O Atual Clima de Negócios no Brasil e a Iniciativa para a Área de Livre Comércio das Américas

Texto da palestra proferida a convite da Câmara de Comércio de Los Angeles, realizado em 21 de maio de 2001 na cidade de Los Angeles, Califórnia (E.U.A.).

Estou muito feliz com a oportunidade de estar aqui hoje para debater sobre o atual clima de negócios no Brasil e as tendências prevalecentes no país com respeito à iniciativa para a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). Nós, de Noronha-Advogados, acreditamos muito no potencial de crescimento do comércio entre os Estados Unidos da América e o Brasil, e também por termos tido uma presença comercial na Flórida por mais de 20 anos, decidimos abrir nosso segundo escritório americano em Los Angeles, Califórnia. Para tanto, analisámos Nova Iorque e a Califórnia chegando à conclusão de que deveríamos estar aqui. Assim, começamos nossas atividades com dois sócios e dois associados, há um ano e meio atrás. Devo dizer que não temos razão para nos queixar!

Se tomarmos como verdade que ditaduras são como anões que lançam uma longa e onerosa sombra sobre o futuro das nações, também é verdadeiro que os benefícios da democracia, até mesmo os econômicos, deverão ser aproveitados desde o começo. Desta forma, o Brasil se beneficiou imensamente da re-democratização do país desde 1986. Como o povo brasileiro possui uma natureza democrática clara e inerente, as mudanças institucionais, políticas e econômicas da herança lúgubre dos anos horríveis da ditadora fascista começaram a ocorrer imediata e gradualmente tais mudanças revelando uma nova realidade para nós brasileiros e uma perspetiva mais atrativa para a comunidade internacional como um todo. Mesmo se nós reconhecermos que ainda há muito a ser feito estamos justificadamente orgulhosos de nossas conquistas.

Portanto, uma nova constituição democrática foi promulgada em 1988 apresentando sérias falhas relacionadas com a ordem econômica. Tais falhas, como a maioria das restrições do capital estrangeiro foram eliminadas. Novas leis modernas foram aprovadas envolvendo segurança; sociedades, meio ambiente; propriedade intelectual; concorrência e anti-trust; aquisições governamentais; proteção ao consumidor; lavagem de dinheiro; crime de colarinho branco e arbitragem. Setores inteiros da econômica foram liberalizados, incluindo telecomunicações; transportes; petróleo e energia; setor bancário; serviços financeiros e seguros. As restrições à entrada e saída de capitais foram suspensas. O Judiciário tem constantemente melhorado seus padrões e modernizado sua gama de serviços ao público. Existem aproximadamente seis milhões de processos no Brasil. Em alguns estados existem tribunais de pequenas causas em shopping centers. A rede federal do sistema judiciário tem certificação ISO-9002. Em média, um processo leva aproximadamente três anos para ser resolvido.

A inflação foi finalmente colocada sob controle e foi estabilizada em aproximadamente 5% ao ano. Uma lei federal muito importante regulando a matéria fiscal foi promulgada, trazendo sob o julgo monetário e fiscal não apenas o governo federal mas também o municipal e o estadual. Privatizações eficientes e bem pensadas foram estabelecidas dentro da lei que não dão margem à corrupção, atraindo assim investimentos substancias de muitos países. O programa de privatização que ainda está a caminho, até agora trouxe investimentos da ordem de US$ 90 bilhões deixando para a iniciativa privada aproximadamente US$ 18 bilhões em dívidas.

A economia brasileira vem crescendo de forma consistente e o Brasil é o segundo maior receptor de investimentos estrangeiros dentre os países em desenvolvimento, depois da China, e o primeiro se considerada como base a renda per capita. Em 1999 e em 2000, o Brasil recebeu US$ 31 e 34 bilhões respectivamente em investimentos diretos estrangeiros. Até 2003, só na área de telecomunicações espera-se que venha a receber US$ 33 bilhões em investimentos. Espera-se que o setor de energia elétrica venha apresentar uma taxa de crescimento mínimo de 5% ao ano, que necessitará de investimentos de US$ 23 bilhões até 2004. No setor petroleiro que foi recentemente liberado, só a empresa petroleira nacional do Brasil, a Petrobrás, anunciou investimentos de US$ 16.8 bilhões até 2005, para aumentar a produção doméstica de aproximadamente 1.5 milhões para 1.85 milhões de barris por dia, para alcançar a demanda prevista de 2.2 milhões. As 39 empresas de concessões de estradas federais e estatais investirão US$ 5.3 bilhões durante os próximos anos. Só na indústria automobilística, o Brasil recebeu investimentos de US$ 21 bilhões desde 1995, o ano do Regime Automobilístico, até 1999. O desembolso total recentemente declarado para o futuro é de US$ 22 bilhões, sendo US$ 15 bilhões oriundos dos fabricantes de automóveis e US$ 7 bilhões oriundos da indústria de autopeças. A lista é vasta e somente exemplificativa.

