Índia assina acordo de livre comércio com a Asean

Publicado na Coluna Semanal do Dr. Noronha a convite do sítio “Última Instância – Revista Jurídica”, São Paulo, Brasil, 17 de setembro de 2008.

Londres – A Índia, como de resto todas as economias importantes do mundo, faz-se representar nas negociações comerciais internacionais por ministros do comércio e negociadores especializados e não por diplomatas diletantes, como faz o Brasil. Assim, enquanto o país asiático negociava no âmbito da Rodada Doha da OMC (Organização Mundial do Comércio) de forma a defender os interesses nacionais, em particular mas não exclusivamente na área agrícola, levava igualmente a efeito tratativas regionais.

Como resultado, com o fracasso da Rodada Doha havido na última reunião ministerial, a Índia ainda tinha, ao contrário do Brasil, uma ação coerente com sua enunciada política comercial externa. Dessa maneira, em 28 de agosto de 2008, a Índia assinou um tratado regional de comércio com a Asean (Associação das Nações do Sudeste Asiático), composta de dez membros, dentre os quais o Vietnã, Singapura, Malásia, Tailândia, Indonésia e Filipinas.

Contemporaneamente, a Austrália e a Nova Zelândia também assinaram acordos de livre comércio com a Asean, demonstrando que seus negociadores e estrategistas comerciais estão alertas à crise institucional da OMC. Os novos acordos dão uma dimensão nova e totalmente especial, pela massa de comércio internacional de seus membros, à Asean que foi criada com o objetivo de se contrapor à hegemonia econômica de Japão e China no continente asiático.

A opção feita pelos governos de Índia, Austrália e Nova Zelândia não deve surpreender aos observadores mais atentos. De fato, o sistema multilateral do comércio da OMC, em tese importantíssimo por pretender dar a formatação do direito internacional de regência na área, perdeu decisivamente sua credibilidade por, na realidade, promover os interesses dos países desenvolvidos em detrimento dos países em desenvolvimento.

Mais ainda, a percepção da opinião pública internacional é clara e decisiva no sentido de que a OMC favorece ainda as grandes empresas multinacionais, em detrimento das pequenas e médias sociedades e, mais gravemente ainda, de uma forma contrária aos melhores interesses humanísticos de desenvolvimento pessoal, econômico e social da vasta maioria da população do globo.

Essa perda de credibilidade aumentou muito com o fechamento dos acordos da Rodada Uruguai, em 1994, que deram 80% dos benefícios aos países ricos, enquanto os países em desenvolvimento, com mais de 80% da população mundial, ficaram com a parca sobra.

O lançamento da Rodada Doha, em 2001, apenas confirmou a percepção e a propensão de maior descrédito do sistema, já que sua agenda não objetivava corrigir as distorções trazidas pelos chamados Acordos de Marraqueche de 1994. Ao contrário, o objetivo do exercício da Rodada Doha é claramente o de aumentar as vantagens dos países desenvolvidos.

Diante de tal situação de desesperança e desalento, houve desde 1994 um crescimento de aproximadamente 100% no número de acordos regionais de comércio, que passaram de cerca de 25 naquela época para quase 250 nos dias atuais. É sabido que os chamados acordos de livre comércio, por criar condições preferenciais para seus signatários ou membros, vão de encontro ao princípio de não discriminação objeto da cláusula da nação mais favorecida, basilar no regime multilateral.

Todavia, o artigo XXIV do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) 47 autoriza tais tratados baseado no sentimento de que a maior liberdade regional de comércio irá promover um regime multilateral mais desenvolvido. Pesquisas recentes, inclusive algumas realizadas na América Latina, têm confirmado tal enunciado.

Diversos países latino-americanos, notadamente o México e o Chile, têm se valido de tais acordos de livre comércio, já tendo firmado cerca de 20 tratados cada qual. O Brasil, no entanto, encontra-se perdido entre um regime multilateral iníquo e paralisado, um pacto insano de união aduaneira no Mercosul, e a inércia na formulação de uma política comercial externa.

Urge, portanto, a reformulação de nossa política comercial exterior levando tais circunstâncias em consideração, sob pena de o Brasil ficar grandemente prejudicado pela rede de preferências discriminatórias que está a ser construída muito rapidamente pelos acordos de livre comércio.