Publicado na versão eletrônica no sítio do JB On Line (http:\\www.jbonline.com.br), bem como na versão impressa no Jornal do Brasil de 30 de setembro de 2003, na coluna Opinião, página A 13, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
O desempenho do chamado G-21 no âmbito da Reunião Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), realizada em Cancún, México, em Setembro passado evitou aos países em desenvolvimento uma nova derrota tática no âmbito do sistema multilateral de comércio, ao impedir a adoção de uma agenda detrimental aos seus interesses, formatada pelos Estados Unidos da América (EUA) e pela União Européia (UE). Esta agenda consistia na inclusão de novos temas de interesse dos países desenvolvidos, como por exemplo compras governamentais e acordo de investimentos, bem como na continuada manutenção dos escandalosos subsídios agrícolas praticados por tais países.
Todavia, esta vitória tática dos países em desenvolvimento apenas evitou o pior, já que o sistema multilateral, tal como definido pela Rodada Uruguai e formalizado pelos Tratados de Marraqueche, com a criação da OMC em 1995, favorece prioritariamente os países desenvolvidos, que detém 73% dos benefícios do sistema, contra 27% das vantagens atribuíveis aos países em desenvolvimento, os quais por sua vez detém 85% da população mundial, segundo um estudo recente desenvolvido pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Desta maneira, o impasse criado nos trabalhos da Rodada Doha, lançada em Novembro de 2001, no Qatar, beneficia os países desenvolvidos, pela manutenção do status quo.
Tais importantes benefícios são assegurados por normas iníquas e assimétricas insertas em todos os Tratados de Marraqueche, de tal forma a atender os interesses dos países desenvolvidos. Isto ocorre particularmente no Acordo Agricultura, no Acordo Têxtil, no Acordo de Propriedade Intelectual (Trips), no Acordo sobre Investimentos (Trims), no Acordo Antidumping e no Entendimento para Resolução de Disputas. A revisão destas normas, a ser feita necessariamente dentro dos trabalhos de uma rodada de negociações, à exceção daquelas atinentes ao Entendimento sobre Resolução de Disputas, é imperativa para que um equilíbrio, ao menos, seja obtido no sistema.
Assim, um impasse nos trabalhos da Rodada Doha, tal qual aquele havido na Rodada Uruguai, que persistiu por muitos anos, de 1986 a 1991, desta vez não interessa aos países em desenvolvimento. Naquela ocasião, a funesta agenda dos países desenvolvidos não estava ainda consolidada no sistema, como sucede na presente ocasião. Desta maneira, devido à existência das brutais vantagens, à oposição determinada dos países em desenvolvimento e ao peso da opinião pública internacional, os países desenvolvidos irão provavelmente procastinar a retomada das negociações da Rodada Doha e perseguir, como alternativa, negociações bilaterais ou regionais, nas quais tem maiores condições de convencimento pelo peso de seu desmedido poder.
Desta maneira, aos países em desenvolvimento, como o Brasil, cumpre suspender as negociações regionais de pactos de livre comércio com a UE e com os EUA, até que os temas de estratégico interesse sejam satisfatoriamente resolvidos no âmbito do sistema multilateral da OMC. Como alternativa, o País deverá buscar pactos bilaterais ou regionais de livre comércio com países não hegemônicos.