As tarifas brasileiras foram reduzidas de seu nível consolidado de 55% ao final da Rodada do Uruguai do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) para o nível efetivo atual de aproximadamente 14%. Em 1991, o Mercosul, um mercado comum foi criado entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Essa iniciativa extraordinária alcançou não apenas o mérito de apaziguar tensões locais, manter a democracia bem como o império das leis, mas também aumentou o comércio regional em 336%, de aproximadamente US$ 4.1 bilhões em 1991 para US$ 19 bilhões em 2000. Este resultado espetacular foi alcançado sem prejudicar o comércio externo realizado no Mercosul. As importações com o resto do mundo aumentaram em 180% enquanto as exportações cresceram em 40%.

Este ano, a economia brasileira será a quinta maior do mundo em paridade de poder de compra (ppp), com Produto Interno Bruto (PIB) um pouco acima de 1 trilhão de dólares seguido da economia americana, japonesa, alemã e chinesa. A economia brasileira é quase tão grande quanto à chinesa, e duas vezes maior que a economia russa e a indiana. O Brasil possui mais da metade da população e do Produto Nacional Bruto (PNB) da América do Sul. O Brasil tem o maior setor agrícola não subsidiado do mundo; o segundo maior mercado de jatos executivos e helicópteros do mundo; o terceiro em pneus e refrigerantes; o segundo em telefones celulares e aparelhos de fax; o quarto em refrigeradores e produtos de vídeo; o quinto em CDs. O Brasil tem o maior mercado de vídeos no hemisfério e domina a metade das vendas do mercado de gravadoras na América Latina. No final de abril deste ano o Brasil tinha duas vezes mais usuários do que o resto de toda América Latina, incluindo o México. O setor automobilístico produzirá aproximadamente 2.3 milhões de veículos antes do fim deste ano. O setor agrícola produzirá, em 2001, mais de 90 milhões toneladas de grãos. A Bolsa de São Paulo e a Bolsa de Mercadorias e Futuros são maiores do que todas as bolsas latino-americanas juntas. As maiores exportações do país são… jatos domésticos!

Não obstante, o Brasil também é um país com muitos problemas. Institucionalmente, a falta de maturidade política devida à herança terrível dos muitos anos de controle fascista, além das diferenças naturais oriundas da enorme diversidade étnica e territorial, ainda deixam pendentes algumas reformas legislativas, tal como a fundamental reforma tributaria. Socialmente, o Brasil oferece uma imagem triste de exclusão, tendo aproximadamente 40 milhões de pessoas que vivem na miséria. Favelas infestam as cidades grandes e sua sordidez consiste numa vergonha internacional. A situação da saúde da população ainda é muito ruim embora mostre sinais de melhora. O sistema educacional ainda deixa muito a desejar. Economicamente o Brasil é a maior vítima de medidas comercias protecionistas, em parte outra herança ruim das relações internacionais deficitárias durante os anos de ditadura militar, e em parte por causa dos subsídios dados à agricultura pelos principais parceiros comerciais do Brasil. A situação afeta dramaticamente e de maneira adversa os quase 40 milhões de pessoas que dependem do setor agrícola do país.

Isto nos traz para a relação bilateral entre o Brasil e os Estados Unidos e os sentimentos prevalecentes no Brasil em relação a ALCA. Muitos americanos até mesmo os executivos tendem a generalizar o que conhecem sobre o México aplicando seus conhecimentos aos outros países latino-americanos. Isso não vale para o Brasil. Os brasileiros falam português, e não espanhol. O Brasil possui a maior população africana fora de África convivendo com mais de 37 milhões de italianos, milhões de indígenas brasileiros e pessoas das etnias portuguesa, alemã, polonesa e japonesa. A cidade de São Paulo sozinha tem mais italianos que as populações de Roma e Milão juntas. A geografia também é consideravelmente diversa. Vastas áreas do Brasil são adequadas à agricultura intensiva. Por último, quer queira quer não, o Brasil não faz fronteira com os Estados Unidos.

Tais diferenças são responsáveis por diferenças econômicas importantes. Enquanto o comércio com os Estados Unidos é responsável por 90% do comércio externo mexicano, o comércio bilateral brasileiro com os Estados Unidos1 é de apenas 23,93% do total de seus negócios externos. O principal parceiro comercial do Brasil é a União Européia com 26,84% do saldo do comércio seguido pelos países da Associação Latino-Americana da Integração (ALADI) com 23,42%. Os países asiáticos têm 11,48% e o Oriente Médio 4,87% do comércio externo brasileiro. O comércio com Canadá representa menos de 1%. Com relação aos investimentos estrangeiros, os países da União Européia são os maiores investidores com grande margem de diferença, representando 62% do total de investimentos. Muitas empresas européias, como a Fiat e a Pirelli, são maiores no Brasil do que em seus mercados domésticos. Os EUA são responsáveis por 18,1% e o Canadá por 0.6% do total dos investimentos no Brasil. Bancos europeus são responsáveis pela maior parte dos investimentos entre os demais bancos estrangeiros no mercado financeiro brasileiro, e de forma mais importante, são responsáveis por aproximadamente 70% dos empréstimos comerciais e de negócios para o Brasil. De todos os turistas que visitam o Brasil, os europeus somam aproximadamente 50%, 30% são argentinos, e 10% são americanos. Por causa de tais diferenças, o perfil brasileiro de importação e exportação diverge em muito do perfil mexicano.

