A campanha da força expedicionária brasileira pela libertação da Itália

Palestra proferida na Amici D’Italia; em São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil, 01 de junho de 2013.

Imagens de referência ao texto utilizado na Palestra.

1.- INTRODUÇÃO
1.1.- É para mim um grande prazer fazer a abertura da tradicional Semana da Itália, com uma conferência cujo tema nos é caro a todos os brasileiros, descendentes ou não de italianos, pela contribuição notável que a campanha da Força Expedicionária Brasileira (FEB) representou no sentido da promoção do estado de Direito, da observância dos direitos humanos e pela prevalência da ordem democrática numa escala global. Essa ação também teve uma importância considerável para a libertação da Itália das forças do mal que tantas desgraças trouxeram ao seu povo. Por último, o sentimento que inspirou a ação brasileira teve reflexos domésticos relevantes, eis que ajudou a sedimentar a ainda incipiente democracia em solo pátrio.
1.2.- Amanhã será celebrada a data nacional da Itália, o dia 2 de junho, assim definida pela data do plebiscito, em 1946, que optou pelo fim da monarquia, a instalação da República Italiana, e instalou os alicerces para a ordem constitucional e a democracia naquele país.
1.3.- Como filho de mãe italiana e cidadão do Brasil e da Itália, tenho a dupla satisfação de abordar esta questão, devendo ainda registrar o meu enorme prazer de ter hoje aqui ao meu lado, meu tio, Ruy de Noronha Goyos, hoje com 99 anos de idade, que serviu com disciplina, louvor e distinção a causa de nosso País e das liberdades democráticas na qualidade de membro da Força Expedicionária Brasileira (FEB) no teatro de guerra da Itália, já que integrante do 9º Batalhão de Engenharia, o qual partiu do Rio de Janeiro em junho de 1944. Peço uma calorosa salva de palmas ao Sargento Ruy de Noronha Goyos.
1.4.- Registro ainda os meus agradecimentos à minha cara amiga, Rosalie Sanches y Gallo, pelo amável convite para a conferência de hoje e ainda ao meu querido amigo, Adhemar Bahadian, ex-embaixador do Brasil junto à República Italiana, pela sugestão de que eu devesse abordar o tema, frustrado que estava com o esquecimento dos feitos gloriosos da FEB não apenas na Itália, mas também no Brasil.
1.5.- O dia de hoje também me é caro, pois foi nesta data, há trinta e cinco anos, em 1978, que fundei, com dois outros sócios, a sociedade Noronha Advogados, hoje com 15 escritórios em 8 países.

1.6.- Organizei a conferência de hoje da seguinte forma:
1.6.1.- Esta Introdução;
1.6.2.- A Itália Fascista;
1.6.3.- A Alemanha Nazista;
1.6.4.- O Brasil no final da década de 30 e início dos anos 40;
1.6.5.- A defesa costeira e a guerra marítima e aérea;
1.6.6.- A Campanha da FEB na Itália; e
1.6.7.- Conclusões.

2.- A ITÁLIA FASCISTA.

O jovem Luiz Alberto Moniz Bandeira, que posteriormente se tornaria o maior historiador brasileiro de todos os tempos, em outubro de 1969, no prefácio da obra do grande jurista pátrio, Alberto da Rocha Barros, ensinou que “o fascismo, ao contrário do que muitos imaginam, não constitui um fenômeno particular da Itália e da Alemanha que, em determinada época, ameaçou alastrar-se pelo mundo. Ele surge onde e quando o capital financeiro não mais consegue manter o equilíbrio da sociedade pelos meios normais de repressão, revestidos das formas clássicas da legalidade. Naturalmente, segundo as condições específicas de tempo e de lugar, o fascismo assume características e cores diferentes mas, no essencial, permanece como um tipo de Estado peculiar, um sistema de atos de força e de terror policial, de contra revolução permanente. É o regime da guerra civil declarada que se institucionaliza.” De fato, o fascismo foi o responsável pela criação dos neologismos “totalitarismo” e “totalitário”, com o que seus adeptos descreviam o poder absoluto do Estado, sob o controle de um homem voluntarioso, o “Duce”. O ditador totalitário comporta-se em solo pátrio como um conquistador estrangeiro. Assim, o regime totalitário objetiva o domínio absoluto da nação mediante o uso generalizado da violência do Estado contra a sociedade civil. A aceitação do poder absoluto do ditador vem bem caracterizada no juramento do “balila”, a juventude fascista, que impunha: “em nome de Deus e da Itália, juro seguir as ordens do Duce e de servir com todas minhas forças e, se necessário, com meu sangue, a causa da revolução fascista ”.Por sua vez, o decálogo do miliciano, em seu item 9, afirmava: “Mussolini ha sempre ragione ”. O fascismo, segundo Hobsbawm , não apenas negava Marx, mas também a Voltaire e a John Stuart Mill. Rejeitava igualmente toda a herança do iluminismo, da mesma forma que o socialismo e o comunismo. Politicamente, o fascismo apresentava-se como a contradição ao Estado democrático de direito. De fato, de acordo com Mussolini, “a liberdade não é um fim. É um meio. E como meio, deve ser controlada e dominada .” Da mesma forma, Hermann Goering, um dos próceres nazistas, chamava a moralidade cristã e o humanismo existencialista de “esses ideais estúpidos, falsos e doentios ”. Nesse sentido, Palmiro Togliati definiu o fascismo como “uma ditadura terrorista escancarada dos mais reacionários, chauvinistas e imperialistas elementos do capital financeiro .” O fascismo representava, realmente, os interesses da extrema direita e patrocinava um nacionalismo exacerbado. Mussolini, ademais, procurou expandir os interesses coloniais italianos manu militari, naturalmente. Mussolini tomou o poder através de um golpe de Estado, uma marcha de aproximadamente 25 mil milicianos a Roma, o que levou o Rei da Itália, Vitor Emanuel, em 28 de outubro de 1922, a pedir que o Duce formasse um governo de coalizão. Logo após, em 1925, foram conferidos ao governo, já exclusivo do fascismo, poderes extraordinários e o regime se tornou uma ditadura absoluta, sem oposição permitida e censura institucionalizada. Na ocasião, a Itália tinha cerca de 45 milhões de habitantes. Sua economia era ainda predominantemente agrícola. O setor industrial italiano representava menos de 33 por cento do Produto Interno Bruto e estava concentrado no norte do país. A renda per capita do habitante do sul da Itália, um território subdesenvolvido economicamente, não passava de 40 por cento do morador do norte do país. De mais a mais, a Itália saíra vitoriosa, mas com a economia destruída da 1ª Guerra Mundial. Sua balança comercial era negativa e seu balanço de pagamentos a duras penas se equilibrava com as remessas dos emigrantes italianos mundo afora. No pós-guerra, verificou-se um massivo desemprego, inflação e depressão econômica. Assim, a convulsão social resultante do quadro econômico propiciou a acessão ao poder de Benito Mussolini e seu movimento fascista. Em 1927, o governo fascista entrou em sua fase corporativista, com uma intervenção massiva do Estado na ordem econômica e no sistema bancário. Data desse ano a Carta Del Lavoro que dispunha, em seu artigo primeiro que “ a nação italiana… é uma unidade moral, política e econômica, que se realiza integralmente no Estado Fascista”. A situação do país só piorou com a chamada Grande Depressão mundial, a partir de 1929. A visão cultural do fascismo era medíocre. Segundo Giorgio Bocca, “a história ‘sem heróis’, como pesquisa crítica da verdade, de nexos sócio-econômicos e políticos, é desencorajada, a Idade Média não agrada, pois ‘das trevas’, não agrada nem menos o Renascimento, pois o seu caráter mercantilista e supranacional se apresenta herético… O único verdadeiro e grande amor do fascismo é aquele pelas tradições romanas, de uma maneira acrítica que confunde o reinado, república e império, bem como a sociedade cós costumes duros e fortes com aquela do luxo tirânico e do cosmopolitismo ”. Em 1935, 100 mil homens das forças armadas fascistas invadiram a Etiópia, uma das duas áreas da África que não haviam sucumbido ao imperialismo e depuseram o imperador Hailé Selassié. No dia 5 de maio de 1946 foi ocupada a capital, Addis Abeba. Na ocasião, Mussolini declarou: “a Itália finalmente tem o seu próprio império. Um império fascista, um império da paz, um império de civilização e de humanidade ”. As duras sanções econômicas aplicadas pela Liga das Nações sob a iniciativa do Reino Unido foram ridicularizadas pelo ditador italiano. Foi então intensificado o processo de colonização da Líbia . Em 1936, Mussolini comprometeu-se a colaborar com Franco, na guerra civil espanhola e enviou um contingente de 80 mil militares à península ibérica, em apoio ao fascismo espanhol contra as forças republicanas do governo democrático. Em 1939, tropas italianas depuseram o rei Zog da Albânia e ali instalaram a ordem imperial italiana. Tais ações naturalmente alienaram a Itália da comunidade das nações e tiveram o condão de a aproximar do outro vilão na ordem internacional, a Alemanha nazista. Em 1937, Mussolini aceitou um convite de Hitler para visitar a Alemanha. No mesmo ano, em novembro, a Itália assinou um pacto contra o comunismo internacional com a Alemanha e Japão. Em dezembro daquele ano, a Itália se retirou da Liga das Nações. Em 1939, Itália e Alemanha assinaram o chamado Pacto de Aço, uma aliança diplomática e militar, com características ofensivas e defensivas. Estava selado o futuro da Itália de curto prazo. Uma das páginas mais tristes da ditadura fascista na Itália diz respeito à política racista de Estado. Em 1938, sob a égide do Ministério da Cultura Popular, foi publicado um manifesto que inter alia afirmava: a) as raças humanas existem; b) há grandes e pequenas raças; c) o conceito de raça é puramente biológico; d) a população da Itália é de origem ariana em sua maioria e sua civilização é ariana; d) existe uma raça italiana; e) chegou o momento dos italianos se declararem racistas; f) os judeus não pertencem à raça italiana. Em 1939, a lei proibiu o casamento entre italianos e judeus; vetou o emprego de judeus em instituições financeiras, jornais e cartórios e limitou a atuação de judeus nas chamadas profissões intelectuais. Ademais, proibiu a frequência de judeus nas escolas pública e limitou o seu direito de propriedade. Após a eclosão da Segunda Guerra Mundial, a situação dos judeus na Itália piorou marcadamente. Segundo Michele Sarfatti, a partir de dezembro de 1943, “a grande maioria dos judeus na península foi aprisionada e depois transferida ao campo de triagem nacional da polícia italiana… para deportação principalmente ao campo de Auchwitz-Birkenau ”. Em 1944, todos os bens remanescentes em propriedade de judeus foram transferidos ao Estado . Nesse ponto, impõe que se mencione que o fascismo jamais obteve o consenso nacional italiano. Importantes forças sempre a ele se opuseram e, se não se manifestaram com maior vigor, isso é devido ao caráter da brutal ditadura imposta. O tenaz movimento de resistência armada é um exemplo contundente dessa situação. Também na sociedade civil, a oposição se fez sentir, como no caso do grande intelectual italiano, Benedetto Croce. A seu respeito, Antonio Gramsci observou: “enquanto tantos intelectuais perderam a cabeça e não sabiam se orientar no caos generalizado, renegavam o próprio passado, flutuavam na busca de quem fosse o mais forte, Croce permaneceu imperturbável na sua serenidade e afirmação de sua fé que, metafisicamente, o mal não pode prevalecer e que a história é racionalidade .”

