Entrevista para o “Portal Vermelho”, São Paulo, Brasil, 28 de abril de 2016.
Em visita à redação do Portal Vermelho, o presidente da União Brasileira de Escritores (UBE), Durval Noronha, falou sobre a ação que a entidade impetrou no Tribunal Penal Internacional de Haia, nesta quarta-feira (27), para pedir que se inicie uma investigação contra o deputado Federal Jair Bolsonaro por crimes contra a Humanidade. A entidade também faz uma campanha pela internet para recolher um milhão de assinaturas em repúdio à conduta do parlamentar onde você pode participar assinando aqui.
A ação foi motivada pelo discurso de Bolsonaro durante a votação de admissibilidade do pedido de impeachment contra o mandato da presidenta Dilma Rousseff, dia 17 de abril, o deputado dedicou o seu voto ao torturador da ditadura, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-Codi.
Para Durval Noronha, que é autor de 54 livros e um renomado advogado e professor de direito, ao homenagear o coronel Ustra e, por extensão, às suas obras e ações voltadas à prática da tortura, Bolsonaro é um apologista do crime de tortura.
“A apologia da tortura é um crime contra a Humanidade definido pelo Estatuto de Roma, um tratado internacional que entrou em vigor em 2002 com 60 signatários, inclusive o Brasil. E não só a apologia do crime de tortura como também causar uma grave comoção no povo de um determinado país. E ele conseguiu os dois: fez apologia do crime e causou uma grave comoção, porque quem é, dentre os homens de bem e as pessoas sãs, que não repudiam o crime da tortura?”, indagou o jurista.
De acordo com a UBE, os atos cometidos por Ustra se tratam de crime contra humanidade, previsto no art. 7º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. O dispositivo estabelece, entre outros, que é crime contra humanidade homicídio; extermínio; prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave; tortura; violação, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência sexual de gravidade comparável; e perseguição de um grupo ou coletividade identificável por razões políticas, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos, de gênero, outros.
Ainda de acordo com a entidade, “pela homenagem ao coronel Ustra, e, por extensão, às suas obras e ações voltadas à prática da tortura, o deputado Jair Bolsonaro é um apologista evidente do crime de tortura”.
Mentiroso
Sobre a argumentação apresentada pelo parlamentar de que Ustra não tem sentença transitada em julgado e, portanto, não pode ser considerado um torturador, Durval Noronha apontou a contradição da justificativa: “Ele é um mentiroso profissional, tanto é que na própria fala [durante a sessão da Câmara] ele próprio chamou Ustra de torturar ao defini-lo como ‘o pavor de Dilma’”.
Ele enfatiza que “tal conduta de Jair Bolsonaro representa o ato desumano de infligir dor intencional e sofrimento mental sobre as vítimas do coronel Ustra e os membros da família dessas vítimas, assim como a comunidade brasileira e as pessoas em geral”.
Noronha explicou que a entidade decidiu recorrer ao Tribunal de Haia para garantir o respeito aos direitos fundamentais e ao Estado de Direito. “Outras entidades tomaram medidas aqui no Brasil, mas o Estatuto de Roma faz parte do ordenamento jurídico brasileiro, já que o Brasil é signatário. Então, é mais um foro para discutir a questão”, defende.
E acrescenta: “Não existe apenas um foro. Existe o próprio foro da Câmara, do decoro. Existe maior falta de decoro do que um pronunciamento desse? Cabe à Câmara dos Deputados agir nesse sentido. Cabe ao Ministério Público tomar ações. E cabe a outras entidades representativas da sociedade, que tutelam direitos coletivos, também tomar ações. Nós, da UBE, decidimos por tomar o caminho do Tribunal Penal de Haia”.
Respeito à história da UBE
Ele destaca ainda é tal medida respeita a tradição histórica da UBE em defesa da democracia e dos direitos. “Essa é a nossa história. Em 1942, nós pugnamos pela democratização do país. Pelo posicionamento do país do lado das forças democráticas que patrocinavam os direitos humanos, pela dignidade humana. Em 1964, nós nos opusemos contra a ditadura militar. Nossos escritores foram perseguidos, presos, exilados. Nossos escritores sempre empunharam a bandeira da liberdade e dos direitos humanos. E nesse momento, nós não queríamos faltar com as melhores tradições da UBE, porque elas, numa certa medida, representam uma consciência nacional.”
O presidente da UBE classifica a conduta como uma “afronta à democracia” e um “crime repugnante”.
“A humanidade se desenvolveu positivamente através dos séculos e, principalmente, nas últimas décadas. O Brasil foi à guerra em 1942 na defesa dos ideais humanos, dos valores humanos e esses valores estão sendo renegados por homens como Bolsonaro”, salientou.
Sobre o clima de intolerância e ódio insuflado na população pela conduta de Bolsonaro, Durval Noronha reforçou que a conciliação nacional deve ser alcançada fortalecendo o Estado Democrático de Direito.
“A receita da conciliação nacional passa pelo Estado de Direito. Ela se pauta pelas liberdades democráticas. Ela se pauta pela disciplina dentro da lei, pela disciplina dos tribunais na aplicação das leis. Ela se pauta no respeito e na tolerância de uns aos outros. Dizia Voltaire, que foi um grande sábio, que a tolerância é a maior virtude humana. É nós precisamos buscar isso. E buscar a tolerância dentro do Estado de Direito. Dentro das nossas liberdades democráticas, e não através da sua destruição.”
Por Dayane Santos