Publicado na Coluna Semanal do Dr. Noronha a convite do sítio “Última Instância – Revista Jurídica”, São Paulo, Brasil, 18 de outubro de 2010.
São Paulo – O jornal O Estado de S. Paulo, em sua edição de 11 de outubro de 2010, publicou um editorial sobre o tema do mercado de serviços legais concluindo que a restrição para o funcionamento no Brasil de advogados estrangeiros, apenas como consultores em direito do país de origem, com base no provimento número 91 do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) seria imprópria.
Os fundamentos alegados no editorial foram no sentido de que: 1) a regulamentação da OAB é inconsistente com o regime jurídico multilateral da OMC (Organização Mundial do Comércio); 2.- como consequência, o Brasil poderia “sofrer sanções comerciais muito mais amplas que os interesses corporativos defendidos”; e 3.- a maioria dos advogados brasileiros não tem condição de atender às demandas das empresas estrangeiras que estão entrando no País, especialmente em matéria de contratos internacionais e moedas forâneas.
O editorial incorre em erros crassos. Em primeiro lugar, o Acordo Geral de Comércio em Serviços, o GATS, de 1994, não tratou especificamente da liberalização dos serviços legais. Alguns países, como os EUA e a UE (União Européia) fizeram ofertas parciais e limitadas quanto ao número de estados no primeiro (apenas 16) e de países no segundo, sempre restritas à situação dos consultores em direito estrangeiro, o que não foi o caso do Brasil.
As ofertas dos EUA e da UE foram hipócritas por nada oferecerem e tudo demandarem, como expliquei abundantemente em meu livro, A OMC e os Tratados da Rodada Uruguai, de 1995. Por conseguinte, o Brasil, ao regulamentar a situação do consultor estrangeiro pelo Provimento 91 foi além das suas obrigações multilaterais. Dessa maneira, não se pode falar em sanções, nem restritas e nem amplas a respeito da questão.
O último argumento usado no editorial é igualmente improcedente. Não se pode com seriedade afirmar que o advogado brasileiro não tem condições de assessorar empresas estrangeiras em matérias de contratos internacionais e moedas forâneas. Como então, até hoje, foram atendidas as empresas estrangeiras e o seu estoque de capital no país?
De mais a mais, nunca a advocacia brasileira esteve tão capacitada, com gabinetes em diversos países do mundo há décadas, com qualificações acadêmicas de peso, com conhecimento lingüístico muito superior ao dos advogados estrangeiros, e com um compromisso deontológico adequado aos interesses nacionais, aos bons costumes e à ordem pública interna.
O mencionado editorial não atentou à situação de regulamentação da advocacia no exterior e à motivação da incursão dos advogados estrangeiros nos grandes países em desenvolvimento, considerados como mercados a serem conquistados. Com referência ao primeiro tema, note-se que tanto os EUA como a UE praticam barreiras horizontais para o ingresso do advogado estrangeiro. De mais a mais, quando muito, o advogado brasileiro pode se qualificar como consultor em direito estrangeiro.
Mais ainda, tanto nos EUA como na UE, o advogado brasileiro tem que se qualificar domesticamente, como no Brasil. Nos EUA, no Estado da Florida, o escritório do consultor estrangeiro não pode contratar advogados locais há mais de 15 anos, como decidiu neste ano a OAB-SP. No Reino Unido, a qualificação do advogado brasileiro para o regime local é mais onerosa do que para advogados de outros países, aí sim em clara violação ao princípio basilar multilateral da cláusula da nação mais favorecida e, portanto, sujeito a sanções.
Por fim, a motivação da presença comercial dos escritórios estrangeiros não é, como quis o editorial, a prestação do serviço necessário pela incompetência do advogado brasileiro, mais sim puramente econômica. Profundamente abalados pela crise econômica e com milhares de advogados desempregados, procuram os profissionais dos EUA e do Reino Unido buscar mercados a conquistar.
No Reino Unido, a partir do próximo ano, deixará de existir a advocacia, como definida pelas convenções internacionais de regência, já que com as reformas introduzidas, a prestação de serviços legais e a propriedade dos escritórios poderá caber a não advogados, o que fará do gabinete jurídico um travesti de banco de investimento, com a ética já demonstrada durante a crise econômica.
O CCBE (Conselho de Ordens da União Européia) decidiu que as novas estruturas britânicas não se qualificam como escritórios de advocacia. A decisão é tanto clara quanto fundada, pois o vazio deontológico de tais estruturas rompe decididamente com a ética da advocacia, que privilegia o interesse público.
Assim, acertou a OAB-SP.