Publicado na Coluna Semanal do Dr. Noronha a convite do sítio “Última Instância – Revista Jurídica”, São Paulo, Brasil, 28 de novembro de 2007.
O governo argentino levará à reunião de cúpula do Mercosul, a se realizar nos dias 17 e 18 de dezembro deste ano, em Montevidéu, Uruguai, uma proposta da tributação das exportações agrícolas dos Estados membros do bloco comercial. Segundo explicações fornecidas pelo governo argentino, as vendas externas dos produtos básicos reduziriam a oferta interna e, por conseguinte, teriam um efeito inflacionário.
Assim, fica claro que a proposta argentina para o Mercosul não passa de um casuísmo para combater o problema tópico de sua inflação interna. Dessa maneira, resta evidente que o governo de Buenos Aires gostaria de atrelar aos demais países do bloco sul-americano à sua política econômica interna, ainda que esta esteja em crise e necessite de uma urgente mudança de rumos.
De fato, há sérios desajustes na economia argentina, a começar pelo controle de preços, prática que sabidamente não alcança o objetivo de reduzir a inflação, gerando, ao contrário, um mercado negro. De mais a mais, as restrições às exportações penalizam a economia. Acresce que a política cambial, ao manter um peso subvalorizado, favorece a competitividade internacional das exportações argentinas, mas onera as importações.
O fato é que tais medidas, se mantidas em longo prazo, afetam de maneira adversa a credibilidade da política econômica, ao desencorajar os investimentos, tanto internos como externos, e por não representar um eficaz combate contra a inflação. Tanto é assim que hoje se estima uma inflação anual entre 15 e 20% para a República Argentina.
Ocorre que o país irmão necessita de exportações, e de saldos comerciais, para fechar sua balança comercial e o seu balanço de pagamentos, principalmente para o seu principal parceiro comercial, o Brasil. Porém, deseja evitar as exportações triangulares, que transitam por outros países do Mercosul com a tarifa zero, com destino final para terceiros mercados.
Deve-se reconhecer que tais medidas difíceis foram colocadas em prática após os graves momentos por que passou a Argentina em 2001 e 2002, numa crise irresponsavelmente induzida pelo FMI (Fundo Monetário Internacional). Contudo, parece ser evidente que a política econômica resultante já atingiu os seus principais objetivos: retirar o país do descalabro total, com as sérias conseqüências econômicas e sociais, do regime imposto pelo FMI.
Esgotados os objetivos imediatos da política econômica de Kirchner, deve a Argentina tratar de reformulá-la, de maneira a obter uma base tanto sólida quanto confiável para o desenvolvimento econômico e social de seu povo. Pretender trazer para o âmbito do Mercosul uma idiossincrasia doméstica, já de resto esgotada, é um grande erro econômico e político. Por outro lado, a aceitação da proposta política da tributação na exportação de produtos agrícolas pelo Mercosul seria trágica.