O nepotismo na diplomacia: o caso de Galeazzo Ciano

Artigo publicado em agosto de 2019, São Paulo, Brasil.

Nascido em Livorno, em 1903, Galeazzo Ciano era filho do almirante italiano, Costanzo Ciano, herói da primeira Grande Guerra Mundial, e depois embaixador e 1º. Conde de Cortelazzo e Buccari. Costanzo Ciano, ademais, era um expoente das classes privilegiadas italianas e coordenador da marinha mercante do Reino de Itália, assim como um dos fundadores do Partido Nacional Fascista. Seu filho, Galeazzo, teve uma educação privilegiada e falava perfeitamente o inglês e o francês. Posteriormente, aprendeu também o espanhol. Não gostava, mas também falava o alemão. Jogava o golfe e era um profissional do sorriso e da arte de vender.

Galeazzo sabia agradar e disto tinha consciência. Era esnobe, extrovertido e sobranceiro: um homem de vida fácil e pertencia ao pequeno número de privilegiados que falavam apenas entre si e com Deus. Mais importante, foi treinado pelo pai a ser o porta-voz dos grandes interesses econômicos e a ganhar dinheiro como um liberal cosmopolita, no que dissemelhava de Benito Mussolini. Ciano dizia que a sogra tinha o perfil de uma lavadeira. Em 1922, com apenas 19 anos, participou da Marcha a Roma, movimento fascista que representou um golpe de estado à ordem democrática. Era um galanteador e tinha muitos relacionamentos amorosos.

Em 1930, com 27 anos, casou-se Galeazzo Ciano com Edda Mussolini, a filha do ditador Mussolini, numa cerimônia religiosa com quatro mil convidados. O cruel ditador italiano escolhera Ciano para ser a face aceitável de seu tosco regime, por circular com pompa e desenvoltura nos ambientes sociais mais sofisticados na Itália e no exterior. Era mentiroso e hipócrita como somente um liberal pode ser, mas proferia as patranhas mais disparatadas com graça, encantando os interlocutores menos avisados. Vestia-se impecavelmente com tecidos ingleses trabalhados por alfaiates italianos. Naquele período, já havia tido cargos diplomáticos no Brasil e na Argentina.

Foi piloto da aeronáutica italiana, conduzindo bombardeiros que inclusive bombardearam populações civis com armas químicas, na campanha da Etiópia, em 1936. Ao regressar de sua campanha em África, naquele mesmo ano, com 33 anos de idade, foi nomeado ministro das relações exteriores da Itália, cargo que manteve até o início de 1943. Durante sua gestão à frente do ministério fascista das relações exteriores, apoiou a intervenção italiana na guerra civil espanhola; apoiou e subsidiou o movimento integralista no Brasil; foi o fautor da aliança militar chamada Eixo Roma, Berlim e Tóquio; e participou da Conferência de Munique de 1938. Na ocasião da formatação do Eixo, Ciano assinou o respectivo tratado sem se ater aos respectivos detalhes, o que causou um comentário do experiente embaixador Attolico, um profissional italiano da velha diplomacia, no sentido de que “nunca é bom um tratado aceito sem discussões, se o texto foi preparado pelo outro contraente”.

Tardiamente temeroso com uma possível adversa sorte da guerra, o que poderia prejudicar os seus vastos interesses econômicos, procurou convencer o sogro da importância da neutralidade, mas as suas ações pregressas como ministro de estado das relações exteriores levaram a Itália, inexoravelmente a se posicionar ao lado da Alemanha, no conflito mundial. Milhões de italianos morreram como resultado da aventura fascista, inclusive sob tortura, assassinados nas ruas, nas masmorras e nos campos de concentração. O país se viu dividido politicamente. A população passava fome. A infraestrutura nacional foi destruída pelos bombardeios aliados, da mesma maneira que grande parte da milenar herança histórica. O orgulhoso povo italiano perdeu a autoestima. Centenas de milhares de deficientes físicos e prisioneiros de guerra tiveram dificuldades de ingressar numa economia formal, que tardou a se estabelecer.

Galeazzo Ciano procurou proteger seus interesses econômicos familiares e se voltou contra o próprio sogro, Mussolini, depondo-o numa reunião do Grande Conselho do Fascismo, em meados de 1943. Ciano refugiou-se na Alemanha, em busca de um salvo conduto para a Espanha, de onde procuraria defender seus interesses econômicos, mas foi preso pelos nazistas. Libertado pelos alemães e reconduzido Mussolini à chefia da infame República de Salò, Ciano foi enviado de volta à Itália onde foi fuzilado pelo sogro em Verona, em 1944.
Ciano, conhecido e reverenciado como “o mais belo do reinado”, foi competente para lidar com as futilidades, para seduzir mulheres fáceis, para manter cortesãs, para angariar ganhos econômicos e financeiros, para enganar os tolos com suas mentiras, para ser adulado pelos mercenários liberais e pelas massas fascistas ignaras, mas nada disso o impediu de conduzir o seu país ao desastre, através da diplomacia, nem o levou a impedir a própria morte diante um pelotão de fuzilamento numa fria manhã na periferia de Verona.
A duras penas, o povo italiano aprendeu o custo de um diplomata incompetente de um regime espúrio.