3.- A ALEMANHA NAZISTA.

O grande economista inglês, John Maynard Keynes, ao comentar em 1919 o Tratado de Versailles, celebrado ao final da Primeira Guerra Mundial, que ocorreu entre 1914 e 1918, afirmou que “ao lado de outros aspectos da transação, acredito que a campanha para obter da Alemanha a reposição integral do custo da guerra foi um dos atos mais sérios de imprudência política cometido pelos nossos estadistas .” De fato, continua Keynes, “nem sempre as pessoas aceitam morrer de fome em silêncio: algumas são dominadas pela letargia e o desespero, mas outros temperamentos se inflamam, possuídos pela instabilidade nervosa da histeria, podendo destruir o que resta da organização social, e submergindo a civilização com suas tentativas de satisfazer desesperadamente as necessidades individuais. É contra esse perigo que todos os nossos recursos, nossa coragem e idealismo devem cooperar .” Ninguém anteviu com tanta clareza, precisão e discernimento as condições propícias para o surgimento do nazismo na Alemanha como o grande economista inglês. Tal ambiente favoreceu a sedimentação da liderança de Adolf Hitler e do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (Partido Nazista), muito embora inexistisse um programa partidário ou uma ideologia que se pudesse apresentar ao povo alemão. Ao invés, a ação do partido era fundada na demagogia mais escabrosa, nos preconceitos mais vis e em promessas cínicas e insubsistentes. Em sua obra básica, Mein Kampf, Minha Luta, Adolf Hitler assim apresenta sua cosmovisão: “O Partido Nazista apropria-se nas características iniciais do pensamento fundamental de uma concepção geral racista do mundo; e, tomando em consideração a realidade prática, o tempo, o material humano existente, com as suas fraquezas, forma uma fé política, a qual, por sua vez, dentro desse modo de entender a rígida organização das massas humanas, autoriza a prever a luta vitoriosa dessa nova doutrina .” O que importava a Hitler, mais do que um conjunto básico de ideias expostas numa plataforma política, era o caminho ao poder, o que evidenciava o seu oportunismo. Como observou o historiador inglês, Ian Kershaw, opositores de Hitler frequentemente subestimaram o dinamismo do ideário nazista devido ao seu caráter difuso e ao cinismo de sua propaganda . Hitler tinha “uma mensagem de redenção nacional. Num cenário econômico sombrio e miséria social, ansiedade e divisão, permeiado de percepções de falência e incompetência dos aparentemente pequenos políticos, tal mensagem foi poderosa .” Leon Trotsky, um expoente intelectual da Revolução Russa e fundador do Exército Vermelho, comentou com aguda percepção, que “o nacional-socialismo desce muito mais: do materialismo econômico para o materialismo zoológico”. O Nazismo recolhia “todo o lixo do pensamento político internacional… para com ele fazer o tesouro intelectual do novo messianismo alemão .” Em 1933, a Alemanha sofria não apenas as consequências econômicas da paz de Versailles, como também os efeitos da grande depressão econômica iniciada nos Estados Unidos da América (EUA) em 1929, inclusive a hiperinflação e o desemprego massivo. Naquela época, sua população era de cerca de 65 milhões de pessoas. O caos político social e político resultante da desordem econômica e social foi o suficiente para que as hordas nazistas exigissem nas ruas e nos gabinetes, com a violência típica, a indicação de Hitler como primeiro ministro, o que foi feito. Nas eleições parlamentares alemãs subsequentes, de março de 1933, o Partido Nazista obteve 43.9% dos votos, o que lhe assegurou 288 das 647 cadeiras do Reichstag, o parlamento alemão. Os resultados das eleições permitiram a plena assunção de postos chaves do governo por membros do Partido Nazista. Foi então colocada em prática uma economia até certo ponto keynesiana, com bastante sucesso, tendo sido então iniciada a sistemática deconstrução da ordem democrática, o repúdio às restrições impostas pelo Tratado de Versailles, a implementação da legislação racista e o expansionismo militar. O primeiro ministro da economia de Hitler, Hjalmar Schacht dirigiu o dispêndio estatal para o rearmamento, dedicando 10% do produto interno bruto a tal fim, e à construção de obras públicas, como estradas. Para financiar tais dispêndios, foram introduzidos os chamados títulos Mefo. Sem reservas em moedas estrangeiras , a Alemanha recorreu à moeda escritural para compensar operações de escambo e buscou a substituição de importações pelos produtos domésticos. Tal política econômica teve o apoio dos grandes grupos empresariais alemães, beneficiados pelos pedidos de compra e pelos grandes contratos públicos. A economia passou a crescer muito e o desemprego diminuiu drasticamente. O setor imobiliário cresceu 3 vezes e a indústria automobilística, muito encorajada pelo governo, ganhou um enorme impulso. Os sindicados perderam a liberdade. As greves foram banidas. Os partidos políticos foram fechados. Toda oposição ao regime foi proibida. A liberdade de pensamento expressão foi eliminada. A censura foi aplicada em todos os setores da imprensa ou da expressão. Queimaram-se até os livros do poeta Heinrich Heine, que observou com muita propriedade: “lá onde os livros são queimados, no final queimam-se os homens .” Carl Schmitt, o principal teórico jurídico do regime nazista apontou três princípios básicos a governar a nova ordem legal, quais fossem o Estado, o movimento e o povo. O Estado era conduzido pelo movimento, ou seja, o Führer, o líder, ao passo que o povo era o sujeito passivo da ação do primeiro . Schmitt, ademais, suprimiu o conceito de Homem no Código Civil alemão, substituindo-o por “sangue germânico” e “honra alemã”, que se tornaram os princípios básicos do direito alemão . Segundo alguns desatinados especialistas legais alemães, dentre as fontes do direito alemão situavam-se os planos do Führer (sic). De acordo com Schimitt, o Führer não era o agente da nação, mas o seu mais alto magistrado e mais alto legislador . O racismo foi um dos pilares do ideário nazista e responsável por uma das páginas mais sombrias da História. Hitler tratou amplamente do tema em sua obra . A raça ariana era considerada superior enquanto as demais vistas como sub-humanas ou monstruosas. A perseguição dos judeus tornou-se política oficial de Estado a partir de 1933, com a exclusão daqueles dos empregos públicos. Em 1935, foram aprovadas as chamadas Leis de Nuremberg, que inter-alia revogaram a cidadania alemã dos judeus. Em 1936, 1937 e 1938 os judeus foram excluídos de todas as profissões regulamentadas. A partir de 1941, a população judaica alemã foi transferida para os infames campos de concentração e de extermínio no leste europeu. Um programa de eliminação física dos judeus e de outros segmentos percebidos como inimigos do Reich foi colocado em prática em 1942. A partir de 1936, tal modelo começou a se esgotar e o governo alemão orientou o seu planejamento econômico para a guerra. No início de 1938, Hitler promoveu a invasão não resistida da Áustria, promovendo a unificação com a Alemanha, ou Anschluss, ação contemplada em Mein Kampf, como uma “questão de vida ou morte”. Começaram a seguir os nazistas a colocar em prática a doutrina da expansão para o leste, na busca do chamado espaço vital, lebensraum, igualmente objeto da obra de Hitler . A região dos Sudetos, na Checoslováquia, com importante população de minoria alemã, foi objeto da cobiça nazista e integrada ao Reich em 1938, com a complacência dos ingleses e franceses . Seguiu-se a ocupação militar do resto do país e a criação de um “protetorado” . Em 1939, Hitler decidiu implementar o plano de invasão da Polônia na busca de mais espaço vital para o Reich alemão. Para tanto, a diplomacia nazista, liderada por Joachin von Ribbentrop, celebrou um pacto de não agressão com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), representada por Vyacheslav Molotov, ministro dos assuntos estrangeiros, em 24 de agosto daquele ano. No 1º de setembro de 1939, as forças nazistas invadiram a Polônia. Dois dias após, a República Françesa e o Reino Unido declaravam guerra à Alemanha. Começava na Europa a Segunda Guerra Mundial . Entre a primavera e o verão de 1940, a Alemanha ocupou a Dinamarca, derrotou a França e a Força Expedicionária Britânica, ocupando Paris no dia 14 de junho, tendo levado de roldão a Bélgica, Luxemburgo e a Holanda. O General Charles de Gaulle estabeleceu, em Londres, um governo francês no exílio. O predomínio da marinha inglesa no Atlântico impedia fosse feito o regular abastecimento da Alemanha, com as matérias primas necessárias ao normal funcionamento de sua economia. Anteriormente, havia sido ocupada a Noruega e instaurado um regime simpatizante aos nazistas neste país. Mussolini declarou guerra à França e ao Reino Unido depois da derrota das forças destes países pelas tropas nazistas , no teatro de guerra francês, levado por um grande senso de oportunismo. A Grécia rendeu-se às forças ítalo-germânicas, após uma resistência heróica, e foi ocupada no início de 1941. Um ano após a rendição francesa, em 22 de junho de 1941, Hitler desencadeou a operação Barbarossa e invadiu a URSS, com 140 divisões de exército e alcançou impressionantes sucessos iniciais, ocupando a parte oeste do país e chegando a Leningrado e a poucos quilômetros de Moscou. A frente de batalha inicial tinha 1.500 quilômetros e se expandiu para 2.500 antes do final daquele ano. No dia 7 de dezembro de 1941, em seguida a um boicote econômico e financeiro que se provara eficaz, as forças japonesas atacaram a principal base dos EUA no Oceano Pacífico, no Havaí, destruindo uma grande parte da frota americana e de sua força aérea, trazendo dessa maneira os americanos ao conflito mundial em conjunção com os aliados. Alastrava-se então o conflito armado, que atingiu uma escala global sem precedentes.

