A Arbitragem Comercial Internacional

Palestra proferida a convite do Clube dos Corretores de Seguros, na cidade de São Paulo, Brasil, em 7 de outubro de 2003.

A história da arbitragem comercial é substancialmente mais longa e tradicional do que aquela dos sistemas jurisdicionais dos Estados. Na realidade, a arbitragem é uma modalidade tanto simples como natural de resolução de uma disputa mediante a intervenção de uma pessoa credível, próxima das partes em questão. Uma disputa é uma desavença de fato ou de direito entre duas ou mais partes, e difere da controvérsia, que é uma diferença de opinião. Originalmente, os árbitros eram escolhidos entre os comerciantes mais experientes e de maior reputação. Eles então ofereciam sugestões práticas e habilidosas para a resolução de uma disputa. Todavia, três problemas básicos impediram o maior desenvolvimento histórico da arbitragem em seus primórdios. Em primeiro lugar, a falta de regras procedimentais. Em segundo, não havia obrigatoriedade na aceitação da arbitragem e, por último, não havia um sistema mandatório de execução do laudo arbitral.

Estes três problemas impulsionaram a criação dos sistemas de prestação jurisdicional dos Estados, os juízos, cortes e tribunais, com regras processuais abundantes. Muitos destes ordenamentos jurídicos incorporaram práticas comerciais arbitrais existentes desde há muito, como por exemplo o artigo 217 do Código Comercial Brasileiro, de 1850, ainda em vigor, que dispõe: “Os vícios e diferenças de qualidade das mercadorias vendidas serão determinados por arbitradores”. Contudo, com o passar dos tempos, a prestação jurisdicional do Estado passou a ter inconvenientes como a excessiva morosidade, a falta de especialização dos juízes, regras processuais complexas ou estapafúrdicas e um decorrente custo proibitivo para muitas questões. Este estado de coisas levou a um renovado interesse pela arbitragem comercial. Devido à crescente internacionalização das trocas comerciais este fenômeno estendeu-se para o direito do comércio internacional.

Para sua viabilização, foi necessária a negociação de convenções internacionais de arbitragem, bem como o desenvolvimento de regras nacionais sobre a matéria. No Brasil, por exemplo, a lei 9.307/96 regula a arbitragem doméstica. Com o objetivo de harmonizar as disparidades das legislações nacionais com relação ao reconhecimento e execução dos laudos arbitratais, a UNCITRAL desenvolveu um modelo legislativo de lei arbitral comercial, em 1985, que leva em conta os dispositivos da Convenção Internacional sobre Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras (Nova Iorque, 1958).

A arbitragem comercial internacional pode ser conduzida através de sistemas institucionalizados de regras processuais ou na base “ad hoc”, em que regras são criadas para cada caso. A morosidade e a imprevisibilidade do segundo sistema favoreceu o desenvolvimento do primeiro. Assim, muitas entidades foram criadas, no mundo afora, com o propósito de oferecer um foro comercial eletivo para disputas internacionais. De um modo geral, atribui-se à arbitragem as seguintes vantagens face ao juízo estatal: a informalidade, regras processuais mais eficientes, privacidade, competência específica dos árbitros, a privacidade, grau singular de jurisdição, entre outras. Nem sempre tais vantagens são materializadas, porque depende muito da comparação do sistema arbitral vis-à-vis um dado juízo nacional, já que é potencialmente enorme a diferença também entre juízos nacionais.

Muitas vezes, tais entidade oferecem a credibilidade necessária para negócios com algumas jurisdições complexas. É este, por exemplo, o caso da República Popular da China, onde a Comissão de Arbitragem Internacional Econômica e Comercial1 (CIETAC) oferece uma opção clara e crível para a resolução de disputas em sua área de atuação. Similarmente, dentre muitas outras, a American Arbitration Association, a London Court of International Arbitration, a Câmara de Comércio de Estocolmo foram criadas para atender este mercado crescente. Como são várias as opções existentes também ratione materiae, foi criado o neologismo “resolução alternativa de disputas”, ou em inglês, “alternative dispute resolution”, também conhecido pelo acrônimo “adr”.

Particularmente digna de nota no setor é a International Chamber of Commerce (ICC), criada em Paris em 1919, que tem a Corte Internacional de Arbitragem como uma de suas duas instituições permanentes, juntamente com o Secretariado. A função da Corte Internacional de Arbitragem é a aplicação das Regras de Conciliação e Arbitragem da ICC
nos casos submetidos à sua jurisdição. Para a eleição do foro arbitral é necessária a convenção contratual expressa, denominada no Brasil cláusula compromissória. Todas as câmaras internacionais de arbitragem tem cláusulas padrão neste sentido. No caso da ICC, por exemplo, a cláusula é: “All disputes arising out or in connection with the present contract shall be finally settled under the Rules of Arbitration of the International Chamber of Commerce by one or or more arbitrators appointed in accordance with the said rules”. No caso da CIETAC, a cláusula é semelhante, com exceção de uma última sentença adicional, que dispõe: “The arbitral award is final and binding upon both parties.”

Não basta, todavia, a eleição do foro arbitral. Impõe-se a eleição de leis. Estas terão que ser necessariamente leis nacionais. Freqüentemente, em questões internacionais, elege-se a lei de um terceiro país com relação às partes. Por exemplo, num contrato entre uma empresa brasileira e uma sul-africana, a lei de eleição poderá ser aquela inglesa. Deve-se igualmente escolher a língua em que os procedimentos arbitrais serão desenvolvidos. Em questões internacionais, ocorre a preponderância de procedimentos conduzidos na língua inglesa. Todavia, nada obsta que seja eleita uma outra língua, de comum acordo entre as partes. Neste particular deve-se atentar para a legislação de eleição, pois se a língua for diversa daquela em que são expressas as leis eleitas, os custos de tradução podem ser expressivos.

Como já dito anteriormente, diversas convenções internacionais regulam a questão do reconhecimento e execução municipal dos laudos arbitrais internacionais. A principal delas é a Convenção de Nova Iorque de 1958, antes mencionada, que foi ratificada por mais de 120 países, dentre os quais o Brasil e Portugal. Esta convenção trata, inter alia, de uma lista exaustiva de hipóteses em que o reconhecimento de um laudo arbitral internacional pode ser negado. Estas hipóteses incluem a carência de ação; a falta de audiência eqüitativa; carência de jurisdição da câmara arbitral; falhas procedimentais; ou inconsistência do laudo arbitral com normas de política pública do Estado que o deve reconhecer.

Outras convenções internacionais arbitrais ratificadas pelo Brasil são a Convenção Interamericana de Arbitragem Comercial Internacional (Panamá, 1975), a Convenção Interameicana sobre a Eficácia Extraterritorial de Sentenças e Laudos Arbitrais Estrangeiros (Monteviéu, 1979), e o Acordo sobre Arbitragem Comercial Internacional do Mercosul (Buenos Aires, 1998).

Ao finalizar, devo dizer que a arbitragem comercial internacional é mais competitiva com relação aos juízos nacionais, sempre que estes últimos sejam morosos, ineficientes, dispendiosos, despreparados, idiossincráticos ou parciais. Nem sempre, todavia, a arbitragem comercial internacional é mais vantajosa. Há sistemas jurisdicionais nacionais que tem maior eficiência comparativa, tanto qualitativa quanto economicamente.