Publicado na Coluna Semanal do Dr. Noronha a convite do sítio “Última Instância – Revista Jurídica”, São Paulo, Brasil, 03 de maio de 2006.
LISBOA – As últimas notícias a respeito da administração de Evo Morales, na Bolívia, estão a ser recebidas com profunda inquietação nos mais diversos foros internacionais. Tal desconforto é menos devido à preocupação do líder democrático boliviano com a prosperidade econômica e social de seu povo, de resto inteiramente legítima, e mais com os métodos dos quais está aparentemente a lançar mão.
Na República Popular da China, durante a chamada Revolução Cultural, também o interesse social foi a alegação para a tentativa de justificativas das políticas de centralização económica e de ação do Estado então levadas a efeito. Os meios utilizados para a afirmação de tais políticas promoveram, ao contrário do que foi desejado, a miséria e a mais dramática desesperança no povo chinês: um verdadeiro idade das trevas.
O renascimento econômico e social da República Popular da China, bem como a grande reconciliação nacional, deu-se então a partir do final da década de 80, com o final da Revolução Cultural e com uma política que promove a chamada economia socialista de mercado, através a qual o Estado chinês tem buscado orientar, mediante o planejamento, a inserção da economia do país naquela global. Dessa maneira, a China orientou em parte sua economia para o comércio exterior, bem como promoveu a participação dos setores capitalistas nacional e estrangeiro no grande desafio do crescimento económico.
Como resultado dos desdobramentos naturais de tal política, a China tornou-se, não somente a economia que mais cresce no mundo, mas também aquela que mais investimentos recebe dentre os países em desenvolvimento, além daquela que maior número de pessoas tem resgatado da trágica situação para abaixo do patamar de pobreza.
De fato, a lição chinesa tem demonstrado claramente que o desenvolvimento social é feito com o crescimento económico e este obtido com a participação dos setores capitalistas nacionais e internacionais. É claro que cabe ao Estado definir os objetivos nacionais e planejar sua execução, mas tal tem que ser feito tendo em vista a realidade internacional e mediante constante busca do denominador comum com os representantes dos segmentos econômicos privados, através do produtivo diálogo. Esse denominador comum existe. O crescimento econômico, bem como a erradicação da pobreza, objetivo estratégico de todos os países da América do Sul, e não apenas da Bolívia, pode também ser muito bom para o setor privado.
A sedimentação da generalizada impressão de que a Bolívia aliena os interesses privados irá afetar, de maneira adversa, os investimentos estrangeiros no país e, por via de consequência, o nível de atividade económica, a distribuição da riqueza e o desenvolvimento social do povo boliviano. Tais efeitos negativos poderão persistir por muitos anos.
Estando o governo democrático de Evo Morales apenas em seu início, ainda há tempo para desfazer tal imagem. Da mesma forma, ainda não é tarde demais para evitar erros que poderão comprometer os próprios objetivos finais de sua estratégia.