4.- O BRASIL NO FINAL DA DÉCADA DE 30 E INÍCIO DOS ANOS 40.

Em 30 de outubro de 1930 foi deposto o presidente Washington Luís por um movimento armado, chamado tenentista, de cunho corporativista. Inspirado até certo ponto pela filosofia positivista, segundo Nelson Werneck Sodré, o tenentismo era “superficial… e modesto em suas reivindicações. Começava por supor que tudo dependia dos homens que estavam no poder e que a simples substituição deles levaria a resultados significativos .” O País, então com aproximadamente 37 milhões de habitantes, passava por grave crise econômica e social decorrente dos reflexos da quebra dos mercados financeiros internacionais de 1929. Caíram dramaticamente as exportações do café, principal produto brasileiro e o balanço de pagamentos encontrava-se grandemente deficitário. As classes dominantes, anteriormente unidas, se cindiram e os políticos fora do eixo tradicional do poder, situado em São Paulo e Minas, principalmente no Rio Grande do Sul, uniram-se para mais um levante militar. A 3 de novembro de 1930, Getúlio Vargas, o líder do movimento, e ex-ministro da fazenda de Washington Luís, entrou na capital federal, o Rio de Janeiro, à frente das tropas revolucionárias comandadas pelo General Góis Monteiro. Getúlio declarou na ocasião estar “assumindo provisoriamente o governo da República, como delegado da Revolução, em nome do Exército, da Marinha e do Povo .” Interventores, quase todos tenentes, foram nomeados para governar os estados federados brasileiros. Segundo Leôncio Basbaum, Getúlio muito se interessava no apoio dos tenentes e a eles tantas concessões fazia, porque “com farda ou sem ela representavam duas grandes forças reunidas: a militar e a demagógica. Militarmente, eles dominavam o exército, pela sua proximidade com a tropa, podendo a qualquer momento levantá-la ”. Queriam os tenentes “o fascismo, o governo forte, a luta de morte contra o comunismo e as veleidades revolucionárias das massas ”. A chamada Revolução Constitucionalista de São Paulo, em 9 de julho de 1932, objetivava a retomada do poder pelos chefes do Partido Republicano Paulista (PRP), do qual haviam sido alijados por Getúlio Vargas. Adotaram os paulistas a bandeira constitucionalista, que refletia o anseio nacional, o qual era temperado pela profunda crise econômica e pelos desmandos políticos e administrativos da ditadura. Vencida a rebelião paulista e com o resultante prestígio político adquirido, Getúlio pôde realizar eleições, levadas a efeito em maio de 1933, nas quais pela primeira vez as mulheres e os maiores de dezoito anos tiveram o direito ao voto, com base em novo registro eleitoral e supervisão da Justiça Eleitoral . A Constituição de 1934 tinha um perfil burguês e, até certo ponto, liberal, com importantes influências de marcado caráter fascista. A nova Constituição contemplava a eleição indireta do presidente da República, havida em 17 de julho de 1934, que recaiu sobre a pessoa de Getúlio Vargas, com mandato até 1938, criava deputados classistas, bem como ratificava todos os atos do regime ditatorial. Seus efeitos seriam suspensos já em 1935, em virtude do estado de sítio então decretado, que perdurou até a decretação do Estado Novo, em 1937. Na manhã de 10 de novembro de 1937, Getúlio Vargas deu um putsch, um auto golpe, dissolvendo o Congresso Nacional por ação da polícia, evitando a presença ostensiva do exército . Às 10 horas do dia seguinte, foi assinada a nova carta constitucional, minutada em sua maior parte por Francisco Campos, homem com fortes inclinações fascistas. Getúlio assumia todo o poder para si próprio, governando por decreto . Conforme observou Basbaum, “ a nova Constituição dispensava… o Congresso, o sistema representativo, enquadrando-se no sistema ditatorial fascista que enfeixava em uma só mão os poderes legislativo e executivo. E, como se viu mais tarde, com o Tribunal de Segurança, também o Judiciário .” Em dezembro de 1937, foram fechados os partidos políticos. A censura foi institucionalizada. Estava criado o Estado Novo, designação tomada por empréstimo do melancólico Portugal do sanguinário ditador Antonio Salazar, e que, segundo Thomas E. Skidmore, “representava a versão brasileira abrandada do método fascista europeu ”. Diferentemente do fascismo europeu, Getúlio não se apoiara em nenhum partido fascista em particular e não perseguia uma política racista, de resto não apenas insana, mas de muito difícil implementação num país multirracial como o Brasil. Assim Getúlio explicou a questão dos direitos e liberdades individuais na constituição de 1937: “o Estado Novo não reconhece direitos de indivíduos contra a coletividade. Os indivíduos não têm direitos, têm deveres! Os direitos pertencem à coletividade! O Estado, sobrepondo-se à luta de interesses, garante os direitos da coletividade e faz cumprir os deveres para com ela .” O Estado Novo, “na fase ascensional do fascismo, tomava a este as suas exterioridades mais tristes. Mais se o fascismo italiano e o nazismo alemão correspondiam a uma etapa capitalista plenamente desenvolvida, o Estado Novo deveria corresponder a uma etapa capitalista inicial. As contradições de que surgiu o Estado Novo, e as que se mantiveram ou apareceram na sua vigência, apresentaram-se com uma complexidade que o aparato policial, a brutalidade repressiva e a extremada centralização apenas disfarçaram .” Durante os anos 30, os dois grandes partidos de massa no Brasil foram o Partido Comunista Brasileiro, que se apresentava como a Aliança Nacional Libertadora, proscrito em 1935, e a Ação Integralista (AI). Dentre os partidos fechados em dezembro de 1937 estava a Ação Integralista, liderada por Plínio Salgado, partido brasileiro de inspiração fascista, e com grande proximidade ao governo de Getúlio. Dentre os próceres da AI estava Miguel Reale , “um de seus elementos mais radicais ”. Segundo Sá Motta, “o integralismo possuía uma doutrina semelhante à fascista .” Seus jornais elogiavam frequentemente a Mussolini e Hitler, “muito embora os integralistas gostassem de frisar que seu movimento era nacionalista, autenticamente brasileiro e inspirado na cultura nacional .” Ao invés de camisas negras ou marrons, usavam as de cor verde. Em 1937, o ministro das Relações Exteriores fascista, Galeazzo Ciano, decidiu subsidiar financeiramente a Ação Integralista , antes do putsch de Getúlio Vargas, pelas identidades ideológicas e também porque o candidato daquele partido para as eleições presidenciais programadas, e depois frustradas, Plínio Salgado, para aquele ano era um dos favoritos. Inconformados com o fechamento dos partidos, a Ação Integralista tentou um frustrado golpe de Estado, assaltando o Palácio Guanabara em maio de 1938. Os chefes principais da revolta integralista tiveram a fuga para o exterior organizada pelo embaixador italiano, Vicenzo Lojacono, para a Itália, forjando para tanto a necessária documentação. Miguel Reale “parte clandestinamente, em 2 de julho de 1938, no navio italiano Augustus com destino a Genova, sob a falsa identidade de Giovanni Sbraglia, cidadão italiano .” Os governos da Alemanha e Itália resolvem trabalhar com o Estado Novo, saudado nestes países. Ambos os países tinham largos contingentes de cidadãos no Brasil. A colônia italiana era estimada em 1940 em cerca de 3 a 5 milhões de pessoas de origem peninsular, de acordo com estimativas privadas, ou aproximadamente 12% da população do Brasil no período, metade das quais no Estado de São Paulo, que tinha a economia mais desenvolvida do País. Somente o Estado de São Paulo tinha cerca de 360 jornais em língua italiana , o Rio de Janeiro, 64, e o Rio Grande do Sul, 53. O Brasil tinha na ocasião cerca de 400 escolas italianas , de iniciativa dos imigrantes e seus descendentes e de ordens religiosas, e não dos governos italiano e/ou brasileiro. Esse número excedia em mais de 2 vezes aquele combinado das escolas italianas na Argentina e nos EUA. Por sua vez, a colônia alemã no Brasil era estimada, em 1940, entre 700 e 900 mil pessoas. Havia 937 escolas alemãs no Rio Grande do Sul em 1930. A imprensa alemã também se propaga. O jornal Deutsche Zeitung atinge uma tiragem de 55 mil exemplares diários em 1928 . Em abril de 1939, foram fechados os jornais estrangeiros. Em novembro do mesmo ano, foi nacionalizado o ensino no Brasil . Por sua vez, o número de imigrantes japoneses e seus descendentes, em 1940, era estimado em cerca de 