Texto da palestra proferida por ocasião do seminário Reunificação da Coréia, realizado em 10 de maio de 2001 na cidade de São Paulo, SP, Brasil.
No início deste ano, o Brasil foi o primeiro país latino americano que estabeleceu relações diplomáticas com a República Popular Democrática da Coréia (Coréia do Norte), seguindo iniciativa semelhante de alguns países da União Européia (UE). Este posicionamento diplomático veio como resultado, de um lado, dos esforços do Presidente Kim Dae-jung, da República da Coréia (Coréia do Sul), no sentido de engajar o apoio da comunidade internacional no processo de distensão e pacificação na península, no qual encontra-se comprometido, juntamente com o líder da Coréia do Norte, Presidente Kim Chong-il. Tais notáveis esforços valeram ao Presidente Kim Dae-jung o reconhecimento da comunidade internacional na forma do Prêmio Nobel da Paz, outorgado na Suécia em Dezembro do ano passado. De outro lado, o processo de restabelecimento de relações diplomáticas formais entre o Brasil e a Coréia do Norte, nos termos da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, é devido ao reconhecimento, pelo Brasil, de que uma eventual reunificação nacional coreana, que permita aos povos do norte atingir, ao longo de um breve período de tempo, um patamar de desenvolvimento semelhante àquele conquistado pelos sul-coreanos, será benéfica não somente à causa da paz mundial, mas também às relações bilaterais com o Brasil, principalmente na área comercial.
As projeções que se pode fazer para um crescimento comercial do Brasil com a Coréia do Norte devem, necessariamente, levar em consideração a extraordinária história de sucesso nas relações de trocas bilaterais com a Coréia do Sul. No ano 2000, o comércio bilateral entre o Brasil e a Coréia do Sul ultrapassou o patamar de 2 bilhões de dólares, colocando este país como o terceiro maior parceiro comercial do Brasil na Ásia, depois do Japão e da China. Naquele ano, as importações brasileiras de origem sul-coreanas chegaram ao nível de 1,5 bilhão de dólares, tendo crescido no referido período cerca de 40%! Por sua vez, o volume do estoque de investimentos coreanos no Brasil ultrapassou a importante marca de 750 milhões de dólares. Todas as estimativas, nacionais ou internacionais, estratégicas ou técnicas, tanto do volume de trocas bilaterais, como de investimentos coreanos no Brasil, são não somente otimistas, como bastante animadoras.
Os principais produtos de exportação do Brasil para a Coréia do Sul são ferro e aço, minérios, resíduos de indústrias alimentares, pastas de madeira e alumínio, que respondem por cerca de 75% das vendas brasileiras à Coréia. Os principais itens de exportação da Coréia do Sul para o Brasil são máquinas, aparelhos, material elétrico, telefones, monitores de televisão e pneus, que respondem por cerca de 60% das vendas coreanas ao Brasil. As tarifas médias do Brasil, no patamar de 14%, e da Coréia do Sul, no nível de 13.8%, são semelhantes. Ao final da Rodada Uruguai do GATT, o Brasil consolidou 100% de suas tarifas na Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Coréia do Sul aproximadamente 91%. No relacionamento bilateral, o Brasil queixa-se de tarifas agrícolas bastante elevadas praticadas pela Coréia do Sul, no nível médio de 50%, e da prática de barreiras não tarifárias, particularmente na área das normas fito-sanitárias. Apesar disto, não houve nenhum contencioso entre os dois países no âmbito da OMC.
Todavia, há hoje uma grande disparidade entre os modelos econômicos da Coréia do Sul e da Coréia do Norte. Por exemplo, enquanto a população da Coréia do Sul é de aproximadamente 46 milhões de habitantes, a da Coréia do Norte é de 22 milhões de pessoas, menos da metade. Acresce que há uma dramática diferença no patamar de desenvolvimento econômico: enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) da Coréia do Sul é de aproximadamente 500 bilhões de dólares norte americanos, o PIB da Coréia do Norte é de apenas 23 bilhões de dólares norte americanos. Enquanto o comércio externo da Coréia do Sul é de aproximadamente 280 bilhões de dólares, ou mais de 50% do PIB, o comércio externo da Coréia do Norte situa-se no patamar de apenas 1,6 bilhão de dólares, ou menos de 10% do PIB, colocando-a como um dos países menos dependentes do comércio exterior. O modelo econômico dos dois países é radicalmente diferente: enquanto a Coréia do Sul professa a economia de mercado, e a pratica com requintes de excelência, a Coréia do Norte pauta-se pela economia centralmente planificada, sistema que tem no passado recente revelado-se incapaz de promover o desenvolvimento econômico e social sustentado.
Por outro lado, há uma grande uniformidade de alguns indicadores sociais entre as duas Coréias, o que traz muito bons augúrios para o presente processo de distensão, cooperação econômica e eventual reunificação nacional. Em primeiro lugar, há uma absoluta identidade étnica entre os povos dos dois países; em segundo lugar, há uma identidade lingüística. Por último, os povos dos dois países são igualmente depositários de uma riquíssima herança cultural, sedimentada através de milênios, o que representa um alicerce de fundamental importância para a criação de economias de escala; organização da atividade produtiva; e promoção de fator gerador de eficiência na criação de vantagens comparativas, levando a uma maior competitividade comercial internacional.
Hoje, o comércio bilateral entre o Brasil e a Coréia do Sul é superior a todo o comércio externo da Coréia do Norte. Todavia, o comércio entre o Brasil e a Coréia do Norte, no ano 2000, não foi nada desprezível, como se poderia imaginar à primeira vista, tendo atingido o volume de 240 milhões de dólares, cerca de 12% daquele com a Coréia do Sul, com um défice brasileiro de aproximadamente 23 milhões de dólares. Proporcionalmente ao valor dos Produtos Internos Brutos da Coréia do Sul e da Coréia do Norte, chega-se à surpreendente conclusão de que o comércio do Brasil com a Coréia do Norte é superior. Esta notável constatação desvela um potencial importante para o incremento das trocas. Contudo, este notável potencial de crescimento absoluto não poderá materializar-se enquanto não forem realizadas as reformas econômicas na Coréia do Norte, levando a um substancial crescimento econômico, e enquanto o processo de distensão política não tiver adiantado substancialmente. Naquela ocasião, o processo de crescimento de relações bilaterais será certamente impulsionado pela operosa comunidade coreana radicada no Brasil.
Curiosamente, para o aprofundamento do processo de distensão política, parecem não haver obstáculos da parte da Coréia do Norte, nem tampouco da Coréia do Sul. Vem eles dos Estados Unidos da América, que pretendem usar uma situação de instabilidade regional para a aprovação doméstica de seu programa militar espacial, Star Wars II, reivindicação de seu complexo industrial militar. Cabe ao Brasil e às nações de boa vontade, tanto aquelas em desenvolvimento como as desenvolvidas, apoiar entusiasticamente os esforços de Coréia do Sul e Coréia do Norte em trazer à península a distensão e a paz; em promover a cooperação econômica, a reforma econômica na Coréia do Norte e, eventualmente, a reunificação da nação coreana. O Presidente Fernando Henrique Cardoso já se comprometeu com esta importante agenda, que goza do irrestrito apoio da sociedade civil brasileira e de seu empresariado.
Todos ganharão com sua implementação!