Ao final do regime militar e começo do processo de democratização no Brasil, houve um serio litígio entre os dois países deixando efeitos devastadores nas relações bilaterais. Como o Brasil se opôs à iniciativa americana de inclusão das chamadas novas áreas na Rodada do Uruguai do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), uma grande operação de desestablização foi posta em prática pelos EUA contra o governo brasileiro, que envolveu ações de organizações multilaterais financeiras internacionais e medidas unilaterais contra certos produtos brasileiros que eram concorrentes com demais produtos no mercado americano. Como sempre quando medidas protecionistas são impostas, são dificilmente removíveis uma vez que as partes beneficiadas artificialmente se tornam dependentes delas. Portanto, mesmo que as sérias divergências de opinião entre os dois países tenham terminado há muito tempo e os EUA permaneceram com seu ponto de vista, as medidas protecionistas contra o Brasil ainda imperam.

Assim, a tarifa média brasileira para os 15 principais produtos de exportação americana para o Brasil é de 14,3%, a tarifa média americana de exportação para os 15 principais produtos brasileiros nos EUA é de 45,6%. Mais de 130 itens de exportação brasileiros são tarifados pelos EUA em mais de 35%. A tarifa de importação média, para efeito de comparação, é inferior a 2%. Em relação ao açúcar brasileiro, do qual o Brasil é o maior produtor não subsidiado, paga-se 236% em impostos nos EUA; o tabaco brasileiro é taxado em 350%; o suco de laranja é taxado em 44,7%. O Brasil enfrentou não menos de que 71 casos de anti-dumping ou ações contra subsídios governamentais nos EUA desde 1986. Não menos de 60% dos produtos de exportação brasileiros encontram práticas restritivas nos EUA, incluindo quotas de produção. Tais práticas americanas afetaram desfavoravelmente muitos negócios brasileiros competitivos por natureza, como os da indústria de aço, da indústria de calçados, de borracha e de autopeças. Inversamente, a tarifa mais alta aplicada no Brasil aos produtos americanos de exportação é de 35% em automóveis; 30% em unidades de processamento digital, e 24% em peças de computadores. Além disso, os EUA são o país que mais subsidia seu setor agrícola no mundo depois da União Européia. Tais subsídios têm um efeito devastador nas vendas brasileiras ao outros mercados, além de prevenir o aceso de exportações brasileiras ao mercado americano. No setor de serviços, os EUA se utilizam de barreiras horizontais em se tratando de mercados domésticos, até mesmo dentro do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA.)

O governo brasileiro está em negociação em relação ao ALCA levando em consideração tais dados. Para os governos, assim como para a maioria da opinião pública brasileira, o ALCA não corresponde aos interesses nacionais se moldados segundo o NAFTA, uma vez que de tal maneira nossos principais parceiros comerciais, investidores e banqueiros estariam excluídos, ficando desprovidos de benefícios de monta para o Brasil. Mesmo se o governo tivesse uma visão diferente, a oposição à atual conjuntura é tão grande que provavelmente nunca seria ratificada pelo Congresso, e certamente seria desafiada nos tribunais. Os brasileiros sabem que o país está prestes a se tornar uma grande potência econômica e esperam que os acordos de comércio tragam prosperidade econômica generalizada e desenvolvimento social.

Enquanto os governos estão negociando e mesmo com tantas sanções impostas contra o Brasil, as oportunidades para o comércio bilateral abundam. Tais sanções beneficiam apenas um pequeno grupo de indústrias não competitivas e obsoletas, e prejudicam não apenas as relações bilaterais mas também o contribuinte americano, o consumidor americano e o conceito de livre comércio. Entretanto, mesmo sob tais circunstâncias, a economia brasileira que pode contar com um clima de estabilidade política e econômica oferece múltiplas áreas de atividades comercias, em serviços, infra-estrutura, indústria e agricultura. Para a Califórnia em particular, também há oportunidades de operações triangulares envolvendo o Brasil e o Extremo Oriente. Apenas no primeiro trimestre deste ano, o comércio do Brasil com a China cresceu 93,7% e provavelmente alcançará 4% do comércio externo brasileiro até o final do ano, duas vezes maior que o comércio com o Coréia e quatro vezes com o Canadá.

Nós, de Noronha-Advogados, acreditamos em tais oportunidades bilaterais. Esta é a razão pela qual abrimos um escritório na Califórnia.