650 mil pessoas, a maioria das quais no Estado de São Paulo, sendo 214.636 os imigrantes originais e, os demais, seus descendentes. Os imigrantes japoneses e descendentes tinham 294 escolas nipônicas , apenas em São Paulo, dezenas de jornais, um hospital, o Nippon Byoin, o Hospital Japão. Na ocasião, por volta de 1941, o número combinado dos cidadãos dos países do Eixo no Brasil era, portanto, de aproximadamente 6 milhões e quinhentas mil pessoas, ou quase 16% da população total. De mais a mais, o processo de miscigenação racial, típico fenômeno brasileiro, já se fazia notar, particularmente com membros da comunidade italiana. A situação econômica do Brasil se deteriorava de forma substancial. Crescia o déficit do balanço de pagamentos, em função da queda dramática do saldo da balança comercial, devido à diminuição dos preços internacionais das mercadorias agrícolas. Getúlio Vargas declara a moratória unilateral da dívida externa em 1938, perdendo o Brasil o acesso aos mercados financeiros voluntários internacionais. Temia-se, no Brasil, uma potencial iniciativa alemã de indução à separação dos 3 estados do sul do País para a criação da chamada Alemanha Antártica, devido à alta concentração de população de origem alemã naquela área do território nacional e à ação de partidos filo-nazistas. Com a deflagração da Segunda Guerra Mundial, em 1º de setembro de 1939, o Brasil se distancia gradativamente dos países do Eixo, mais afins ideologicamente do regime do Estado Novo, e se aproxima dos EUA, que indisfarçadamente apoiava a França e a Inglaterra no conflito. Essa opção foi feita por razões econômicas e financeiras, já que os EUA eram o maior parceiro comercial do Brasil na ocasião. De mais a mais, eventuais exportações brasileiras para Alemanha e Itália estavam sujeitas ao bloqueio da marinha britânica. Por outro lado, o déficit no balanço de pagamentos e a perda de acesso aos mercados financeiros voluntários de crédito, este por força da moratória, levou o Brasil, forçosamente, a uma política de substituição de importações, o que representou um incremento substancial da indústria leve no País. Por sua vez, aumentou a intervenção direta do Estado em ferrovias, navegação e indústrias básicas, como petróleo e aço . A diplomacia dos EUA, antevendo a entrada do país no conflito mundial e a necessidade da cooperação do Brasil no fornecimento de produtos estratégicos e na facilitação de bases no Atlântico Sul, aproximou-se do governo Vargas, largamente criticado em sua imprensa, pelo viés fascista. Em 1940, foi oferecida ao Brasil uma linha de crédito do Eximbank americano para a indústria de base. A partir de junho de 1940, o Brasil começa a discutir com os americanos uma eventual cooperação militar na eventualidade de o conflito armado mundial alastrar-se para o continente. Nessa eventualidade, os americanos queriam facilidades e garantir a proteção das regiões do Rio de Janeiro, Salvador, Natal, Fortaleza, São Luís, Teresina, Recife e Belém . Temiam os americanos tanto uma incursão armada do Eixo na região, como movimentos separatistas de cidadãos do Eixo no País. Vargas, no entanto ainda relutava e buscava realizar uma política de equilíbrio que lhe permitisse tirar proveito das contradições entre os diversos imperialismos. Os americanos viam a posição de Vargas com desconfiança. A recíproca era igualmente verdadeira. Todavia, a partir de maio de 1941, Vargas adota uma postura de conformidade com aquela dos EUA na questão da defesa continental e orienta sua diplomacia a buscar o apoio dos demais países latino americanos, realizando em junho daquele ano a conferência pan-americana no Rio de Janeiro com aquele objetivo. Na ocasião, o chanceler brasileiro, Oswaldo Aranha, velho amigo e colega de Vargas na faculdade de direito de Porto Alegre, alertara o ditador brasileiro, a respeito da proclamada intenção de neutralidade da Argentina, que o Brasil dependia mais dos EUA (quatro quintos do café exportado, empréstimos) que o país da Bacia do Prata . Um dia após o ataque japonês a Pearl Harbour, o governo de Vargas declarava a solidariedade aos EUA. Por sua vez, no dia 11 de dezembro de 1941, Alemanha e Itália declararam guerra ao país americano. Em 28 de janeiro de 1942, ao final do encontro de chanceleres continentais, realizado no Rio de Janeiro, a maioria concordou em romper relações com o Eixo, com a exceção de Argentina e Chile . Na mesma data, o Brasil rompeu relações com os países do Eixo e a imediatamente Alemanha declara estado de beligerância contra o Brasil. Na ocasião, o Chanceler brasileiro, Oswaldo Aranha, declarou, com a honestidade atípica num diplomata, que “não foi Getúlio, nem fui eu, nem foi ninguém que nos forçou a romper relações. Foi a nossa posição geográfica, a nossa economia, a nossa história, a nossa cultura, enfim, a condição nossa de vida e a necessidade de procurar sobreviver .” Em 3 de março de 1942, Os EUA firmaram um acordo Lend-Lease, Empréstimo-Arrendamento, com o Brasil o qual contemplava o fornecimento de armas e munições de guerra no expressivo valor, para a época, de 200 milhões de dólares , com uma redução de 65% de seu valor real e em condições de crédito vantajosas . Em seguida, foram celebrados acordos permitindo a presença de tropas americanas na região nordeste do Brasil. Foi também criada a Comissão Técnica Militar Mista com representantes dos dois países. Naquele momento, o Exército do Brasil tinha um contingente de apenas aproximadamente 66 mil soldados, organizados em 5 divisões de infantaria, das quais 3 foram transferidas para o nordeste, sob o comando do General Leitão de Carvalho . O restante da tropa ficaria, como de hábito, na fronteira do País com a Argentina, então percebida como o principal inimigo potencial do Brasil. Por sua vez, a Força Aérea Brasileira (FAB), uma arma independente desde 1941, conseguia estar mais mal equipada que o Exército, possuindo cerca de 200 aeronaves, poucas das quais de combate e nenhuma delas moderna. De qualquer maneira, a FAB transferiu para bases situadas no nordeste do país contingentes equipados com material capaz de fazer reconhecimento marítimo, sob o comando do Brigadeiro Eduardo Gomes . Foram criadas bases aéreas em Amapá, Belém, São Luís, Fortaleza, Natal, Recife, Maceió, Salvador e Caravelas, todas elas da maior importância para as operações da aviação militar. Essas eram relacionadas com a proteção dos fluxos de navegação marítima, tanto doméstica quanto internacional, bem como com a campanha anti-submarinos ao longo do extenso litoral brasileiro . Em contraste com a situação do Exército e da FAB, a Marinha do Brasil encontrava-se em situação bastante melhor, com o programa de rearmamento em franco progresso. Isso tinha a ver com a tradicional capacidade brasileira de construção naval estabelecida em território nacional. Em 1937, o Brasil havia recebido três novos submarinos de fabricação italiana , que se somaram a um outro, de 1929, da mesma procedência. Contudo, tais submarinos não puderam ser utilizados nas operações militares que se seguiram, restringido o seu uso ao adestramento, para evitar o risco de serem confundidos com aqueles do regime fascista italiano , o que nos dá uma veemente lição histórica de mais um motivo para não adquirir armas de inimigos potenciais ou de fontes pouco confiáveis, por qualquer motivo que seja. A frota brasileira tinha ainda 9 modernos navios torpedeiros (destroyers) de desenho americano e inglês, lançados entre 1940 e 1941 e outras unidades de menor porte. A nave capitânea da frota brasileira era o encouraçado Minas Gerais, que era assemelhado ao encouraçado São Paulo, ambos construídos por volta de 1910, sendo que o primeiro havia sido modernizado em 1939 . Em Setembro de 1941, o Brasil ofereceu o uso das bases do Recife e Salvador à Força Atlântico Sul da marinha dos EUA, comandada pelo Almirante Jonas Ingram. A Marinha do Brasil começara já a adestrar os navios mercantes brasileiros a viajar em comboio, usando as embarcações da classe Carioca como escolta . É de se ressaltar que, no início dos anos 40, o transporte de carga e de passageiros entre o sul e o norte/nordeste do Brasil ainda era feito por via marítima, tal qual nos tempos do Império. Assim, o bom funcionamento do transporte marítimo brasileiro era uma questão estratégica decisiva, já que em risco estavam não apenas o comércio exterior, mas igualmente as comunicações domésticas.

