontece que no regime atual não há a possibilidade de se fazer uma retaliação fora da contemplada nos acordos do sistema de retaliação de disputas. É altamente improvável que se aceite a retaliação fora do comércio de mercadorias.

– Não existe um precedente de vitória do Equador contra a União Européia em um painel sobre comércio de bananas?
– Não existe tal precedente. O caso das bananas é um dos que jamais se resolveu em função da incapacidade do sistema. Além disso, a jurisprudência não existe em Direito Internacional e também não vale nada na OMC, onde existe dispositivo expresso dizendo que a decisão é caso a caso, aplicável apenas para as partes naquela disputa específica. Ainda que sejam as mesmas partes em outra disputa, o precedente não vale.

– Então a chance de o Brasil conseguir uma punição aos EUA é muito baixa?
– Não há fundamento jurídico para tanto. O que o Brasil tem que fazer é exercer pressão para mudar o sistema de resolução de disputas da OMC.

– Qual a possibilidade deste sistema ser alterado no médio prazo em benefício dos países em desenvolvimento?
– A probabilidade é pequena, já que na OMC prevalece o poder hegemônico das grandes potências, notadamente EUA, UE, Japão e Canadá, que formam o chamado Quad.

– Como esses países conseguem tanta hegemonia?
– A OMC é uma das organizações menos transparentes. Dos 600 funcionários, cerca de 70% são da Europa e no sistema de resolução de disputas da OMC são praticamente todos do Quad. E são eles que manipulam o andamento dos processos.

– Mas nós temos vistos algumas decisões favoráveis ao Brasil…
– O Brasil vence, mas não leva.

– Existe uma orquestração para permitir vitórias simbólicas?
– O sistema é ineficaz. No início era manipulado no sentido de vitórias dos países desenvolvidos. Mas então constatou-se que mesmo para os países desenvolvidos era difícil de se ter uma possibilidade de execução. Temos o caso do Canadá, que ganhou o primeiro caso Bombardier x Embraer, mas a corrente de comércio entre Canadá e Brasil era menor que o valor da vitória canadense. Se o Canadá buscasse compensações, acabaria a corrente de comércio. Eles então criaram um subsídio notoriamente ilegal para uma concorrência da Bombardier contra a Embraer, a fim de dar espaço de manobra para ter retaliação, pois eles sabiam que perderiam o segundo painel e compensariam a primeira decisão com a segunda. O sistema é bizarro, ineficaz. Até que o sistema seja mudado, vai ser difícil o Brasil ganhar e levar. O país terá vitórias que servem politicamente, mas que não resolvem o problema dos países afetados.

– O senhor foi o primeiro advogado latino-americano a ter um escritório na China. Pela sua experiência no país, o que significa a decisão de valorizar o yuan? A pressão internacional surtiu efeito?
– Na China não há mudanças radicais da noite para o dia. Principalmente nesta área. A troca da paridade fixa com o dólar por uma cesta de moedas é uma mudança inevitável no universo econômico chinês, porque vai ao encontro com a maior liberalização comercial e bancária chinesa e com uma realidade do próprio comércio exterior da China, que é maior com a UE que com os Estados Unidos. Além disso, os maiores investidores estrangeiros na China não são os americanos. A valorização da moeda foi pequena, de 2,1%, e não coloca em risco os interesses chineses no exterior, nem os interesses estrangeiros no país.

– O Congresso dos EUA aprovou o acordo para a formação do Cafta, que reúne os países da América Central e Caribe. Isso vai aumentar a pressão para que o Brasil aceite os termos da Área de Livre Comércio das Américas (Alca)?
– Os EUA lançaram mão dessa colcha de retalhos exatamente para exercer pressão sobre o Brasil, que é o principal alvo de sua voracidade comercial no caso da Alca. O que o Brasil tem que fazer é concluir acordos separadamente com esses países e negociar a Alca de acordo com o interesse nacional.

– O livro aborda longamente a questão de pressões unilaterais na diplomacia internacional. Não devemos temer este tipo de atitude na formação da Alca?
– Pressões existem. Na assinatura da Declaração de Miami (para a formatação da Alca) foi apresentado um documento pronto para a assinatura de dois presidentes, um que saía, o Itamar Franco, e outro que entrava, o Fernando Henrique Cardoso. A partir daí, as pressões foram múltiplas, mas, apesar da assinatura da declaração e da aceitação da formatação que foi imposta, temos resistido bem.