Texto básico da oração feita na qualidade de paraninfo da 1ª turma de 2003 do Curso de Orientação Profissional da Fundação Libero Badaró de Ensino, Assistência Social e Cultura, em São José do Rio Preto, Estado de São Paulo, Brasil, no dia 4 de junho de 2003.
Irei contara vocês hoje, a história de duas mulheres extraordinárias, que embora muito tenham em comum, não se conhecem pessoalmente. Coincidentemente, ambas têm o mesmo nome. São elas a Embaixadora Dulce Maria Pereira e a Promotora Dulce Maria Goyos Sicoli. São ambas rio-pretenses, com origens em nossas classes médias, estudaram aqui em São José do Rio Preto em nossas escolas públicas, lutaram com enormes dificuldades e demonstraram uma descomunal força de vontade frente aos obstáculos pessoais e sociais. Pautaram-se ainda as duas pelos nossos melhores valores e padrões morais, estudaram continuadamente toda a vida, venceram e são hoje exemplos para as futuras gerações.
A Dra. Dulce Maria Goyos Sicoli era filha de pai contador e mãe professora. Têm dois irmãos e uma irmã. A família lutava com dificuldades e tinha problemas. Dulce Maria Goyos Sicoli destacou-se no Instituto de Educação Monsenhor Gonçalves. Tinha dois uniformes, sempre impecavelmente limpos, e um par de sapatos. Ganhou uma bolsa de estudos integral da American Field Service para estudar nos Estados Unidos da América. Lá formou-se na escola secundária, após um ano. Voltando ao Brasil, trabalhou como professora de inglês e como secretária para financiar seus estudos na Faculdade de Direito. Mantinha-se a si própria desde os 17 anos de idade. Iniciou sua carreira como advogada no mercado financeiro, transferindo-se posteriormente para Noronha Advogados, onde como sócia foi responsável pela abertura do primeiro escritório de advocacia brasileiro e latino-americano no continente europeu. Foi a primeira pessoa da advocacia brasileira a atuar na Europa. Sofreu inúmeras discriminações, superou-as, teve um grande sucesso e passou a fazer parte da História. Retornou ao Brasil e optou por fazer carreira no Ministério Público do Estado de São Paulo, onde desenvolveu um trabalho altamente meritório perante os menores infratores.
Por sua vez, a Embaixadora Dulce Maria Pereira era filha de pai enfermeiro, que era o alicerce do nosso Pronto Socorro Municipal. Lembro-me que, numa ocasião, ele engessou o meu braço quando, menino travesso, fraturei-o caindo da parreira que havia no quintal de minha casa. A Embaixadora também estudou no Instituto de Educação Monsenhor Gonçalves. Tinha dois uniformes, sempre impecavelmente limpos, e um par de sapatos. Destacou-se nos estudos e ganhou uma bolsa de estudos integral para estudar nos Estados Unidos. Que eu saiba, foi a primeira negra brasileira a se tornar bolsista da organização em questão, o American Field Service. Participou ativamente do movimento de emancipação do negro nos Estados Unidos, enquanto lá esteve pelo período de um ano. Retornou ao Brasil, formou-se em ciências sociais e continuou atuando pela emancipação dos negros no Brasil. Foi presidente da Fundação Palmares. Foi presidente do Comitê Brasileiro Anti-apartheid. Movida pela justa indignação e inspirada pelo nobre sentimento de liberdade, protestou destemidamente contra a prisão de Nelson Mandela na própria África do Sul, então governada pelo regime ditatorial racista de infame memória. Entrou na História ao tornar-se a primeira embaixadora negra do Brasil. Foi a primeira mulher brasileira a liderar um organismo internacional, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
O sucesso pessoal e social destas duas mulheres extraordinárias não foi obtido sem a superação de inúmeras dificuldades materiais, pessoais e sociais. Dentre estas últimas, conta-se o preconceito contra as mulheres; contra os brasileiros, que é comum nos foros internacionais; contra aqueles de meios econômicos modestos; e no caso da Embaixadora, contra os negros. Ambas tiveram que se defender de acusações caluniosas e de infâmias assacadas pelas forças das trevas. As duas souberam superar a tudo e hoje gozam do justificado respeito e da gratidão da sociedade civil brasileira pelos notáveis serviços públicos prestados.
Como vimos, a história destas duas mulheres bem-sucedidas, que como já disse não se conhecem pessoalmente, tem quase tudo em comum. Mas as duas têm também muitas qualidades pessoais comuns que vale a pena mencionar nesta ocasião, como fonte de inspiração para todos nós. Em primeiro lugar, nota-se uma força de vontade extraordinária, a determinação. Igualmente, pode-se observar um apego aos estudos. Vê-se ainda um planejamento de vida e a caminhada por etapas sucessivas, sem que a modéstia do primeiro passo iniba a perseguição daquele objetivo ambicioso, que pode naquele momento parecer de alcance impossível. Tudo isso não se faz sem caráter, naturalmente. E como caráter devemos entender não somente a observância de nossos melhores padrões e valores culturais e morais, aqueles que aprendemos aqui em nossas casas em São José do Rio Preto, mas também a exigência intransigente ao respeito à dignidade e à absoluta igualdade do papel da mulher na família e na sociedade.
Pois bem, estas duas mulheres extraordinárias estiveram um dia na mesma posição em que Vocês, formandas, encontram-se hoje. A história de suas vidas demonstra que Vocês, querendo e lutando, poderão também realizar os vossos sonhos. Que Deus vos acompanhe!
Muito obrigado.