5.- A DEFESA COSTEIRA E A GUERRA MARÍTIMA E AÉREA

Com a mera ameaça de beligerância vinda da embaixada alemã, quando do rompimento das relações diplomáticas entre o Brasil e os países do Eixo, em 28 de janeiro de 1942, a Alemanha principalmente, mas também a Itália, desencadearam uma guerra marítima contra os meios de transporte marítimo brasileiro, tendo o cuidado de excluir ataques aos portos brasileiros. A longa costa brasileira, com 7.4 mil quilômetros de extensão, é sabidamente ainda hoje muito difícil de proteger. Em função dos riscos de transporte e do estado de beligerância, houve uma crise de abastecimento no País, inclusive de itens essenciais, como o combustível, trazendo no seu bojo a carestia e a inflação. Em maio de 1942, o cargueiro Comandante Lyra foi torpedeado no Cabo São Roque, por um submarino italiano, o Barbarigo , que foi posteriormente atacado por um bombardeiro B-25 Mitchell da Força Aérea Brasileira. No início de junho de 1942, mais 3 embarcações cargueiras, ou de caráter misto, da marinha mercante do Brasil, dentre as quais se contavam as naves Alegrete e Paracuri, foram afundadas por submarinos alemães e italianos ao largo da costa brasileira. Em julho, foram afundados o navio Tamandaré e mais o Barbacena e o Piave. Entre os dias 18 e 19 de agosto de 1942, foram afundados pelo submarino alemão U-507 cinco cargueiros brasileiros, o Arará, Baependi, Aníbal Benévolo, Itagiba e Araraquara, com aproximadamente 650 mortes dentre tripulantes e passageiros. Era grande a indignação da opinião pública nacional. Para o dia 4 de julho de 1942, a data nacional dos EUA, a heróica União Nacional dos Estudantes (UNE) convocou uma demonstração de solidariedade em frente à embaixada daquele país americano. Setores do governo Vargas representados pelo chefe de polícia do Rio de Janeiro, Filinto Müller, movimentaram-se para impedir o ato, que ocorreu finalmente sem incidentes e com grande e espontânea adesão popular. Em 22 de agosto de 1942, o Brasil reconhece oficialmente o estado de beligerância e, em seguida, declara guerra à Alemanha e Itália no dia 31 de agosto. Conforme bem observam Ruy e Buonicore, “o longo tempo passado entre o início do torpedeamento dos nossos navios e a decretação de guerra mostra as vacilações que ainda existiam no interior do governo .” Contudo, a declaração de guerra contra o Japão somente foi feita em junho de 1945, ou seja, menos de dois meses antes do fim do conflito militar contra as forças nipônicas. Nesse sentido observa Seintenfus com propriedade, “a partir da entrada do Brasil na guerra, a situação do governo Vargas, em particular a do presidente-ditador, torna-se desconfortável. Getúlio combate oficialmente contra o Eixo pela liberdade e pela democracia, ao mesmo tempo que mantém o país sob um regime ditatorial, cópia empalidecida das ditaduras européias . A declaração de guerra do Brasil às potências do Eixo foi tão mais significativa porque ocorreu num momento em que as forças nazistas e fascistas prevaleciam no conflito, ocupando praticamente todo o continente Europeu. A virada decisiva na 2ª. Grande Guerra Mundial em favor dos aliados viria a ocorrer somente a partir do dia 31 de janeiro de 1943, quando as forças do Eixo se renderam após a batalha de Stalingrado, na frente oriental, às tropas do Exército Vermelho . Poucos dias após a declaração de guerra, mais três navios mercantes brasileiros foram afundados: o Osório, o Lajes e o Antonico, todos ao largo da região norte do Brasil. Mais para o final do ano de 1942, o Porto Alegre foi afundado na costa da África do Sul e o Apalóide, no mar do Caribe. Diversos outros ataques frustrados foram realizados por submarinos alemães e italianos. Imediatamente após a declaração de guerra, a FAB organizou patrulhas anti-submarinos e a Marinha do Brasil organizou um sistema de comboios. A FAB estava a receber já novos aviões dos EUA sob o regime lend-lease, para fins de guerra anti-submarino, dentre os quais Lockheed A-28ª Hudsons, North American B-25 Mitchells e hidroaviões Catalina . Apenas para fins de treinamento, os EUA forneceram ao Brasil, só para a Escola de Aeronáutica, de 1942 a 1944, mais de trezentos aviões de instrução . No período, a FAB formou, no Brasil, 558 oficiais aviadores e, nos EUA mais 281, num total de 839. Em 2 de março de 1942, foi criada a Base Aérea de Natal, em Parnamirim, aproveitando-se de uma pequena infraestrutura civil já existente no local. Essa base tornou-se responsável por um triângulo que defrontava o teatro de operações meridional, compreendendo o Sul da Europa, o Norte da África, o Caribe e a costa brasileira. A base de Parnamirim tornou-se uma das mais movimentadas do mundo, sendo por algum tempo a principal e a mais movimentada base americana fora das fronteiras dos EUA. O patrulhamento aéreo em proteção aos comboios marítimos representou um grande esforço para a FAB. Milhares de horas de voo eram realizadas mensalmente, de dia e de noite, muitas vezes em condições de mal tempo e em áreas distantes centenas de quilômetros do litoral, em busca dos submarinos, que muito raramente eram avistados . Por sua vez, os comboios organizados pela Marinha do Brasil, foram protegidos por duas forças navais brasileiras, a Força Naval do Nordeste, que contava como os cruzadores Bahia e Rio Grande do Sul, quatro vasos de escolta da classe Carioca, e um número de embarcações de patrulha e ataque fornecidas pelos EUA, e a Grupo Patrulha do Sul. O Comandante em Chefe da Marinha do Brasil era o Almirante Dodsworth Martins, ao passo que a Força Naval do Nordeste era liderada pelo Almirante Alfredo Soares Dutra. O Grupo Patrulha Sul era chefiado pelo Comandante Ernesto de Araújo. Os comboios que viajavam ao longo da costa brasileira, para o norte, eram escoltados até o Recife pela Marinha do Brasil. A partir do Recife, eram escoltados por unidades americanas baseadas no Brasil, até a ilha de Trinidad, no Caribe, de onde eles passavam a integrar o sistema de comboio do hemisfério norte, de responsabilidade dos americanos. No sentido sul, o procedimento era invertido. A cobertura aérea era feita desde Belém, no Pará, até a Bahia, por unidades da FAB e americanas baseadas no Brasil. De 1942 até 1945, os poucos navios da Marinha do Brasil “participaram da escolta interaliada de 251 comboios e efetuaram 195 de escolta exclusivamente brasileira. Conduziram a porto seguro 2881 navios aliados, totalizando 14 milhões de toneladas, por 3.895 milhas de oceano, entre o Rio Grande e Trinidad, nas Caraíbas …” Em 28 de janeiro de 1943, o presidente dos EUA, Franklin Delano Roosevelt, veio a Natal, no Brasil, para um encontro com o Presidente Getúlio Vargas para tratar de questões estratégicas e também atinentes à cooperação militar e a campanha conjunta a ser desenvolvida. Na ocasião, acertou-se a participação de tropas brasileiras no teatro de guerra europeu, por iniciativa de Getúlio Vargas. Segundo Boris Fausto, “a decisão de enviar os contingentes – exemplo único entre os países latino-americanos – resultou de fatores combinados, entre eles o interesse do governo Vargas em reforçar seu prestígio, considerando-se o entusiasmo da opinião pública pela iniciativa; o desejo de ter uma posição importante nas negociações do pós-guerra, especialmente no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), de cuja organização as grandes potências já cogitavam ”. Vargas via também a participação de tropas brasileiras no conflito mundial projetando uma perspectiva histórica como parte de seu projeto de construção nacional, pois pretendia, como de fato veio a fazer posteriormente, que tropas de todo o Brasil tomassem parte na força expedicionária a ser formada, de maneira que toda a nação pudesse se orgulhar dos seus feitos . Da mesma maneira, Getúlio e Roosevelt cuidaram da cooperação civil, econômica, financeira e comercial entre os dois países durante o conflito militar. Essa cooperação não foi, como se poderia imaginar à primeira vista, unilateral por parte dos EUA, já que o Brasil também fez suas contribuições, como ceder muitos dos nossos limitados navios cargueiros para o transporte de mercadorias aos EUA. No curso de 1943, 3 modernos destroyers construídos nos estaleiros do Rio de Janeiro, Greenhalgh, Marcílio Dias e Maris e Barros, foram incorporados à esquadra brasileira. Imediatamente em seguida, 8 destroyers foram transferidos pelos americanos à Marinha do Brasil . Com o aumento do poder de fogo de nossa Marinha de Guerra, maiores responsabilidades foram a ela transferidas no teatro de operações do Atlântico Sul. Por sua vez, a FAB havia organizado suas patrulhas anti-submarinos em três grupos de esquadrões, baseados em Belém do Pará, o 1º. Grupo, na Base Aérea do Galeão, no Rio de Janeiro, o 2º. Grupo, e em Florianópolis, em Santa Catarina. Esses esquadrões recebiam constantemente novos equipamentos sob o regime Lend-Lease, inclusive os Lockheed PV-I Venturas . O Brasil perdeu 34 navios na 2ª. Guerra Mundial, sendo que 33 foram a pique após o rompimento de relações diplomáticas com os países do Eixo, em 28 de janeiro de 1942, e o início do estado de beligerância unilateral posto em prática por estes países. Dos nossos navios afundados, 3 eram vasos de guerra e, os demais, navios mercantes ou mistos pertencentes ao Lloyd Brasileiro, o Lloyd Nacional e a Costeira. Durante a 2ª Guerra Mundial, a marinha mercante brasileira perdeu mais de um terço de sua tonelagem bruta, num total de 150.209 toneladas, das quais 73% pertencentes ao Lloyd Brasileiro. Por sua vez, os países aliados perderam o expressivo número de 49 navios no litoral brasileiro, no período correspondente. Por outro lado, conforme levantamento do Almirante Arthur Oscar Saldanha da Gama, realizado nos arquivos do Comando Alemão de Submarinos, constatou que “ao todo foram registrados 66 ataques da Marinha brasileira a submarinos alemães no Atlântico Sul, que resultaram em danos ou no afundamento de 18 submarinos no litoral brasileiro, dos quais nove – o U-128, U-161, U-164, U-199, U-513, U-590, U-591, U-598 e o U-662 – foram oficialmente registrados pela Marinha alemã como tendo sido afundados pela Marinha brasileira ”.

