OMC, Alca & Mercosul no Direito do Comércio Internacional

Palestra proferida na Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, Brasil, 13 de novembro de 1997.

A Constituição dos Estados Unidos determina que o presidente do país possui o “poder para, através do aconselhamento e consentimento do Senado, assinar tratados, desde que dois terços dos senadores presentes concordem.” (3) O poder para celebrar tratados é, portanto, dividido entre o Executivo e o Legislativo do governo dos EUA. A função do Senado é aconselhar e consentir sobre a assinatura de um tratado; as funções do presidente são celebrar, ratificar ou concordar com a assinatura de um tratado. O Senado pode incluir uma ou mais condições para o seu consentimento, requerendo que o tratado seja emendado pelo presidente, ou que o mesmo imponha certas reservas. O presidente somente poderá ratificar ou aceder ao tratado com as alterações propostas pelo Senado(4).

Esta sistemática bipolarizada do poder de celebrar tratados teve o condão de tirar a credibilidade dos negociadores internacionais dos EUA, diante da constatação de que o respectivo tratado resultante poderia muito bem ser retalhado pelo Senado daquele país. Evidentemente, os tratados comerciais, por sua vasta complexidade e por cobrirem ampla gama de interesses, são os mais vulneráveis a generalizadas modificações por força dos inúmeros grupos de pressão em atividade nos EUA.

Tendo em conta tal realidade, o Ato sobre Acordos Comerciais de 1974 (5) estabeleceu um mecanismo que permitiria, ao mesmo tempo, dar credibilidade para os negociadores americanos encarregados das tratativas internacionais visando um acordo comercial e manter a plena autoridade constitucional do Senado dos EUA. Tal mecanismo dispõe que o resultado dessa negociação deveria ser adotado ou recusado em bloco (6) pelo Senado americano, dentro de um determinado período, geralmente de 90 dias, desde que os negociadores tivessem se pautado dentro de diretrizes previamente autorizadas pelo Senado. A este processo, convencionou-se chamar de “via rápida”(7).

No tocante à hierarquia das normas, nos EUA as leis federais e os tratados são, tecnicamente, considerados como se estivessem no mesmo patamar. Por conseguinte, na ocorrência de um conflito entre uma lei federal e um tratado internacional, os tribunais interpretarão aquele que tiver sido constituído em último lugar como sendo a lei aplicável para a solução de uma situação litigiosa específica. Por outro lado, os tratados, na hierarquia das normas, situam-se acima das leis estaduais (8).

Por razões de hegemonia comercial, os EUA tomaram a iniciativa da Alca com o objetivo de conquistar o mercado de serviços dos demais parceiros comerciais; dominar o mercado agrícola através da manutenção do seu regime de subsídios; e estabelecer barreiras tarifárias a parceiros, seus concorrentes de fora da área de livre comércio. Todavia, para que pudessem convencer os parceiros comerciais a iniciar tais desesperançosas negociações era de fundamental importância a obtenção, pelo Poder Executivo, da autorização via rápida do Congresso daquele país (9).

No pedido encaminhado ao Congresso, o presidente Clinton apresentou justificativas visando uma autorização bastante abrangente compreendendo negociações multilaterais, assim como negociações regionais, muito embora o objetivo precípuo fosse a questão da Alca, vista pela responsável pelo escritório comercial dos EUA como uma excelente oportunidade para um “tremendo almoço grátis” para aquele país.

Conforme foi noticiado pela imprensa, o presidente Clinton foi forçado a retirar o pedido de “via rápida” em vista da iminente derrota que sofreria no Congresso. Dentre as exigências colocadas por membros expressivos da Câmara dos Representantes daquele país estava a de que nenhum acordo pudesse ser feito que contrariasse a lei interna dos EUA, justamente o país com o maior número de medidas unilaterais e incompatíveis com o Direito Internacional. Contam-se entre tais leis os próprios atos de implementação dos acordos da Rodada Uruguai e do Nafta que dispõem: “Nenhum dispositivo do acordo, nem a aplicação de qualquer dispositivo a uma pessoa ou circunstância, que seja incompatível com qualquer lei dos EUA, deverá ter eficácia”.(10)

Dentre as demais leis internas americanas, incompatíveis com a ordem jurídica internacional, estão a seção 301 do Ato sobre Comércio e Tarifas de 1974 e a sua infame legislação anti-dumping, de reputação fortemente protecionista, que causou a conhecida definição de dumping nos EUA formulada pelo economista chefe do Banco Mundial como sendo qualquer coisa que se consiga convencer o governo americano de combater e perseguir.(11)

Assim, um acordo comercial com os EUA representa, na melhor das hipóteses, em vista das idiossincrasias daquele país, mesmo com a aprovação da via rápida pelo Congresso, um alto risco jurídico (12). Sem tal autorização, o início de negociações com os EUA visando um acordo comercial seria um ato de ilimitada irresponsabilidade por parte dos governos envolvidos em tal malsinada empreitada.

Sem o fast track, a Alca é um defunto insepulto. Os negociadores americanos, acostumados a mentir pelo seu país como um dever de ofício, a partir deste momento, procurarão convencer os seus interlocutores dos méritos extraordinários de uma negociação com os EUA, ainda que sem a via rápida. Só os tolos acreditarão.

É chegado o momento de se dar ao conceito da Alca o destino adequado: uma cova rasa.