O malogro da diplomacia brasileira em Doha

Publicado na versão eletrônica no sítio Paraná On Line (http://www.parana-online.com.br), bem como na versão impressa no Jornal “O Estado do Paraná”, Paraná – Brasil, 01 de agosto de 2008.

A Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), lançada em novembro de 2001, teve como objetivo retórico a correção das assimetrias em favor dos países desenvolvidos criada pela Rodada Uruguai do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), encerrada em 1993. De fato, os resultados da Rodada Uruguai asseguram 80% dos benefícios para os países desenvolvidos e apenas 20% para os países em desenvolvimento, conforme asseguraram diversos organismos internacionais de insuspeita imparcialidade.

A denominação especiosa de “rodada do desenvolvimento” visava iludir a opinião pública internacional já convicta que a OMC apresentava-se como um organismo multilateral que promovia a prosperidade de uns poucos, os países desenvolvidos, em detrimento dos muitos, os países em desenvolvimento. Na realidade, a agenda de negociações da Rodada Doha foi imposta pelos países hegemônicos, num verdadeiro jogo de cartas marcadas para, mais uma vez, promover majoritariamente os seus interesses comerciais.

Assim, na agenda afirmativa dos países desenvolvidos estava a obtenção de concessões de reduções tarifárias da parte dos países em desenvolvimento e o maior acesso aos mercados de serviços destes. Na agenda defensiva, estava a manutenção dos escandalosos programas de subsídios agrícolas mantidos pelos países hegemônicos, que promovem a miséria e a desesperança numa escala global.

Pois bem, a primeira, grande e principal falha da diplomacia brasileira nos trabalhos da Rodada Doha foi a aceitação da agenda dos países desenvolvidos. Para os interesses do Brasil, teria sido interessante, em primeiro lugar, a reformulação do Acordo de Serviços (GATS), que ameaça alienar todos os países em desenvolvimento das exportações do setor. Nessa área, não existem salvaguardas, o que deixa a área doméstica absolutamente vulnerável aos surtos de importações.

Mais ainda, teria sido importante modificar o Acordo de Investimentos (TRIMs), para permitir o apoio à indústria nascente, da mesma forma que coibir subsídios praticados pelos países desenvolvidos. Da mesma maneira, no Acordo de Propriedade Intelectual (TRIPs), teria sido relevante privilegiar os direitos humanos e as políticas públicas de saúde, em relação aos direitos de propriedade. Acresce que teria sido de nosso interesse coibir a biopirataria.

O ineficaz sistema de resolução de disputas da OMC necessitaria de uma completa reforma, de forma a ser dotado de eficácia e exeqüibilidade específica e a permitir que as decisões arbitrais sejam executadas, o que não ocorre hoje. O Acordo de Medidas Sanitárias deveria ser reformulado de maneira a impedir as crescentes barreiras não tarifárias na área agrícola. Por último, os subsídios agrícolas deveriam ser referencialmente proibidos, admitindo-se exceções apenas em casos especiais em que considerações humanitárias devam prevalecer.

Em 2001, era ministro das relações exteriores Celso Lafer, considerado por Moniz Bandeira o “pior chanceler da história”. Com a mudança de governo em 2002, a administração Lula herdou a agenda nefasta já formatada anteriormente e assim entrou na ronda de negociações com uma árdua missão: defender os interesses do Brasil em tratativas que buscavam atender aos interesses de outras potências.

Mesmo com tais dificuldades, o desempenho da diplomacia brasileira nas negociações da Rodada Doha foi sofrível. Em primeiro lugar, a habitual arrogância do Itamaraty com relação ao setor privado impediu de se auscultar quais os verdadeiros interesses econômicos do país em jogo. Em seguida, a tradicional falta de transparência dos diplomatas impediu que a opinião pública nacional e o próprio Poder Legislativo acompanhassem o desenrolar dos debates. Por último, o excessivo apego ao protagonismo estéril de alguns agentes levou o Brasil a repudiar, na prática, sua política de alianças regionais e com outros países do hemisfério sul, a custo de um inconveniente isolamento.

Como resultado da atabalhoada aventura, o Brasil depara-se com um quadro regulatório da OMC que nos é desfavorável, com um sistema de resolução de disputas inexeqüível e com uma importante rede de alianças comprometida. Dos 153 membros da OMC, apenas o Brasil usa diplomatas para as negociações comerciais. Não teria dentre nós chegado o momento de uma reflexão sobre fórmulas alternativas de melhor promover nossos legítimos interesses econômicos?