6.- A CAMPANHA DA FEB NA ITÁLIA.

Em 31 de agosto de 1942, quando da declaração de guerra brasileira à Alemanha e à Itália, o Exército do Brasil tinha cerca de 18 mil homens no nordeste do País, um contingente tão limitado que escassa proteção poderia oferecer apenas às bases aéreas. No entanto, o Exército Brasileiro não tinha a menor intenção de passar a guerra restrito ou limitado à defesa doméstica . Com o acordo fechado entre Getúlio Vargas e Franklin Delano Roosevelt em janeiro de 1943 a respeito do envio de tropas brasileiras ao teatro de guerra europeu, foi enviado ao Brasil, pelos EUA, o General Ord, com o fim de negociar os detalhes da participação do Brasil. Ele chegou à conclusão de que o Brasil estava determinado para a luta e que as tropas brasileiras teriam um bom desempenho, com um adestramento de quatro a oito meses . Getúlio Vargas ainda acedeu em colocar as tropas brasileiras sob a direção estratégica do Exército dos EUA. Foi atingido um acordo com os EUA quanto a um número de 60 mil combatentes brasileiros para o teatro de guerra europeu, um corpo de exército composto de 3 divisões. Esse era um número muito ambicioso pois, em 1943, o Brasil possuía um total de apenas 90 mil homens em armas. Em 9 de agosto de 1943, foi criada a Força Expedicionária Brasileira, denominada 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária (DIE), sendo estruturada por 3 regimentos de infantaria, o Regimento Sampaio, da Vila Militar do Rio de Janeiro; o 6º. Regimento, de Caçapava, São Paulo; e o 11º Regimento de São João d’el Rei, Minas Gerais. A artilharia vinha de regimentos baseados nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo. A Engenharia era composta do 9º Batalhão de Engenharia, de Aquidauana, Mato Grosso . Faltavam tanques de guerra à FEB. A Cavalaria da FEB era formada pelo 2º Esquadrão de Reconhecimento, baseado no Rio de Janeiro. O 1º. Batalhão de Saúde foi organizado com as formações sanitárias de São Paulo e do Rio de Janeiro. A tropa especial foi composta de companhias do quartel-general, manutenção, intendência, transmissões, polícia, além da banda de música divisionária . Em 7 de outubro de 1943, foi nomeado como chefe da FEB o General de Divisão João Batista Mascarenhas de Moraes, “um homem tranqüilo, cuja falta de ambição política agradava a Getúlio ”. Como resultado dos entendimentos mantidos com os representantes dos EUA, este país ficou de fornecer a metade dos equipamentos e adestramento para uma divisão de infantaria e de prover a totalidade das necessidades no teatro de guerra. As dificuldades de adestramento foram muitas. Em primeiro lugar, a doutrina militar brasileira, já obsoleta, tinha sido inspirada há décadas por missões francesas. Um recrutamento teve que ser feito. A adaptação ao sistema americano e à guerra de movimento representou um desafio considerável, principalmente na falta do equipamento pertinente. Manuais tiveram que ser traduzidos. Por outro lado, foi difícil reunir toda a tropa no Rio de Janeiro para treinamento conjunto, o que só foi possível em março de 1944, sem levar em consideração o terreno montanhoso do futuro teatro de operações. Já em julho de 1943, um primeiro contingente de oficiais brasileiros, em número de 30, seguiu para os EUA com a finalidade de receber adestramento. Outros seguiram posteriormente. No final daquele ano, o General Mascarenhas de Moraes visitou os campos de batalha na África e da Itália, deixando um grupo de observadores junto ao quartel general do V Exército norte-americano . Sob as ordens do General Mascarenhas de Moraes estavam o General Euclides Zenóbio da Costa, comandante da infantaria, o General Cordeiro de Farias, comandante da artilharia. O chefe da inteligência era o tenente-coronel Amaury Kruel e o responsável pelas operações foi o tenente-coronel Humberto Castelo Branco. Houve uma grande ocorrência de voluntários para integrar a FEB. Esses eram submetidos a rigorosos exames de seleção. Muitos foram reprovados. Assim, a luta de massa antifascista garantiu a ampliação dos espaços democráticos e possibilitou a reorganização do movimento democrático e popular e do Partido Comunista do Brasil, que orientou seus militantes a se apresentarem como voluntários . Devido ao alto número de componentes, a FEB não pôde ser enviada de uma só vez ao teatro de operações da Itália. O primeiro contingente, em número 5.075 soldados, composto do 6º Regimento de Infantaria, unidades precursoras e de apoio, embarcou no Rio de Janeiro em 30 de junho de 1944. Dele fez parte o General Mascarenhas de Moraes. A viagem levou cerca de 3 semanas, até o porto de Nápolis, na Campania, tendo se dirigido por terra até a região de Pisa e Livorno, na Toscana. O número de efetivos da FEB foi de 25.334 pessoas, dos quais 20 mulheres, servindo como enfermeiras, nas unidades de saúde. O número de combatentes propriamente ditos foi de 15.265. Foram eles transportados em navios americanos e escoltados pela Marinha do Brasil, pela FAB e por unidades da Marinha dos EUA. Os febianos tiveram seu batismo de fogo do dia 16 de setembro de 1944, quando entrou em ação a artilharia brasileira. As tropas brasileiras foram reforçadas por 3 companhias de tanques alemães. No início, a FEB encontrou dificuldades de menor intensidade, pois as tropas alemães estavam a se retirar para a posição defensiva fortificada chamada Linha Gótica. A primeira cidade italiana a ser liberada pela FEB foi Massarosa, em 16 de setembro de 1944. Em seguida, foram libertadas as cidades de Bozzano e Quiesa, onde o General Zenóbio da Costa estabeleceu o seu quartel general . Em seguida, a FEB passou a operar no vale do Serchio, num terreno progressivamente mais acidentado, que facilitava a defesa. Nessa operação, a FEB conquistou as vitórias de Camaiore, Monte Prano e Barga. Note-se que a Itália jamais havia sido conquistada no sentido sul-norte, mesmo Aníbal e Napoleão invadiram a península no sentido oposto. Em seguida, a FEB passou ao vale do Rio Reno, dentro do raio de alcance da artilharia alemã. O novo objetivo brasileiro foi o conjunto Belvedere, Torracia, Monte Castelo, posições montanhosas bastante elevadas que dominavam o acesso à importante cidade de Bologna. De novembro de 1944 a fevereiro de 1945, as tropas brasileiras dominaram a defesa de Belvedere. Em seguida, os febianos conquistaram Torracia e alcançaram a crista de Monte Castelo, com o apoio aéreo da FAB, uma campanha muito dura, realizada em pleno e rigoroso inverno, sem roupas adequadas, em terreno adverso e contra uma tropa de veteranos experientes. Desde 16 de setembro de 1944, a FEB conquistou ao inimigo, “às vezes palmo a palmo, cerca de 400 quilômetros, de Lucca a Alessandria, entre os vales dos rious Serchio, Reno e Panaro e na planícia de Pádova; libertou mais de 50 vilarejos e cidades. Dentre essas, Montese foi o primeiro município italiano libertado pela FEB, no 14 de abril de 1945, no curso de uma batalha que durou três dias e deixou a região em estado de desolação e destruição …’ Segundo o Museo Storico de Montese, “freqüentes e positivos foram também os relacionamentos com a população civil, marcados por um clima de amizade e calor humano: da parte brasileira os socorros e abastecimento aos civis foram freqüentemente bem além dos limites estabelecidos pelos Aliados .” Em reconhecimento ao relacionamento fraternal que se estabeleceu com os soldados da FEB, Montese dedicou a eles, além da Sala 5 do Museu Histórico, dois monumentos , uma rua e uma praça . Ademais, a FEB estabeleceu um relacionamento de estreita colaboração com as forças italianas de resistência aos alemães, os heróicos “partigiani”, em especial com as “Brigata Giustizia e Libertà” e com a “Divisione Garibaldi”. No dia 26 de abril de 1945, a FEB entrou em contato com a 148ª Divisão Alemã, que incluía a divisão fascista Bersaglieri, pressionando-a em Fornovo, cortando sua retirada para o Norte e encurralando-a pela retaguarda, contra os Apeninos, até a rendição incondicional feita pelo General Otto Fetter Pizo. Acolhia a FEB um contingente de 20.573 combatentes alemães e fascistas italianos , entre os quais dois generais e 892 oficiais. Esse número equivalia ao do próprio contingente da FEB; um feito extraordinário! O emblema da FEB estilizava uma cobra a fumar, uma resposta tanto firme quanto bem humorada ao comentário atribuído a Adolf Hitler quando da declaração de guerra do Brasil à Alemanha e Itália, segundo o qual seria mais fácil uma cobra fumar do que as tropas brasileiras fazerem uma diferença nos campos de batalha. As baixas da FEB no teatro de guerra da Itália foram de 465 mortos, dos quais 13 oficiais e 444 praças; 2.722 feridos e acidentados; e 35 prisioneiros, dos quais 1 oficial e 34 praças. Em 10 de setembro de 1944 começou o deslocamento do Grupo de Caça da FAB para a Itália, terminando a 7 de outubro na base aérea de Tarquínea, próxima a Pisa. Ele foi equipado com aviões americanos P-47 Thunderbolt, de excelente qualidade, e operaram como caça bombardeiros, cujos objetivos visavam a três fins:
a) Apoio às forças terrestres na frente de combate;
b) Isolamento do campo de batalha pela interrupção sistemática das vias de comunicação no vale do Pó; e
c) Destruição da indústria e instalações militares ao norte da Itália.

