Artigo publicado no sítio aeFINANCEIRO (http://www.aefinanceiro.com.br/) em 13 de junho de 2003, São Paulo, SP.
Na sua recente visita ao Brasil, no mês de Maio, o Representante Comercial dos Estados Unidos da América, Sr. Robert B. Zoellick, reuniu-se com diversas autoridades brasileiras, inclusive com o Presidente da República. Delas, ouviu que o Brasil preferiria um acordo comercial com os Estados Unidos da América (EUA) e os países do MERCOSUL, ao invés daquele presentemente sob negociações no âmbito da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). O principal negociador americano não hesitou em responder imediatamente que um acordo comercial entre o MERCOSUL e os EUA não era do interesse de seu país. Deixando o Brasil, o Sr. Zoellick declarou, a propósito de um outro pacto em negociação pelos EUA, que o seu país não tem interesse em negociar um tratado comercial com a Nova Zelândia, por força de continuada oposição doméstica.
Certamente, se estivesse na posição dos negociadores brasileiros, o Sr. Zoellick já teria dito não à proposta da ALCA. Ele teria dito não porque a formatação do acordo foi feita exclusivamente por um país estrangeiro, sem negociações, e baseada num pacto de seu interesse exclusivo. Teria dito ainda não porque o acordo proposto, por deixar de fora a questão agrícola, iria significar a ruína do setor em seu hipotético país, o Brasil. Teria ainda dito não porque a abertura do setor de serviços seria unilateral. Teria igualmente dito não porque a liberalização tarifária industrial alteraria artificialmente os fluxos tradicionais de comércio do país, aumentando sua dependência a um único parceiro. Teria dito não porque a regulamentação de investimentos impediria o seu hipotético país, o Brasil, de ter políticas de desenvolvimento e o levaria o seu Tesouro Nacional a garantir a conversibilidade em moeda estrangeira de todo pagamento feito aos nacionais dos EUA.
Por outro lado, o Sr. Robert B. Zoellick teria ainda dito não porque o principal parceiro econômico, os EUA, manteriam sua legislação doméstica acima do tratado da ALCA, o que manteria toda uma legislação arbitrária e ilegal, como a pertinente ao arsenal antidumping. Teria dito não porque os picos tarifários a onerar as principais exportações de seu hipotético país, o Brasil, seriam mantidos. Teria dito não porque a opinião pública no Brasil é em sua grande maioria contrária a uma iniciativa tão visivelmente adversa aos interesses nacionais. Teria dito não porque a plataforma política do partido que elegeu o atual Presidente da República é contrária ao acordo da ALCA, como concebido. Teria, finalmente, dito não porque o governo não pode negociar um tratado que seja atentatório à Constituição do país.
Assim, razões não faltam, desde o início das negociações da ALCA, em 1994, para o Brasil ter dito não às negociações, como formatadas originalmente. No entanto, o governo do Sr. Fernando Henrique Cardoso acedeu ao processo negociatório, com muita tibieza, e foi aos poucos, com sua caracterizada e já notória incompetência internacional, revelando-se acomodatício e aceitando termos absolutamente incompatíveis com os interesses nacionais. Aparentemente, esperavam estes negociadores, enquanto tentavam procastinar o andamento das tratativas, um milagre vindo de terceiros, exatamente dos maiores beneficiários da farsa da ALCA, os EUA, no sentido de que o projeto fosse repudiado naquele país. Foi uma balda e insensata expectativa e uma atitude irresponsável.
Não é de surpreender, desta maneira, que os negociadores dos EUA agora desejem de qualquer forma a conclusão do pacto da ALCA. Tudo lhes favorece. Coerentemente, dizem não à procastinação; dizem não ao adiamento; e dizem não à alternativa de pacto que lhes foi apresentada. Após a negativa às alternativas, virão as pressões diversas para a rendição aos termos do acordo comercial mais nefasto aos interesses nacionais jamais apresentado ao Brasil. Estas pressões serão diretas e indiretas. Serão doravante pungentes, fortes e começarão na próxima visita que o Presidente do Brasil fará ao Presidente dos EUA, a convite deste último. Chegou a hora de dizer não.