Aristides de Sousa Mendes, um herói de nossos tempos

Artigo preparado para promoção da Fundação Aristides de Sousa Mendes, São Paulo, SP.

Aristides de Sousa Mendes foi um diplomata português de tradicional família monarquista e profundamente católica, que teve 14 filhos. Ele foi designado cônsul de Portugal em Bordeaux, França, no ano de 1938, após ter servido em diversos países, inclusive no Brasil. Naquela época, Portugal estava sujeito ao odioso Estado Novo, regime totalitário fascista dominado pelo brutal ditador, Antônio de Oliveira Salazar, e controlado pela infame polícia política, a PIDE.

Em setembro de 1939, eclodia aquilo que posteriormente se convencionou denominar a Segunda Guerra Mundial, tendo Bordeaux transformado-se em porto de influxo de refugiados de guerra em geral, bem como de perseguidos políticos, como os comunistas, e religiosos, como os judeus. Salazar havia expressa e terminantemente proibido aos agentes diplomáticos e consulares portugueses de conceder vistos de entrada em Portugal a qualquer pessoa naquelas condições. Tal instrução foi concebida de comum acordo com o sanguinário ditador espanhol, General Franco. Portugal e Espanha haviam declarado sua neutralidade no conflito.

No mês de maio de 1940, com o avanço nazista alemão em território francês, a cidade de Bordeaux, com uma população na época de cerca de 300 mil habitantes, recebeu um contingente de refugiados de cerca de 2 milhões de desesperados ante as tenebrosas perspectivas de, apanhados pelas brutais forças das trevas, terminarem seus dias nos campos de extermínio. Os consulados da Espanha, dos Estados Unidos, do Reino Unido e de Portugal foram assediados por tais miseráveis, em busca de vistos de entrada nos respectivos países.

Diante desta dramática situação, Aristides de Sousa Mendes enviou centenas de telegramas cifrados ao Palácio das Necessidades, solicitando autorização para a emissão dos vistos de entrada em Portugal, tendo recebido uma tanto consistente quanto categórica resposta negativa de seus superiores. Em junho, na iminência do armistício, o Consulado de Portugal foi cercado por tropas militares. Face a tal contingência, o diplomata abriu as portas do Consulado a milhares de refugiados, incluindo o Rabino de Anvers, Jacob Kruger. Consultada sua consciência, Aristides de Sousa Mendes optou por desobedecer às instruções recebidas de sua chancelaria e por emitir vistos ao maior número possível de perseguidos.

Durante o período entre os dias 17 e 23 de junho, principalmente, foi desenvolvida uma atividade frenética de emissão de vistos, estimados em aproximadamente 30 mil, dos quais 10 mil concedidos a perseguidos judeus. O referido esforço foi reputado por Yehuda Bauer como a maior ação de salvamento empreendida por uma só pessoa durante o Holocausto. Não satisfeito com este enorme feito, Aristides de Sousa Mendes acompanhou esta multidão de desamparados até a fronteira espanhola, onde negociou com a guarda fronteiriça o seu trânsito pelo país, até Portugal

Frente a tal fato consumado, e sob pressão da opinião pública internacional, Salazar acolheu os refugiados no país. Todavia, encetou uma cruel perseguição a Aristides de Sousa Mendes, como resultado da qual o diplomata perdeu seu ofício por “desobediência, falsificação de documentos, deserção do posto e corrupção”. Mais ainda, bacharel em direito, foi proibido de exercer a advocacia. Até sua carta de motorista foi-lhe subtraída… A família, arruinada, teve que recorrer às cozinhas comunitárias caritativas judaicas de Lisboa. As portas de sua casa foram usadas para fazer fogo. Morreu hemiplégico na cidade de Lisboa. Dos seus 14 filhos, 13 emigraram, 2 dos quais tendo servido como paraquedistas aliados na invasão da Normandia.

Deixou-nos Aristides de Sousa Mendes os exemplos de que a consciência humana e os valores humanísticos devem prevalecer ante a injustiça, a tirania, o arbítrio e a opressão, bem como aquele da coragem necessária para sustentar o bem, a decência e o justo. Em 1966, Israel conferiu a Aristides de Souza Mendes o título de “Justo entre as Nações”. Em 1987, o Presidente Mário Soares reabilitou sua memória em Portugal. Em 1994, Bordeaux desvelou um seu busto na Esplanada Charles de Gaulle. No mesmo ano, Israel erigiu uma estrela e plantou 10 mil árvores em sua memória no deserto de Neguev, para que não fosse esquecido. No ano 2000, foi fundada em Portugal a Fundação Aristides de Souza Mendes para preservar sua memória e seu exemplo.

Aristides de Souza Mendes foi um herói de nossos tempos.