No início de novembro, o Grupo de Caça da FAB passou a operar com esquadrilhas completamente constituídas por oficiais brasileiros e recebendo os seus próprios objetivos a serem atacados. Em dezembro, o Grupo deslocou-se para a base aérea de Pisa, próxima da região dos combates. A respeito da participação da FAB na conquista de Monte Castelo, o General Mascarenhas de Moraes observou que “aviões da FAB haviam arrasado a resistência germânica de Mazzancana, numa arrojada participação no combate terrestre e num exemplo inesquecível de união dos expedicionários do ar e da terra .” Entre os 48 pilotos do Grupo de Caça da FAB houve um total de 22 baixas. A Esquadrilha de Ligação e Observação da FAB, que trabalhou com a artilharia da FEB realizou 682 missões de guerra . O Grupo de Caça da FAB executou no teatro de guerra da Itália um total de 445 missões, com 2.546 saídas de vôo. Destruiu 1304 viaturas motorizadas, 250 vagões ferroviários, 8 carros blindados, 25 pontes de estrada de ferro e de rodagem e 31 depósitos de combustível e de munição. Numa análise comparativa, o Grupo de Caça da FAB teve o melhor desempenho entre as forças aliadas no referido teatro de operações militares. Por exemplo, durante o período de 6 a 29 de abril de 1945, o Grupo de Caça da FAB voou 5% das saídas executadas pelo XXII Comando, mas foi responsável por 15% dos veículos destruídos, 28% das pontes destruídas, 36% dos depósitos de combustível danificados e 85% dos depósitos de munição danificados . “Senta a Pua”, gíria da época para força total, tornou-se o grito de guerra do Grupo de Caça. O símbolo mostrava uma avestruz, ave que tudo come, com uma metralhadora e um escudo com o Cruzeiro do Sul, sobre as nuvens e com moldura verde amarela. Ruy Moreira Lima, em sua obra clássica sobre a FAB na Itália, conta a história de sua criação . Durante a campanha na Itália, a FAB perdeu cerca de três pilotos por mês, incluindo aqueles pilotos abatidos e mortos, desaparecidos e capturados. A bravura dos componentes da 1ª Divisão de Caça da FAB, somada ao extraordinário sentido do cumprimento do dever, proporcionou ao grupo a incomum honraria da citação presidencial americana. Benito Mussolini foi preso pelos partigiani italianos no dia 27 de abril de 1945, quando tentava evadir-se para a Alemanha, em comboio alemão e vestido de soldado alemão, tendo sido fuzilado no dia seguinte . Seu corpo, mutilado, foi exposto na Piazzale Loreto, em Milão. Acabou assim a infausta aventura do fascismo , que tantos sofrimentos trouxe ao povo italiano. Concluiu-se, igualmente, a ação da tanto artificial como bizarra República de Salò, governo fascista instaurado pelos alemães na parte do país controlada por estes, após a rendição da Itália em 28 de agosto de 1943. Em meados de abril, o Exército Vermelho, sob o comando do Marechal Georgy Zhukov atingiram Berlin , a capital alemã, uma cidade cuja população de 4.5 milhões anteriormente à guerra, tinha caído para cerca de 3 milhões, dos quais 2 milhões eram mulheres e 120 mil pessoas eram crianças. As tropas soviéticas tinham 77 divisões de infantaria apoiadas por 3.155 tanques e cerca de 15 mil peças de artilharia. Adolf Hitler suicidou-se no seu abrigo em Berlin no dia 1º de maio de 1945 . 625 mil alemães, incluindo 125 mil civis, morreram na Batalha de Berlin. Na mesma data do suicídio de Hitler, Joseph Stalin, o ditador soviético, anunciou a queda de Berlin para o mundo . As tropas alemães renderam-se às forças aliadas no dia 8 de maio de 1945, em Berlin, terminando assim a fase européia da II Guerra Mundial . Por ocasião da rendição das tropas alemãs e fascistas aos Aliados e a consequente cessação das hostilidades na península italiana, o General João Baptista Mascarenhas de Moraes baixou, em 3 de maio de 1945, a ordem do dia que passaria para a História, na qual afirmou com grande sensibilidade: “hoje, é quase toda a humanidade que se ajoelha contrita, espírito reanimado pela esperança, coração redivivo pela fé e pensamento voltado para a reconstrução do mundo e o bem da coletividade… E, com orgulho sem jactância, e confiança sem exageros, retornemos aos nossos lares, aos nossos quartéis e postos de trabalho, para prosseguirmos na faina sagrada de fazer um Brasil forte e respeitado, num mundo livre e feliz .”

7.- CONCLUSÕES.

