O novo regime dos serviços jurídicos em Portugal

Publicado na Coluna Semanal do Dr. Noronha a convite do sítio “Última Instância – Revista Jurídica”, São Paulo, Brasil, 02 de março de 2005.

LISBOA – No dia 26 de janeiro de 2005, foi publicada no Diário da República a Lei n° 15/2005, que aprova o Estatuto da Ordem dos Advogados Portugueses (o Estatuto). Em 10 de dezembro de 2004, já havia sido publicado o Decreto-Lei n° 229/2004, que trata do regime jurídico das sociedades de advogados (o Regulamento).

Ambos os diplomas constituem, em conjunto, o novo regime dos serviços jurídicos em Portugal, o qual representa não somente um considerável avanço sobre o tratamento legal anterior, mas também um paradigma digno de nota na perspectiva do direito comparado.

O Estatuto, além de regular o regime orgânico da Ordem dos Advogados, trata da deontologia profissional, elencando inter alia os deveres do advogado para com a comunidade (artigo 85) e para com a Ordem (artigo 86). Dentre os primeiros está incluído o dever de não solicitar clientes, por si ou por interposta pessoa e, dentre os segundos, o de promover a sua própria atualização profissional.

Por outro lado, a obrigação do segredo profissional existe quer o serviço seja judicial ou extrajudicial, remunerado ou não remunerado, aceito ou não aceito pelo advogado (artigo 87, 2). Os fundos de clientes devem ser depositados em conta fiduciária, separada e com designação de conta clientes (artigo 97, 1, a). Os fundos devem ser pagáveis à ordem (artigo 97, 1, b). O advogado deve manter registros completos e precisos relativos a todas as operações efetuadas com esses fundos (artigo 97, 1, c).O advogado deve manter um seguro de responsabilidade civil profissional no valor mínimo de € 250 mil, sem prejuízo do regime aplicável às sociedades de advogados (artigo 99).

Os honorários do advogado devem corresponder a uma compensação econômica adequada para os serviços efetivamente prestados, que deve ser saldada em dinheiro (artigo 100, 1). Na falta de convenção prévia por escrito, o advogado apresenta ao cliente a respectiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados (artigo 100, 2). O montante dos honorários deve corresponder à importância dos serviços prestados, à urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual, ao resultado obtido e ao tempo despendido (artigo 100, 3). São proibidos os pactos de quota litis que, como é sabido, são aqueles em que os honorários são contingentes ao sucesso da causa (artigo 101, 1). É vedada a repartição de honorários com não advogados, mas admitida aquela com os profissionais legais que tenham prestado colaboração no caso (artigo 102).

O Estatuto regula ainda a relevante questão da educação continuada ou formação contínua, constituindo-a num dever de todos os advogados. Cabe à Ordem a organização dos serviços de formação destinados a garantir uma constante atualização dos conhecimentos técnico-jurídicos dos advogados (artigo 190). Cabe ao Conselho Geral da Ordem a regulamentação da organização dos serviços de maneira a garantir o cumprimento do dever pelo profissional (artigo 191, 1).

No tocante às sociedades de advogados, o Regulamento é bastante inovador, para melhor. Em primeiro lugar, seus sócios, necessariamente advogados, poderão ser de capital ou de indústria (artigo 5, 1 combinado com o artigo 13). Se autorizado, um sócio poderá exercer atividade profissional fora da sociedade (artigo 4). A posição dos associados é reconhecida e regulamentada, com a necessidade de arquivamento do plano de carreira respectivo junto à Ordem (artigo 6, 1 e 2).

O Regulamento inova ainda com relação ao regime de responsabilidade por dívidas sociais, que poderá ser ou de responsabilidade limitada ou de responsabilidade ilimitada (artigo 7 combinado com o artigo 33, 1). O regime de responsabilidade deverá ser incorporado à denominação social (artigo 10, 1). As sociedades de advogados que optem pelo regime de responsabilidade limitada devem contratar um seguro de responsabilidade civil para cobrir os riscos inerentes a suas atividades profissionais (artigo 37, 1). O valor mínimo do seguro não será inferior a 50% do faturamento da sociedade no ato anterior, com um mínimo de € 50 mil e um máximo de € 5 milhões ( artigo 37, 2). Os balanços das sociedades de advogados de responsabilidade limitada devem ser depositados na Ordem no prazo de 60 dias de sua aprovação (artigo 30, 3).

A exoneração de sócios é regulamentada (artigo 21), bem como a exclusão, a qual requer quórum qualificado de três quartos do número de sócios que representem três quartos da totalidade dos votos apurados, salvo se o contrato de sociedade exigir um quórum maior (artigo 22, 2). O contrato social pode atribuir mais votos a um ou alguns sócios ou a categorias de sócios (artigo 26, 2). Na falta de avença específica, ao capital e à indústria corresponde um número igual de votos (artigo 26, 3). Nas assembléias gerais, as deliberações são tomadas por maioria de votos, salvo disposição em contrário (artigo 25, 4). Todavia, as alterações do contrato social dependem de deliberação dos sócios, aprovada por maioria de três quartos dos votos expressos (artigo 38, 1).

Num momento em que no Reino Unido se trata de uma reforma da advocacia que a descaracterizará como uma profissão legal, já que admitirá provavelmente a abertura de capital, sócios não advogados e regulamentação externa, Portugal demonstra como atualizar as demandas dos novos tempos mantendo os seus tradicionais fundamentos, de resto reconhecidos pelo direito internacional.