O dólar ameaçado como moeda de reserva

Publicado na Coluna Semanal do Dr. Noronha a convite do sítio “Última Instância – Revista Jurídica”, São Paulo, Brasil, 08 de outubro de 2008.

Londres – A crise atual que se abate com grande vigor sobre os mercados financeiros mundiais foi iniciada nos EUA (Estados Unidos da América), país cuja economia é a mais afetada por tais desdobramentos, teve um efeito aparentemente paradoxal sobre o dólar americano que, de uma maneira geral, apreciou-se contra as demais moedas, ao invés de se desvalorizar, como era de se esperar à primeira vista.

Tal verificou-se porque o dólar ainda é hoje, embora num patamar inferior àquilo que se verificava há uma década atrás, a principal moeda de reserva do mundo. De fato, segundo dados recentes do FMI (Fundo Monetário Internacional), cerca de 62% das reservas mundiais estão denominadas em dólares americanos, enquanto que 27% encontram-se investidas em Euros e 11% em outras moedas como o Yen e a Libra Esterlina. As próprias reservas brasileiras têm uma posição em dólares americanos superior à média mundial.

Como se explicar o uso de um dinheiro como reserva, se este é a moeda de um país, os EUA, que tem um déficit comercial de US$ 850 bilhões, um déficit do balanço de pagamentos de US$ 700 bilhões e hoje um déficit do orçamento nacional superior àqueles do Egito e do Paquistão? Tudo isso sem levar em consideração que os EUA são hoje o epicentro e a causa maior da crise financeira mundial, tem uma liderança inepta e um isolamento político internacional.

A primeira resposta a tal indagação decorre da natureza conservadora dos mercados financeiros. O dólar americano tem sido a principal moeda mundial de reserva desde 1920. Embora uma importante alternativa tenha sido criada há uma década atrás, o Euro, a migração de uma moeda para a outra não ocorreu como era de se esperar por outros motivos, de natureza comercial. Por exemplo, a China financia as compras de seus produtos pelos EUA mediante investimentos em títulos do governo deste país.

Assim, numa crise global financeira como a que hoje se verifica, a primeira e natural reação é a migração da liquidez para as moedas de reserva, ainda que, no caso do dólar americano, ela não tenha nenhum valor intrínsico, mas apenas projete a sombra de um poderio pretérito na área econômica e monetária. O mercado compra a ilusão da segurança.

Desta maneira, enquanto ontem, dia 6 de outubro de 2008, o índice FTSE 100 da Bolsa de Valores de Londres desvalorizava-se quase 8% e perdia no processo cerca de US$ 180 bilhões, ou 8 vezes o orçamento anual da cidade de São Paulo, em cuja queda foi acompanhada por bolsas mundo afora, o dólar apreciou-se contra todas as moedas, inclusive o Euro, à exceção do Yen.

A moeda japonesa valorizou-se 7% contra o dólar americano no mesmo dia, o que indica um movimento comprador como moeda de reserva, já que é melhor a percepção dos fundamentos da economia japonesa pelos analistas internacionais, face à crise. Se tais compras da moeda chinesa originaram-se na República Popular da China, devem aumentar as preocupações da sustentabilidade da alta do dólar americano no curto e médio prazo.

Para o Brasil, de um lado, a aplicação das reservas nacionais na moeda americana é um componente de alto risco para a sua integridade. De outro lado, a desvalorização do Real face ao dólar torna-se hoje estrategicamente vital para o País, já que numa situação de iliquidez mundial, o financiamento do déficit brasileiro em conta corrente, no valor de US$ 22 bilhões, poder-se-á tornar problemático.

Tal cenário fica ainda mais grave com a queda de preços das mercadorias em geral, inclusive as agrícolas, nos mercados internacionais, o que irá diminuir o saldo comercial brasileiro. Assim, a taxa de câmbio deverá ser competitiva, para aumentar o saldo comercial do País e eliminar o déficit em conta corrente, para que a nossa economia possa defender-se dos efeitos da crise mundial do momento.

Para a primazia do dólar como moeda mundial de reserva, temos os dias contados.