Os voluntários brasileiros integrantes da FEB deram-se conta imediatamente da dura contradição de estarem a lutar no teatro de guerra europeu contra as ditaduras e pela prevalência dos valores democráticos, enquanto que o regime político pátrio era assemelhado àquele dos inimigos do Brasil. Em 1944, Getúlio Vargas recebera de seus serviços de informações a respeito da existência de críticas dentre os oficiais brasileiros na Itália ao déficit democrático no País . Dentre os defeitos de Getúlio Vargas não estava certamente a falta de um senso político bastante sensível. Sabedor dos anseios democráticos do povo brasileiro e da repercussão desses sentimentos nas Forças Armadas do Brasil, tradicionalmente muito próxima dos valores nacionais expressos pelas camadas populares, Getúlio já havia acenado com a democratização do País. De fato, em 10 de novembro de 1943, ele já havia declarado, por ocasião das comemorações do 6º aniversário do golpe de 1937 que “em ambiente próprio de paz e ordem, com as garantias máximas à liberdade de opinião, reajustaremos a estrutura política da nação, faremos de forma ampla e segura as necessárias consultas ao povo brasileiro ”. Seis meses depois, em 15 de abril de 1944, ele reiteraria a promessa. Contudo, Getúlio Vargas, confortável com o Estado Novo, procurou procrastinar ao máximo a liberalização da ordem política brasileira, mesmo sabendo que, quando foram enviadas as tropas brasileiras à Itália, a sorte do conflito estava selada e que sua conclusão seria apenas uma questão de tempo. Essa procrastinação ocorreu apesar da posição expressa por Oswaldo Aranha, de aconselhar a realização de eleições gerais no mais breve prazo possível . “Em janeiro e fevereiro de 1945, com a guerra na Europa entrando na sua última fase, a estrutura do Estado Novo repentinamente desmoronou .” Em 18 de abril daquele ano, Getúlio Vargas decretou uma anistia geral e libertou os presos políticos, inclusive Luiz Carlos Prestes e seus companheiros do Partido Comunista, que passou a operar na legalidade. Os principais chefes militares, Eurico Dutra e Góis Monteiro, elementos reacionários com um passado de estreita afinidade, admiração e cooperação com o fascismo europeu, apresentaram-se como democratas e exigiram a realização de eleições presidenciais livres, marcadas para o dia 2 de dezembro de 1945. A eleição para os governos e legislativos estaduais realizar-se-ia em 6 de maio do mesmo ano. Mesmo assim, em 29 de outubro de 1945, um golpe militar derrubou o governo, tendo Getúlio Vargas se retirado para sua fazenda em São Borja, no Rio Grande do Sul. Segundo Basbaum, Góis e Dutra procuravam impedir uma guinada de Getúlio, que também havia restabelecido relações com a URSS, à esquerda . O novo presidente, José Linhares, que assumiu interinamente o cargo após o golpe, sem evidentemente um mandato público, manteve as eleições nas datas aprazadas e convocou uma Assembleia Nacional Constituinte. A nova Constituição Brasileira foi promulgada em 18 de setembro de 1946. Dutra e Góis Monteiro eram contra a permanência das tropas brasileiras na Europa, como força de ocupação, temerosos do efeito da exposição dos contingentes pátrios às novas ideias democráticas que certamente emergiriam no pós-guerra. Foi uma decisão à altura do caráter de tais líderes, que inclusive prejudicou a posição de influência do Brasil na reconstrução da nova ordem internacional. Nos meses de julho e agosto de 1945, as tropas da FEB retornam ao Brasil, em transportes brasileiros, incluindo o Pedro I, o Pedro II e o Duque de Caxias . Conforme observa Boris Fausto, “Dutra e Góis trataram de desmobilizar rapidamente os expedicionários, e eles foram proibidos de dar declarações públicas e até mesmo de andar uniformizados pelas ruas, portando medalhas e condecorações. Na vida civil, as associações de ex-combatentes lutaram para assegurar seus direitos, mas muitos enfrentaram dificuldades de emprego e sofreram as consequências traumáticas da guerra, entre elas distúrbios mentais e alcoolismo.” Como resultado imediato da guerra, surgiu uma nova ordem jurídica internacional. Em abril de 1945, no final da confrontação, representantes de 50 Estados, inclusive o Brasil, reuniram-se na Conferência das Nações Unidas sobre a Organização Internacional, na cidade de São Francisco, Califórnia, EUA, para deliberar sobre a Carta das Nações Unidas, que foi assinada no dia 26 de junho de 1945. A ONU passou a existir formalmente a partir do dia 24 de outubro de 1945, com sede na cidade de Nova Iorque, nos EUA . A Carta da ONU é o tratado internacional da mais alta hierarquia e oferece um mecanismo para o desenvolvimento do direito internacional. Os propósitos da ONU são a manutenção da paz e da segurança internacionais; o desenvolvimento de relações amistosas entre os Estados baseadas na isonomia e autodeterminação dos povos; a cooperação internacional; e a coordenação de ações comuns . O poder efetivo da ONU está concentrado num Conselho de Segurança, composto por 15 membros da ONU, dos quais 5 são permanentes: a China, a Rússia, a França, o Reino Unido e os EUA . Durante as negociações de Yalta, de 4 a 18 de fevereiro de 1945, Roosevelt propôs o nome do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança , iniciativa que foi vetada por Stalin. Diversas outras agências especializadas da ONU foram criadas, incluindo o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), hoje a Organização Mundial do Comércio (OMC). Aos poucos foi instituída uma ordem jurídica internacional que, ainda imperfeita, é um progresso considerável face à anomia anterior. O regime jurídico internacional criado a partir de 1945 contribuiu decisivamente para que a chamada Guerra Fria, resultante da divisão do mundo em dois blocos com visões bastante distintas, um liderado pelos EUA e outro pela URSS, não evoluísse para a 3ª Guerra Mundial. Da mesma forma, a ONU contribuiu para o processo de descolonização que se seguiu e a ela a consciência humanística internacional é muito grata por tal ação decisiva. A participação do Brasil da 2ª Guerra Mundial, além da contribuição militar propriamente dita, e do fornecimento das chamadas mercadorias estratégicas, afinou os sentimentos democráticos e valores humanísticos do povo brasileiro com os daqueles que se bateram por um mundo fundado numa ordem jurídica supranacional. É natural que a consciência popular brasileira desejasse o mesmo para o País. Contudo, o Brasil ainda passaria por algumas décadas de turbulência política e graves desafios, antes que nossas instituições se aperfeiçoassem para uma sólida democracia. Por outro lado, é inegável que o Estado nacional brasileiro e bem assim o regime federalista pátrio saíram fortalecidos do conflito mundial, devido às experiências dialéticas havidas desde a Revolução de 30. Do ponto de vista da implantação de uma indústria de base do Brasil, a decisiva política governamental de Vargas, com a cooperação recebida dos EUA como elemento de negociação com o País, o balanço foi altamente positivo. Com a proibição das línguas estrangeiras no Brasil, reforçou-se o uso da língua portuguesa nos vastos contingentes de imigrantes existentes no País, que jamais foram confinados a campos de concentração como nacionais inimigos, apesar de pressões recebidas dos EUA nesse sentido e resistidas por Getúlio Vargas. Da mesma forma, com a integração linguística, intensificou-se o processo benigno de miscigenação racial, que promove a tolerância e marca a cultura nacional. O fechamento das escolas estrangeiras trouxe ao Estado brasileiro a obrigação de preencher o vácuo, o que foi feito com crescente sucesso através dos anos. Nos anos seguintes, com a redemocratização do Brasil a partir de 1986, a contradição principal do País deixou de ser o esforço pela instalação de um regime democrático para consubstanciar a promoção do crescimento econômico e desenvolvimento social, marcado pela resistência a um imperialismo econômico dos EUA, no âmbito doméstico, e pela oposição ao exercício arbitrário das próprias razões nas relações internacionais por parte daquele país. De sua vez, a Itália saiu da experiência fascista e da guerra com a economia destruída, com um território menor sem a Veneza Giulia, sem o império fascista , mas com a esperança que pudesse iniciar uma época de liberdade, de justiça social e de bem estar social. Toda a população se empenhou na reconstrução econômica do país, que levou nada menos de 10 anos. Essas transformações não ocorreram sem conflitos sociais e sem crises no regime democrático que se instalou no país a partir de 1946 . A reconstrução política do país continua até nossos dias, da mesma forma que a luta contra a criminalidade organizada. A Alemanha saiu não apenas destroçada da 2ª Guerra Mundial, com um território um quarto menor, mas também “dividida em dois Estados rivais e antagônicos ”. Sua população passava fome e frio e vivia ao relento nas ruínas. Em 23 de maio de 1949 foi fundada a República Federal da Alemanha (RFA), unificando as 3 zonas ocupadas pelas potências ocidentais. Na zona oriental, controlada pela URSS, foi organizada a chamada República Democrática Alemã (RDA), fundada em 7 de outubro de 1949 . Os dois Estados foram reunificados em 3 de outubro de 1990 quando, mediante o Tratado de Unificação, “a RFA soberana incorporou, não a RDA, que se dissolvera, mas os cinco antigos Länder … sobre cujo territórios ela se constituía ”. Da mesma forma que Alemanha e Itália, o Japão saiu igualmente arruinado da 2ª Guerra Mundial e ainda destruído pela desnecessária explosão de duas bombas atômicas em centros urbanos, pelos EUA. O país reconstruiu sua economia que, rapidamente, tornou-se uma das maiores do mundo. Foi instalada a democracia parlamentar preservando-se a tradicional monarquia. Muitos brasileiros de origem japonesa foram acolhidos como trabalhadores no país de origem de seus ancestrais, sem abandonar o domicílio no Brasil, e isso intensificou o intercâmbio humano, cultural e linguístico entre os países. No pós-guerra, as relações econômicas, políticas e culturais entre o Brasil, Alemanha, Itália e Japão, desenvolveram-se de forma admirável, com intensa cooperação nos mais diversos níveis. Nossos países hoje juntos defendem os mesmos valores humanísticos e os promovem interna e internacionalmente. Em boa parte, isso é resultado do esforço dos homens e mulheres que compuseram a Força Expedicionária Brasileira, e bem assim ao notável esforço do povo brasileiro, a partir de um país em via de desenvolvimento, pelo que este capítulo da História não deve e não pode ser esquecido também por tudo o mais que representa.